Paulo Haddad
Quando se observa a evolução das
finanças públicas no Brasil, há um processo quase irreversível que pode ser
observado. A despesa pública está sempre crescendo segundo um efeito
cremalheira, uma engrenagem que torna irreversível o retorno à posição
anterior. Ou seja, uma vez instituído um tipo de gasto público através de um
programa ou projeto governamental, ele irá aparecer em maior ou menor escala em
quase todos os orçamentos subsequentes. Essa irreversibilidade pode nascer de
alguma iniciativa politicamente legítima e justa ou de alguma iniciativa que
esconde algum interesse velado ou politicamente fisiológico. Em qualquer
situação, o aumento da despesa vem para ficar, quase sempre.
Como financiar, pois, um gasto público
que não para de crescer? A solução dos estamentos político-partidários é
monotonamente repetitiva: aumente a carga tributária. Não é de se estranhar,
portanto, que a nossa carga tributária tenha chegado a quase 40% do PIB (era de
26% em 1995) e que cada um de nós tenha os rendimentos financeiros de nosso
esforço produtivo relativo ao total de mais de cinco meses de trabalho
destinados tão somente para o pagamento de impostos, taxas e contribuições
para-fiscais aos três níveis de governo.
Não adianta comparar a nossa carga
tributária com a de alguns poucos países onde essa carga é muito maior
superando os 40% ou até mesmo se aproximando dos 50%. Trata-se de países mais
desenvolvidos com uma população mais envelhecida onde o Estado intervém de forma
mais intensa para oferecer serviços públicos e meritórios de qualidade
diferenciada. É o resultado da opção política dessas sociedades após a II
Grande Guerra por um modelo de Estado do bem-estar nas economias sociais de
mercado.
O dilema no caso brasileiro está na
absoluta incapacidade do nosso sistema político em redefinir a estrutura e a
dimensão dos gastos públicos. Há caminhos alternativos para se conceber e
implementar um ajuste fiscal pelo lado das despesas públicas, sem prejuízo
evidentemente de se iniciar um processo de modernização de nosso sistema
tributário para torná-lo mais justo, leve e flexível.
O que fazer? Os procedimentos são mais
fáceis de dizer do que de operacionalizar. Reduza significativamente o número
de ministérios e de órgãos da administração direta e indireta. Reprograme as
políticas públicas e os programas e projetos governamentais, eliminando as
sobreposições e os desperdícios de recursos materiais, humanos e
institucionais. Sintonize as ações programáticas com as aspirações e as
demandas prioritárias dos diferentes grupos sociais. Ou seja, o nó górdio não
está no como fazer, mas nas limitações políticas da atual administração do
governo federal para fazer a gestão da crise.
É evidente que o Estado brasileiro tem
muitas funções para exercer num país com elevada dívida social, com graves
desigualdades regionais, com sensíveis perdas na qualidade ambiental, com a
indispensável modernização dos sistemas produtivos numa economia globalizada.
Mas nada justifica buscar no aumento da carga tributária a solução mais fácil
para financiar o aumento da despesa pública que tem crescido muito mais do que
a economia ao longo dos últimos 30 anos.
Mark Blyth, economista escocês em livro
publicado este ano, afirma que o problema ou dilema do Estado no pensamento
econômico liberal é “não podemos viver com ele, não podemos viver sem ele, não
queremos pagar por ele”.