segunda-feira, 31 de agosto de 2015

NÃO CONSEGUE CORTAR O QUE PRECISA SER CORTADO



Levy, o 'mãos-de-tesoura' que não consegue cortar
Marcelo Camargo/Agência Brasil



(Bloomberg) -- Apelidado de "mãos-de-tesoura" por ter sido uma das figuras-chave do ajuste fiscal no governo Lula, em 2003, o ministro Joaquim Levy parece trabalhar de mãos atadas nesta segunda experiência em uma administração petista. Esta percepção sobre o ministro, juntamente com o risco de a nota de crédito do país ser cortado, alimenta a disparada do dólar nesta segunda-feira (31).
Em oito meses de Levy na Fazenda, o resultado fiscal só faz piorar e a meta de superávit para 2016 está prestes a sofrer a segunda revisão, agora para déficit. Enquanto a recessão prejudica as receitas, as sugestões de mais cortes de gastos esbarram na aparente falta de determinação do governo e na hostilidade do Congresso.
O mercado não questiona as credenciais de Levy. Seja em suas passagens pelo governo, seja no setor privado, Levy teve sempre um discurso totalmente em linha com o que a maioria do mercado prescreve para o país: ajuste fiscal baseado na austeridade de gastos e não aumento de impostos, câmbio flutuante sem amarras, combate à inflação, abertura comercial e privatizações -- o kit básico do economista liberal.
O que o mercado questiona é a capacidade do ministro em entregar resultados. "O Levy está murchando. Ele está perdendo as disputas internas", diz Vladimir Caramaschi, estrategista do banco francês Credit Agricole no Brasil.
Para Caramaschi, uma eventual saída de Levy poderá não ter um impacto muito forte no mercado, que já vem acompanhando o desgaste do ministro. Da mesma forma, a perda do grau de investimento pelo Brasil já está precificada. Isso se reflete no CDS brasileiro, que já se aproxima do nível da Rússia e é o segundo maior entre os Brics.
No caso de Levy deixar o posto, porém, tudo dependeria do nome do substituto ser visto como alguém com perfil similar. O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, que tem aparecido no noticiário sempre do lado oposto a Levy no debate sobre cortes de gastos, não deve ser este nome.
A dificuldade de Levy em tocar o ajuste fiscal agora contrasta com o sucesso que ele obteve em 2003 como secretário do Tesouro. A situação 12 anos atrás, contudo, parecia muito menos complexa. Embora Lula na época tenha dito que recebeu uma "herança maldita", o petista recebeu de FHC um superávit primário de 3,3% do PIB. Dilma, por sua vez, herdou de seu próprio primeiro mandato um déficit de 0,6% do PIB.
E a conjuntura para reverter o déficit hoje é muito mais difícil para Levy. Em 2003, o PIB crescia, embora pouco, enquanto hoje há recessão, o que prejudica a receita. Além disso, Levy no Tesouro em 2003 contava com o suporte do ministro Antonio Palocci, na época fortíssimo e com trânsito fácil no PT, partido ao qual é filiado.
O próprio presidente Lula em 2003 tinha popularidade e força política incomparavelmente superiores à demonstrada hoje por Dilma. Levy já enfrentaria sérias dificuldades para fazer o ajuste hoje mesmo se contasse com total apoio às suas políticas no governo. Mas parece não estar contando sequer com esta condição mínima.
--Com a colaboração de Roberto Cintra em São Paulo.
Levy diz não acreditar em recessão de dois anos no país

DESPESA MAIOR QUE A RECEITA



Proposta de orçamento com deficit é 'extremamente preocupante', diz Temer

O vice-presidente Michel Temer (PMDB) afirmou nesta segunda-feira (31) que é uma "coisa extremamente preocupante" o fato de o governo enviar uma proposta orçamentária de 2016 ao Congresso com previsão de deficit primário, mas que é algo necessário para a transparência. "É para registrar a transparência absoluta das questões orçamentárias, ou seja, não há mais maquiagem nas contas", disse Temer em evento promovido pela revista Exame.
Ele disse que o governo avaliou que sofreria uma derrota se propusesse a volta da CPMF e que por isso foi melhor ter uma proposta transparente. "Foi melhor que a transparência se desse para que, desde logo, disséssemos que precisamos de apoio de todos os setores da sociedade brasileira, do Congresso, para construirmos juntos uma solução para a crise econômica", disse o vice-presidente.
Na abertura de sua fala no evento, Temer citou sua polêmica de cerca de um mês atrás, quando falou da gravidade da crise econômica e política e disse que o país precisava de "alguém" que reunificasse a nação. Temer disse que hoje o país passa por um "momento difícil" e que às vezes as coisas óbvias precisam ser colocadas.

Governo chega ao fundo do poço e o delimita, diz Jucá, sobre Orçamento de 2016

·         Pedro Ladeira/Folhapress


                                   O senador Romero Jucá (PMDB-RR)

O senador Romero Jucá (PMDB-RR) elogiou a decisão do governo Dilma Rousseff de mandar nesta segunda-feira (31) ao Congresso o projeto de Lei do Orçamento Anual (PLOA) de 2016 com deficit.
Para ele, que foi consultado previamente pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a decisão acaba com a tentativa do Executivo de continuar a prática de maquiar as contas públicas. "O governo chega ao fundo do poço e delimita o poço", disse Jucá, que foi relator do Orçamento deste ano. O peemedebista disse que, antes da adoção de um orçamento "realista", o mercado projetava o pior, o que levava os agentes econômicos a serem os mais conservadores possíveis.
Em entrevista ao "Broadcast", serviço em tempo real da Agência Estado, o senador do PMDB disse também que uma das soluções para sair do deficit é a emissão de títulos a fim de rolar a dívida pública.
Ele destacou que, a partir da constatação do desequilíbrio das contas, o governo terá de trabalhar junto com outros setores a fim de solucionar o impasse. "A discussão do deficit coloca todo mundo na busca de uma solução, empresários, Congresso e governo", avaliou.

COMO GASTAR




  

José Antônio Bicalho




Estava demorando. Na semana passada, com a divulgação do tenebroso resultado das contas públicas em julho (déficit primário de R$ 7,224 bilhões), da queda do PIB no segundo trimestre (-1,9%) e da entrada do país em recessão técnica, o conservadorismo voltou a se agitar. E a sanha se voltou, como sempre, contra os programas sociais e de distribuição de renda e os direitos trabalhistas.

Reunidos em Campos do Jordão (SP), na última sexta-feira, no Congresso Internacional de Mercados Financeiro e de Capitais, a quintessência do liberalismo econômico brasileiro colocou na mesa suas sugestões para cobrir o rombo das contas públicas. Vamos às que mais me preocuparam.

Para o economista Samuel Pessôa, pesquisador do ultraliberal Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas, “a sociedade (deveria) olhar o contrato social e ver que precisa mudar, como por exemplo a idade mínima na Previdência”. Já Affonso Celso Pastore, que participou da mesma mesa redonda, afirmou que “ainda que o governo escolha gastar mais para o bem-estar social, há limites e eles já foram ultrapassados”.

Economia é ciência e os argumentos contra os avanços recentes do ‘contrato social’ e pela redução de direitos trabalhistas podem ser corroborados matematicamente. Mas economia é antes de tudo ciência humana e o componente da justiça social não pode ficar fora das fórmulas que sustentam uma tese, pelo menos não num país tão injusto como o Brasil.

Não entrarei no mérito de quanto os programas de distribuição de renda aplicados nos últimos anos colaboraram para a difícil situação atual das contas públicas. Mas é hipócrita apontar o dedo para os gastos sociais do governo e para os direitos dos trabalhadores antes de corrigir distorções como a aposentadoria diferenciada para funcionários públicos, os salários astronômicos (e ilegais) pagos ao judiciário, os gastos sem controle do legislativo, a não taxação de grandes riquezas, os impostos que recaem mais pesadamente sobre os mais pobres e tantas outras.

É fato que a economia atravessa um momento absolutamente delicado. Mas se formos prescrever um receituário de reformas estruturais é preciso ter em mente que a doença estrutural continua sendo a absurda distribuição de renda e a divisão da sociedade brasileira entre cidadãos de primeira e de segunda categoria. Não se trata de cortar de quem tem pouco, mas de taxar quem tem de sobra.

domingo, 30 de agosto de 2015

GOVERNO TRAPALHÃO



  

Ricardo Galuppo



O governo ganhará muito se desistir, enquanto ainda há tempo, da mania de achar que a improvisação e as criticas à oposição são os únicos caminhos para chegar em segurança ao dia 31 de dezembro de 2018. Se tais hábitos forem substituídos por um pouco (um pouquinho só) de profissionalismo, a presidente Dilma Rousseff pode ter algum sossego e talvez até recupere um naco da popularidade que deixou escapar entre os dedos. Infelizmente, para ela e para o Brasil, nada indica que isso acontecerá. Muito pelo contrário: os movimentos mais recentes levam a crer que o Planalto insistirá nas notas desafinadas que, até aqui, têm sido as responsáveis pela falta de melodia, ritmo e harmonia da atual administração.

A semana especialmente rica em tiros no pé começou com o anúncio da intenção de podar uma dezena na penca de 39 ministérios pendurada na Esplanada de Brasília. Em seguida, veio a atabalhoada entrada em cena do debate sobre a volta da CPMF — o velho imposto dos cheques. Para citar um último exemplo de falta de bom senso, basta mencionar o discurso da presidente na quinta-feira, durante a cerimônia em homenagem aos atletas que representaram o Brasil nos jogos Panamericanos de Toronto. Numa solenidade em que poderia ter demonstrado grandeza, ela voltou a se apequenar ao acusar os adversários de desrespeitar o resultado das eleições.

Distorções impensáveis

O que cada uma dessas situações tem a ver com a outra? São partes que integram o todo das trapalhadas e da falta de rumo político do governo. Veja o caso dos ministérios. Até o mais parvo dos cidadãos sabe que, no Brasil, a quantidade de pasta é inversamente proporcional à eficiência na administração pública. E que esse número absurdo de 39 surgiu apenas para sossegar os partidos da “base aliada” com cargos que lhes permitam nomear amigos e liberar verbas a torto e a direito. O resultado da farra gerada por esse modelo se traduz na gestão sofrível e gera distorções impensáveis em qualquer país sério.

Veja, por exemplo, o caso do agronegócio, único braço da economia que ainda tem alguma capacidade de produzir novidades positivas — e que agora também começa a andar para trás. Ele está sujeito à fiscalização e à interferência de pelo menos três ministérios distintos: o da Agricultura, o do Desenvolvimento Agrário, o do Meio Ambiente. Uma pitada de ordem nessa bagunça seria desejável e necessária — e, nesse ponto, Dilma tem até razão ao falar em reduzir a quantidade de ministérios. Mas por que dez? Com que critério ela chegou a esse número? Por que não nove? Ou doze? Quais pastas sobreviverão e quais deixarão de existir?

Por tudo o que se vê, a presidente precisa por ordem no próprio terreiro antes de procurar na oposição os culpados pelos dissabores que enfrenta. No Brasil de Dilma Rousseff, o governo é o pior adversário do governo.