Levy, o 'mãos-de-tesoura'
que não consegue cortar
Marcelo
Camargo/Agência Brasil
(Bloomberg) -- Apelidado de "mãos-de-tesoura" por ter sido uma
das figuras-chave do ajuste fiscal no governo Lula, em 2003, o ministro Joaquim
Levy parece trabalhar de mãos atadas nesta segunda experiência em uma
administração petista. Esta percepção sobre o ministro, juntamente com o risco
de a nota de crédito do país ser cortado, alimenta a disparada do dólar nesta
segunda-feira (31).
Em oito meses de Levy na Fazenda, o resultado fiscal só faz piorar e a
meta de superávit para 2016 está prestes a sofrer a segunda revisão, agora para
déficit. Enquanto a recessão prejudica as receitas, as sugestões de mais cortes
de gastos esbarram na aparente falta de determinação do governo e na
hostilidade do Congresso.
O mercado não questiona as credenciais de Levy. Seja em suas passagens
pelo governo, seja no setor privado, Levy teve sempre um discurso totalmente em
linha com o que a maioria do mercado prescreve para o país: ajuste fiscal
baseado na austeridade de gastos e não aumento de impostos, câmbio flutuante
sem amarras, combate à inflação, abertura comercial e privatizações -- o
kit básico do economista liberal.
O que o mercado questiona é a capacidade do ministro em entregar
resultados. "O Levy está murchando. Ele está perdendo as disputas
internas", diz Vladimir Caramaschi, estrategista do banco francês Credit
Agricole no Brasil.
Para Caramaschi, uma eventual saída de Levy poderá não ter um impacto
muito forte no mercado, que já vem acompanhando o desgaste do ministro. Da
mesma forma, a perda do grau de investimento pelo Brasil já está precificada.
Isso se reflete no CDS brasileiro, que já se aproxima do nível da Rússia e é o
segundo maior entre os Brics.
No caso de Levy deixar o posto, porém, tudo dependeria do nome do
substituto ser visto como alguém com perfil similar. O ministro do
Planejamento, Nelson Barbosa, que tem aparecido no noticiário sempre do lado
oposto a Levy no debate sobre cortes de gastos, não deve ser este nome.
A dificuldade de Levy em tocar o ajuste fiscal agora contrasta com o
sucesso que ele obteve em 2003 como secretário do Tesouro. A situação 12 anos
atrás, contudo, parecia muito menos complexa. Embora Lula na época tenha dito
que recebeu uma "herança maldita", o petista recebeu de FHC um
superávit primário de 3,3% do PIB. Dilma, por sua vez, herdou de seu próprio
primeiro mandato um déficit de 0,6% do PIB.
E a conjuntura para reverter o déficit hoje é muito mais difícil para
Levy. Em 2003, o PIB crescia, embora pouco, enquanto hoje há recessão, o que
prejudica a receita. Além disso, Levy no Tesouro em 2003 contava com o suporte
do ministro Antonio Palocci, na época fortíssimo e com trânsito fácil no PT,
partido ao qual é filiado.
O próprio presidente Lula em 2003 tinha popularidade e força política
incomparavelmente superiores à demonstrada hoje por Dilma. Levy já enfrentaria
sérias dificuldades para fazer o ajuste hoje mesmo se contasse com total apoio
às suas políticas no governo. Mas parece não estar contando sequer com esta
condição mínima.
--Com a colaboração
de Roberto Cintra em São Paulo.
Levy diz não acreditar em recessão de dois anos no
país