segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

BOLSONARO PREFERE FICAR NEUTRO NESSE CONFLITO

 

Editorial
Por
Gazeta do Povo

O presidente da República, Jair Bolsonaro (PL).| Foto: Marcos Corrêa/Presidência da República

Atravessamos um momento histórico delicado no qual a clareza nas convicções e nos atos é fundamental. Como não se via há décadas, temos um país militarmente poderosíssimo atacando outro, mais fraco, que não o agrediu. Há destruição de cidades, centenas de inocentes mortos e o risco de o conflito ganhar proporções globais. É o tipo de situação explícita o bastante para não deixar sombra de dúvida sobre o quão injusta, perigosa e equivocada é. Exatamente por conta disso, a hesitação do presidente Jair Bolsonaro em condenar a invasão russa é surpreendente e difícil de ser compreendida.

A Rússia de Vladimir Putin é o principal parceiro econômico e militar das ditaduras de Cuba e da Venezuela, que o presidente Bolsonaro conhece muito bem e que corretamente critica com frequência, apontando, especialmente, para seus abusos no campo dos direitos humanos e no desprezo pela democracia. Portanto, o presidente sabe que não está lidando com uma potência que preza pela paz e pela liberdade. O reconhecimento dessa verdade deveria ser o suficiente para o Brasil evitar alguns dos erros que cometeu desde que esse triste episódio da história contemporânea ganhou as proporções atuais.

Uma das falhas mais graves foi a lentidão em retirar do país os brasileiros que lá estavam. Enquanto outros países emitiram alertas e convocavam seus cidadãos para deixarem a Ucrânia mesmo antes da invasão se consumar, o Itamaraty revelou que não tinha nem sequer um plano de evacuação quando Putin lançou as primeiras bombas, o que dá a entender que o Brasil apostou suas fichas numa suposta disposição para o diálogo do autocrata russo, como se fosse absurdo cogitar que ele realmente fizesse o que fez.

Mesmo agora, quando o número de vítimas fatais chega às centenas, o presidente brasileiro parece hesitar em condenar com clareza o que a Rússia fez.  Neste sábado (26), três dias após a violenta e absurda invasão do território ucraniano pelo exército de Putin, Bolsonaro enfim resolveu falar do conflito por meio de sua conta no Twitter. Sua mensagem trata da remoção dos brasileiros, menciona a posição do Brasil “em defesa da soberania, da autodeterminação e da integridade territorial dos Estados” que, segundo ele, “sempre foi clara” e afirma que tal posição está sendo comunicada por meio dos “canais adequados para isso”. No entanto, a mensagem é encerrada sem fazer nem uma menção sequer à Rússia, o ente agressor diretamente responsável pelos mortos, feridos e refugiados – entre os quais estão os brasileiros que o governo, agora, corre para socorrer.

Ainda que a representação diplomática do Brasil tenha feito o que se esperava dela no Conselho de Segurança da ONU, votando a favor da resolução que condenava oficialmente a invasão – documento que acabou vetado pela própria Rússia -, a recusa do presidente em emitir ele mesmo qualquer crítica à flagrante violação da soberania ucraniana pelas tropas russas constrange a qualquer brasileiro de bom senso, que tenha ciência dos horrores da guerra. Não há malabarismo argumentativo capaz de amenizar o que Putin está fazendo e não há relativizações plausíveis.

Aliás, as decisões de Bolsonaro sobre o papel do país nessa crise têm provocado confusão desde antes de ela estourar com a invasão. Há cerca de dez dias, quando os tanques russos já se movimentavam de modo ameaçador na fronteira com a Ucrânia, o presidente escolheu manter uma viagem de fins comerciais para Moscou. Não se contentando com a assinatura de acordos em momento totalmente inoportuno, Bolsonaro fez questão de declarar, ao lado de Putin, que é “solidário à Rússia” sem especificar a que exatamente estava se referindo.

Não há malabarismo argumentativo capaz de amenizar o que Putin está fazendo e não há relativizações plausíveis

Quando as democracias mais relevantes do planeta estavam empenhadas em dissuadir a sanha militarista de Putin, obviamente, a viagem do presidente brasileiro foi lida pela comunidade internacional como um endosso ao principal responsável pela escalada das tensões, o que talvez justifique a “grande impaciência” com a qual a visita de Bolsonaro era esperada pelo Kremlin. Afinal, ali estava o líder de uma grande nação democrática do Ocidente demonstrando, orgulhosamente, sua amizade e solidariedade com a Rússia. Uma narrativa muito conveniente aos russos, que puderam usá-la para acusar de falsa a tese do suposto isolamento que o país enfrenta no mundo.

É certo que, naquele momento, os analistas internacionais se dividiam entre o alarmismo de uma invasão iminente e a leitura da posição de Putin como uma estratégia agressiva para conseguir melhores posições na mesa de negociação com as grandes potências, em face do risco de um desfecho violento. Porém, a situação exigia prudência e não era necessário um encontro entre os dois presidentes para garantir acordos comerciais, quando o tema mais importante era outro, sobretudo se considerarmos que tais promessas apalavradas não valem muita coisa num cenário de sanções econômicas cada vez mais fortes da comunidade internacional contra a Rússia.

Depois, em mais uma demonstração de ambiguidade, Bolsonaro desautorizou publicamente o que foi dito pelo vice-presidente Hamilton Mourão, quando este afirmou que o Brasil “não está neutro” e “não concorda com uma invasão do território ucraniano”, uma posição entendida como natural, tendo em vista a condição do Brasil de aliado extra-Otan.

A justificativa agora usada pelo presidente para explicar seu silêncio sobre a Rússia, de que a posição do Brasil é comunicada em fóruns adequados, também soa estranha dado o histórico do próprio Bolsonaro. Desde que assumiu o Planalto, por muito menos, ele não se eximiu de fazer comentários a respeito de diversas situações internacionais que não envolviam diretamente o país, mas eram passíveis de crítica por quem compartilha os valores morais e cívicos frequentemente invocados por ele.

Então, até que o presidente esclareça melhor, todo brasileiro de bem que lê no noticiário sobre as mortes provocadas por essa guerra insana prosseguirá se perguntando: por que Bolsonaro não condena de forma clara à violência da Rússia contra a Ucrânia? O que o motiva a tal omissão quando praticamente todos os líderes democráticos relevantes do Ocidente já se pronunciaram de forma mais corajosa e correta? E, indo mais além, por que não adota uma posição firme de sinalizar com que sanções fortes contribuirá para que o mundo volte à paz?

Para todos os efeitos, convém fazer a ressalva de que não se pretende ser injusto com a atual diplomacia brasileira. É da ciência de todos que atuam nesse campo o fato de que a oficialidade importa muito, o que coloca o Brasil numa posição evidentemente superior às lamentáveis abstenções da China, dos Emirados Árabes e da Índia, expressadas no Conselho de Segurança da ONU, e, logicamente, a léguas de distância da simpatia sistemática por regimes autoritários, como a que víamos quando o Itamaraty estava sob a regência do Partido dos Trabalhadores.

Porém, para quem acompanha atentamente a atuação do presidente ao longo de seu mandato, a postura repete um padrão infeliz. Parece ir de encontro ao que pensa seu próprio entorno, como as autoridades militares mais próximas do Planalto. Mesmo que estivesse pensando de forma exclusivamente eleitoral – o que seria triste -, é difícil entender que tipo de benefício essa postura pode trazer para quem quer que seja. As pessoas tendem a perceber a ambiguidade de governantes e isso gera incerteza, desconforto e desconfiança.


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ATÉ ONDE VAI A PARCERIA CHINA E A RÚSSIA

 

Guerra na Ucrânia
Por
Fábio Galão – Gazeta do Povo

O presidente russo, Vladimir Putin, e o ditador chinês, Xi Jinping, em encontro pouco antes da abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim, no início de fevereiro| Foto: EFE/EPA/ALEXEI DRUZHININ/KREMLIN/SPUTNIK

Os anúncios de sanções econômicas do Ocidente contra a Rússia, iniciados após o reconhecimento de Moscou das repúblicas separatistas de Donetsk e Lugansk e intensificados depois da invasão à Ucrânia, gera dúvidas sobre a capacidade do país sobreviver economicamente a essas restrições.

Desde as sanções de 2014, a última vez em que a Rússia havia atentado contra a soberania ucraniana, ao anexar a Crimeia e apoiar os separatistas em Donbass, o presidente Vladimir Putin criou estratégias para diminuir o impacto dessas medidas sobre o país, mas a China, segunda maior economia do mundo e sua parceira estratégica, é considerada por alguns a grande carta na manga. Mas o gigante asiático seria capaz de compensar o fechamento de mercados no Ocidente?

Segundo reportagem do New York Times, a China já compra da Rússia mais petróleo do que adquire da Arábia Saudita e acertou recentemente a importação de 100 milhões de toneladas de carvão russo (no valor de mais de US$ 20 bilhões) e a compra de trigo produzida no país com o qual faz fronteira no leste asiático.

No início de fevereiro, pouco antes da abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim, o ditador do país asiático, Xi Jinping, e o presidente russo, Vladimir Putin, anunciaram que vão intensificar a cooperação entre os dois países. Xi afirmou na ocasião que ambos enfrentarão juntos as “ingerências externas e as ameaças à segurança regional”, enquanto o russo destacou que a China é o parceiro estratégico “mais importante e um amigo próximo” de Moscou.

Porém, embora o comércio bilateral entre os dois países tenha atingido em 2021 um recorde de mais de US$ 146 bilhões, as transações da Rússia com a União Europeia totalizaram bem mais, quase US$ 220 bilhões no ano passado.

Fala-se muito da dependência da União Europeia do gás natural russo, que representa 40% das suas importações do produto, mas é uma dependência de mão dupla, já que a China não compra a mesma quantidade e paga mais barato.

“A China ainda não está em condições de substituir inteiramente a União Europeia como parceiro (russo)”, apontou Eugene Chausovsky, pesquisador do think tank Newlines Institute, em artigo publicado no site Foreign Policy.

Ele destacou que o aumento das exportações de energia para a China exigiria um investimento de dezenas de bilhões de dólares em infraestrutura. Além disso, “a Europa atualmente paga preços muito mais altos pelo gás natural russo por meio de mercados spot do que a China por meio de seu contrato de 30 anos com a [estatal russa] Gazprom, assinado em 2014, pouco antes do conflito original na Ucrânia”, acrescentou Chausovsky.

Na questão da invasão à Ucrânia, embora tenha criticado as sanções, a China não tem apoiado diretamente a ofensiva da Rússia – na sexta-feira, Pequim se absteve numa votação no Conselho de Segurança das Nações Unidas em que uma resolução para condenar a operação foi vetada pela própria Rússia.

“[O apoio econômico e financeiro chinês à Rússia] não significa que a China apoie diretamente em qualquer grau o expansionismo russo – significa apenas que Pequim sente fortemente a necessidade de manter e impulsionar a parceria estratégica com Moscou”, disse Shi Yinhong, professor de relações internacionais da Universidade Renmin, em Pequim, ao New York Times.

Nessa linha, é importante destacar que o comércio da China com os Estados Unidos e a União Europeia somou cerca de US$ 1,6 trilhão no ano passado, mais de dez vezes mais do que entre chineses e russos. Ou seja: Pequim pode estar receosa de que as sanções contra Moscou respinguem nela se apoiar claramente o grande pária da geopolítica do momento.

“A China não quer se envolver tanto a ponto de ser prejudicada como resultado de seu apoio à Rússia”, afirmou Mark Williams, economista-chefe da Capital Economics para a Ásia, à Associated Press. “Tudo depende de se eles estão dispostos a arriscar seu acesso aos mercados ocidentais para ajudar a Rússia, e não acho que estejam. Não é um mercado tão grande.”


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SWIFT - SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÕES FINANCEIRAS INTERCAMBIÁVEIS

 

Guerra na Ucrânia
Por
Vandré Kramer e EFE – Gazeta do Povo

Swift está sediada em um subúrbio de Bruxelas, na Bélgica| Foto: EFE

O alto representante para as relações exteriores da União Europeia, Josep Borrell, anunciou neste domingo que bancos russos vão ser desligados do Swift – Serviço de Telecomunicações Financeiras Interbancárias -, um sistema de comunicação que viabiliza o pagamento e a transferência de recursos entre empresas de diferentes países.

“Chegamos a um acordo para retirar certos bancos russos do Swift e impor medidas restritivas que paralisarão os ativos do Banco Central da Rússia.” Um dos temores de países como Alemanha, França e Itália é de que o país euroasiático corte o fornecimento de gás natural e de petróleo para a região.

Uma ameaça desse tipo foi feita pelo vice-presidente da Casa Alta do Parlamento Russo, Nikolai Zhuralev. No final de janeiro, ele disse à agência de notícias russa TASS que, se a Rússia fosse desconectada do Swift, o país não receberia moeda estrangeira, mas os compradores estrangeiros – europeus em primeiro lugar – não receberiam petróleo, gás, metais e outros importantes componentes.

Enquanto o bloqueio de transações com o Banco Central Russo entrará em vigor no momento em que a medida for publicada no Diário Oficial da UE, a exclusão de entidades russas do Swift ainda exige mais um procedimento legal.

O sistema foi criado em 1973 e está baseado na Bélgica. Ele interliga 11 mil bancos e instituições financeiras em mais de 200 países. É uma propriedade conjunta de mais de 2 mil instituições. É fiscalizado pelo Banco Nacional da Bélgica (o BC belga) em parceria com outros importantes bancos centrais.

O objetivo da medida, de acordo com a BBC, é o de fazer que empresas russas percam acesso ao fluxo normal e instantâneo de transações fornecidas pelo Swift. Pagamentos pelo fornecimento de energia e produtos agrícolas poderão ser afetados.

Um artigo escrito por Maria Shagina, do Finnish Institute of International Affairs, no ano passado, aponta que o corte representaria o fim das transações internacionais para a Rússia, traria volatilidade cambial e uma saída maciça de capital.”

Precedente em 2012

Há um precedente em relação à retirada de países do sistema Swift. Em 17 de março de 2012, todos os bancos iranianos identificados como instituições que violavam as sanções estabelecidas pela União Europeia foram retirados do sistema. Entre eles estavam o Saderat Bank of Iran, Bank Mellat, Post Bank of Iran and Sepah Bank.

O país perdeu quase metade de suas receitas de exportação do petróleo e 30% do comércio exterior, segundo Shagina.

A Rússia já foi ameaçada em ser excluída do Swift em 2014, quando ocorreu a invasão da Crimeia. Na ocasião, o país disse que a medida seria equivalente a uma declaração de guerra.

Swift não é único, mas é o sistema mais relevante

O Swift não é o único sistema internacional de pagamentos, mas é o mais relevante. No ano passado, o volume médio diário de transações processadas por intermédio foi de 42 milhões, um crescimento de 11,2% em relação ao ano anterior.

Já neste ano, até 2 de fevereiro, foram 961 milhões de mensagens financeiras. Isto representa uma alta de 10,72% em comparação a 2021. Segundo a BBC, cerca de 1% das transferências envolvem pagamentos russos.

Outros sistemas são mais restritos. Há o CIPS, patrocinado pela China e que envolve operações financeiras com moeda chinesa em bancos chineses; o SFMS, da Índia e o SPFS, da Rússia.

O sistema russo tem mais de 400 instituições financeiras vinculadas. No final de 2020, segundo a agência russa de notícias TASS estavam conectados 23 bancos estrangeiros de países como Armênia, Belarus, Alemanha, Cazaquistão, Quirguistão e Suíça.

Shagina estima que 20% das transações domésticas russas utilizam o SPFS, mas as transações são limitadas e as operações são restringidas a dias uteis.


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MILITARES BRASILEIROS GASTAM BILHÕES NA PANDEMIA

 

O blog que fiscaliza o gasto público e vigia o poder em Brasília

Por
Lúcio Vaz – Gazeta do Povo

Apresentação do caça Gripen, avião supersônico de combate, em outubro de 2020.| Foto: 2SBianca/FAB

As vacinas da Covid-19 demoraram para chegar, mas sobrou dinheiro para comprar caças, submarinos, helicópteros e blindados em 2020 e 2021. O Ministério da Defesa executou 102% dos investimentos previstos no Orçamento da União nesse período, gastando R$ 15,5 bilhões com equipamentos militares. Dinheiro suficiente para comprar 300 milhões de doses de vacina. Os caças foram recebidos pelo presidente Jair Bolsonaro. Mas os investimentos foram baixos nos ministérios da Educação, Saúde e Meio Ambiente. Faltou dinheiro para escolas, melhorias em habitações populares e contenção de cheias.

Só no ano passado, as Forças Armadas tiveram dotação orçamentária de R$ 7,55 bilhões para investimentos. O total pago chegou a R$ 7,4 bilhões – ou 98% do previsto no orçamento. Bateu o Ministério da Infraestrutura, que absorveu as obras de grande porte do antigo Ministério dos Transportes e executou R$ 7 bilhões. O Ministério do Desenvolvimento Regional, que toca obras como a Transposição do Rio São Francisco, executou R$ 6,6 bilhões – o equivalente a 54% da dotação aprovada.

No ano anterior, a fartura dos militares foi ainda maior. O Ministério da Defesa bateu e superou a meta. Teve dotação orçamentária de R$ 7,7 bilhões e executou R$ 8,1 bilhões – 105% do previsto. Isso é possível porque são pagos “restos a pagar” de orçamentos anteriores. A Infraestrutura teve dotação de R$ 8,45 bilhões e executou R$ 7,8 bilhões – 92% do total. O Desenvolvimento Regional executou R$ 8,5 bilhões – 72% do previsto no orçamento.

O levantamento dos dados no Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI) foi feito pela Associação Contas Abertas. O economista e fundador da associação, Gil Castello Branco, afirma que “orçamento compreende escolhas, e as realizadas pelos políticos brasileiros, muitas vezes, contrariam o interesse público. Como exemplo, em 2021 o país gastou R$ 1,2 bilhão com o programa ‘gestão de riscos e desastres’, recursos que são empregados na prevenção e recuperação de eventos climáticos e tragédias como as que habitualmente ocorrem no verão, há muitos anos”.

Castello Branco destaca que “o valor pago em 2021 foi o menor desde 2010, mesmo em valores correntes, sem a correção pela inflação das despesas dos anos anteriores. Enquanto os fenômenos climáticos acontecem cada vez com maior frequência e intensidade, paradoxalmente, no ano de 2021, gastamos R$ 1,4 bilhão com a compra de aviões caças, valor este superior aos dispêndios para o enfrentamento de desastres, tal como o que ocorreu em Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro”.

No dia 18 deste mês, o presidente Bolsonaro fez um sobrevoo em áreas afetadas pelas chuvas, em Petrópolis (RJ), seguido de reunião de trabalho sobre medidas emergenciais do governo federal. O presidente permaneceu por três horas no município. A prevenção teria evitado mortes e os elevados custos de recuperação da área atingida.

Militares vão às compras
A Defesa contava com R$ 1,08 bilhão para a construção de submarinos convencionais e nucleares em 2021. Conseguiu executar R$ 1,2 bilhão – 112% da dotação. Contava, ainda, com mais R$ 260 milhões para a implantação de estaleiro e base naval para construção e manutenção de submarinos. Executou R$ 286 milhões – 110% do previsto.

Havia uma dotação de R$ 1,3 bilhões para aquisição de aeronaves caça Gripen – o Projeto FX-2. A execução orçamentária chegou a R$ 1,44 bilhão – 110% do previsto. A revitalização e modernização da frota de aeronaves AM-X tinha dotação de R$ 103 milhões. Foram executados R$ 110 milhões – 106% do total. O Orçamento da União previa R$ 425 milhões para a compra de avião cargueiro tático militar de 10 a 20 toneladas, o Projeto KC-390. A execução ficou em R$ 350 milhões – 82% do previsto.

O Exército contava com R$ 399 milhões no orçamento para a implantação do projeto Forças Blindadas. Executou R$ 522 milhões – 130% da dotação orçamentária. Havia uma previsão de R$ 213 milhões para a implantação do Sistema de Aviação do Exército. A execução chegou a R$ 152 milhões, ou 71% do total. A modernização estratégica e operacional do Exército tinha R$ 147 milhões no orçamento de 2021, mas conseguiu uma execução de R$ 156 milhões – 106% do previsto.


Onde o dinheiro foi escasso
O Ministério da Educação tinha R$ 5 bilhões para investimentos do ano passado. Executou R$ 3,4 bilhões – dois terços do previsto. O projeto de lei orçamentária previa R$ 222 milhões para apoio à implantação de escolas para educação infantil. Mas a dotação atualizada caiu para R$ 50 milhões – valor que acabou sendo executado. O apoio à infraestrutura para a educação básica contava com R$ 755 milhões no Orçamento da União, mas a execução ficou em R$ 433 milhões – 57% do total.

O Ministério da Saúde contava com R$ 5,3 bilhões em investimentos, mas a e execução ficou em R$ 3,4 bilhões. Havia R$ 167 milhões para projetos de implantação e melhoria de sistema públicos de abastecimento de água, esgoto sanitário e manejo de resíduos sólidos em municípios com até 50 mil habitantes. Já era pouco, mas a execução orçamentária ficou em apenas R$ 18 milhões – 10% do previsto. A modernização de unidades de Fundação Oswaldo Cruz, uma instituição fundamental no combate ao coronavírus, tinha previsão orçamentária de R$ 147 milhões. A execução ficou em R$ 87 milhões.

A penúria foi ainda maior no Ministério do Meio Ambiente, que contou com apenas R$ 147 milhões para investimentos em 2021. A execução ficou em R$ 59 milhões – 40% do total. Mas esse ministério é um caso à parte. Como mostrou reportagem do blog, em maio de 2020, servidores denunciariam que o então ministro Ricardo Salles promoveu o desmonte da máquina de fiscalização e o desmonte dos órgãos ambientais. A escassez de recursos não foi apenas em investimentos, atingindo também atividades rotineiras e despesas de custeio.


Defesa: “São investimentos”
O blog questionou se o Ministério da Defesa considera adequadas essas despesas num momento de déficit fiscal, crise econômica e crise sanitária. O ministério respondeu que “os recursos orçamentários empregados em Defesa não são gastos, mas sim investimentos, em especial em projetos estratégicos, fator relevante para o desenvolvimento e o progresso do Estado brasileiro. Esses investimentos são necessários para garantir a manutenção da soberania nacional e advém de contratos de longo prazo, que também sofrem com cortes, contingenciamentos e bloqueios orçamentários”.

Segundo a Defesa, esses projetos, juntamente com a Base Industrial de Defesa (BID), são responsáveis pela geração de mais de 1 milhão de empregos diretos e indiretos. “Além disso, essas iniciativas e contratos contribuem significativamente para o giro da economia nacional, conforme apontam estudos da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), no qual, cada R$ 1,00 (um real) investido no setor de defesa, provoca o giro na economia interna de R$ 3,66 (três reais e sessenta e seis centavos), bem acima de outros setores da economia”.

Como se constata, a indicação da manutenção dos investimentos em Defesa é um instrumento estatal eficaz e efetivo para contribuir com a economia interna, garantindo empregos e renda, nos mais diversos setores da economia.

O ministério acrescentou que os estudos da FIPE “também apontam efeitos positivos no registro de trabalhadores, entre os quais, engenheiros e técnicos que contribuem para reter no Brasil mão de obra altamente especializada; no PIB, em torno de 9%; e na balança comercial brasileira, ampliando a exportação de bens e serviços com alto valor agregado. Isso proporciona diversos benefícios para a nossa sociedade, como o desenvolvimento econômico; a projeção internacional do País; a presença do Estado nas áreas mais remotas do Brasil; o fomento à pesquisa, desenvolvimento e inovação; e a dissuasão extrarregional em defesa da nossa soberania”.


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PUTIN É UM ESTRATEGISTA CALCULISTA E FRIO

 

Conflito na Rússia

Por
Alexandre Garcia – Gazeta do Povo

| Foto: EFE/EPA/SERGEY GUNEEV/KREMLIN POOL/SPUTNIK

Bolsonaro está fazendo, obviamente, porque é adulto, o contrário do que sugerem seus adversários. Ou melhor, do que exigem seus adversários, que querem, claro, que ele cometa erros. Bolsonaro está conseguindo administrar bem uma neutralidade, sem deixar de registrar também a amizade entre ele e Putin.

Eu lembro que quando eu cobria a guerra no Atlântico Sul, a Guerra das Malvinas, eu vi que o Brasil estava ajudando a Foça Aérea argentina com munição, com especialistas e equipamento. Quando eu voltei para descansar em Brasília por dois ou três dias, eu fui procurar o presidente Figueiredo. Eu disse a ele: “O senhor está apoiando o agressor?”. E ele me disse: “Estou”.  E eu insisti: “Mas o Galtiere – o presidente argentino na época – é um bêbado, a Argentina é que a agressora!”. Aí o Figueiredo me respondeu: “É, mas eu sou amigo dele e a Argentina, olha aqui no mapa, é nossa vizinha, sempre vai ser nossa vizinha. A Inglaterra está a 10 mil quilômetros de distância, mas a Argentina é nossa vizinha e vai nos dever favores”.

E ele tinha toda razão. O chefe de Estado deve pensar no país, o interesse do país está em primeiro lugar. Várias nações da OTAN dizem que a Amazônia tem que ser do planeta, que ela não é do Brasil. Mas Putin disse “não, a Amazônia é do Brasil, sim”. Essas coisas têm de ser consideradas. Bolsonaro e Putin, quando se reuniram, falaram de multipluralidade, ou seja, que não querem um mundo entre os Estados Unidos e a China. Queremos ter a  nossa posição de brasileiros.

Mas, além disso, Bolsonaro resgatou os brasileiros da Ucrânia, essa primeira obrigação do governo brasileiro. Tirou da zona de guerra, está levando para a vizinha Romênia, e, de lá, eles embarcam para o Brasil. Tal como foi rápida e eficaz aquela operação quando explodiu o coronavírus lá na China. Resgatamos todo mundo que estava pelo caminho, e vieram para a quarentena na Base Aérea de Anápolis.

Há outra lição disso tudo. Como se sabe, o presidente da Ucrânia era um comediante. Aqui no Brasil nós tivemos um animador de auditório candidato à Presidência da República, que acabou desistindo. Temos de pensar que voto não é uma brincadeira, é uma coisa séria. Hoje vemos tantos líderes infantis ou infantilizados, como esse Trudeau, do Canadá; o Macron da França. Saudades da Merkel, da senhora Thatcher, que tinham presença tal como a do Putin.

O ocidente se enfraquece com as bobagens que estão por aí, e os líderes fortes vão tomar conta do mundo. Fizeram ações de apoio à Ucrânia, coloriram monumentos de Berlin e de Paris, cantaram Imagine em frente da embaixada russa em Bucareste. Teve apoio à Ucrânia dos Simpsons, do Sean Penn. A Anitta dizendo que o Putin é burro… Meu Deus! É a mesma coisa que dizer que tem girafa na Amazônia. Putin é um jogador de xadrez, um estrategista, inteligente, frio, culto, planejador.

Sanções

Todas essas sanções econômicas que estão fazendo contra a Rússia não vão dar em nada. A Rússia está com 680 bilhões em reserva, tem dívida de só 21% do PI – a nossa é de 88% do PIB. Se tirar o Swift, da Rússia, a capacidade de transacionar entre os bancos, quem vai perder são bancos. A Rússia é o segundo em maior movimento financeiro e se ficar de fora do Swift, vai fazer as transações com a China. Mais da metade da Rússia é na Ásia; a Rússia vai do Báltico até o Pacífico.

Essas coisas precisam ser pensadas com maturidade. E a gente não deve brincar com voto como os ucranianos brincaram – é só olhar o que aconteceu. É bom lembrar que a Ucrânia assinou um pacto, em 2014 se não me engano, de desarmamento para que ela se mantivesse neutra. Agora, se ela chamar a OTAN, a OTAN vai enviar armas.

A OTAN é um pacto militar comandado pelos Estados Unidos. Tem base dentro de Portugal, nas Ilhas de Açores. Sobre esse equilíbrio de forças no mundo, não é cantando que ele acontece, são os arsenais que continuam pesando no equilíbrio de forças do mundo. E também a força econômica.

Vejam, por exemplo, a Alemanha, que parou com as usinas nucleares e agora está dependendo do gás da Rússia. A França também está retomando as usinas nucleares, construindo 12 novas usinas. Não adiante ficar cantando; É preciso pensar de forma madura e ter líderes maduros. Eleger líderes com maturidade.


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GUERRA DE INDIVÍDUOS ARMADOS COM SMARTFHONES

 

  1. Internacional 

Mundo nunca mais será o mesmo porque esta guerra não tem paralelo histórico

Thomas L. Friedman*, The New York Times, O Estado de S.Paulo

As sete palavras mais perigosas do jornalismo são: “O mundo nunca mais será o mesmo”. Em mais de quatro décadas de reportagem, raramente ousei usar essa frase. Mas vou usar agora após a invasão da Ucrânia por Vladimir Putin.

Nosso mundo não será o mesmo novamente porque esta guerra não tem paralelo histórico. É uma apropriação de terras ao estilo do século 18 por uma superpotência – mas em um mundo globalizado do século 21. Esta é a primeira guerra que será coberta no TikTok por indivíduos superpoderosos armados apenas com smartphones, então atos de brutalidade serão documentados e transmitidos em todo o mundo sem editores ou filtros. No primeiro dia da guerra, vimos unidades de tanques russos sendo inesperadamente expostas pelos mapas do Google, porque o Google queria alertar os motoristas de que os blindados russos estavam causando engarrafamentos.

Você nunca viu isso antes.

Sim, a tentativa russa de tomar a Ucrânia é um retrocesso aos séculos anteriores – antes das revoluções democráticas na América e na França – quando um monarca europeu ou um czar russo podia simplesmente decidir que queria mais território, que era hora de tomá-lo e assim o fazia. E todos na região sabiam que ele iria devorar o máximo que pudesse e não havia comunidade global para detê-lo.

Ao agir dessa maneira hoje, porém, Putin não está apenas pretendendo reescrever unilateralmente as regras do sistema internacional que estão em vigor desde a 2ª Guerra – que nenhuma nação pode simplesmente engolfar a nação ao lado – ele também está disposto a alterar o equilíbrio de poder que ele sente ter sido imposto à Rússia após a Guerra Fria.

Esse equilíbrio – ou desequilíbrio na visão de Putin – era o equivalente humilhante das imposições do Tratado de Versalhes à Alemanha após a 1ª Guerra, que retirou da esfera de influência da União Soviética não apenas Estados como a Polônia, mas também aqueles que faziam parte da própria União Soviética, como a Ucrânia.

Vejo muitas pessoas citando o belo livro de Robert Kagan “The Jungle Grows Back” como uma espécie de abreviação para o retorno desse estilo brutal de geopolítica que a invasão de Putin manifesta. Mas essa imagem está incompleta. Porque não estamos em 1945 ou 1989. Podemos estar de volta à selva – mas hoje a selva está conectada. E mais intimamente do que nunca pelas telecomunicações; satélites; comércio; Internet; redes rodoviárias, ferroviárias e aéreas; mercados financeiros; e cadeias de suprimentos. Assim, enquanto o drama da guerra se desenrola dentro das fronteiras da Ucrânia, os riscos e as repercussões da invasão de Putin estão sendo sentidos em todo o mundo – mesmo na China, que tem bons motivos para se preocupar com seu amigo no Kremlin.

Bem-vindo à  World War Wired (Guerra Mundial Conectada) — a primeira guerra em um mundo totalmente interconectado. Este será o encontro dos cossacos na World Wide Web. Como eu disse, você nunca esteve aqui antes.

“Faz menos de 24 horas desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, mas já temos mais informações sobre o que está acontecendo lá do que teríamos em uma semana durante a guerra do Iraque”, escreveu Daniel Johnson, que serviu como oficial de infantaria e jornalista do Exército dos EUA no Iraque, na revista Slate, na quinta-feira. “O que está saindo sobre a Ucrânia é simplesmente impossível de produzir em tal escala sem que cidadãos e soldados de todo o país tenham acesso fácil a celulares, internet e, por extensão, aplicativos de mídia social. Uma guerra moderna em larga escala será transmitida ao vivo, minuto a minuto, batalha por batalha, morte por morte, para o mundo. O que está ocorrendo já é horrível, com base nas informações divulgadas apenas no primeiro dia.”

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Esta é a primeira guerra que será coberta no TikTok por indivíduos superpoderosos armados apenas com smartphones Foto: Philip Fong/AFP

O resultado desta guerra dependerá em grande parte da vontade do resto do mundo de deter e reverter a blitzkrieg de Putin usando principalmente sanções econômicas e armando os ucranianos com armamento antiaéreo e antitanque para tentar retardar seu avanço. Putin também pode ser forçado a considerar o número de mortos de seus próprios camaradas.

Putin será derrubado pelo exagero imperial? É muito cedo para dizer. Mas me lembro hoje em dia do que um outro líder deformado que decidiu devorar seus vizinhos na Europa observou. Seu nome era Adolf Hitler, e ele disse: “O começo de toda guerra é como abrir a porta de um quarto escuro. Nunca se sabe o que está escondido na escuridão.”

No caso de Putin, me pego perguntando: ele sabe o que está escondido à vista de todos e não apenas no escuro? Ele conhece não apenas os pontos fortes da Rússia no novo mundo de hoje, mas também suas fraquezas? Deixe-me enumerá-las.

A Rússia está no processo de assumir à força um país livre com uma população de 44 milhões de pessoas, que é um pouco menos de um terço do tamanho da população da Rússia. E a maioria desses ucranianos luta para fazer parte do Ocidente democrático e de livre mercado há 30 anos, e já forjou inúmeros laços comerciais, culturais e de internet com empresas, instituições e mídia da União Europeia.

Sabemos que Putin melhorou muito as Forças Armadas da Rússia, adicionando tudo, desde capacidades de mísseis hipersônicos a ferramentas avançadas de guerra cibernética. Ele tem o poder de fogo para colocar a Ucrânia de joelhos. Mas nesta era moderna nunca vimos um país não livre, a Rússia, tentar reescrever as regras do sistema internacional e assumir um país livre tão grande quanto a Ucrânia – especialmente quando o país não livre, a Rússia, tem uma economia que é menor que a do Texas.

Então pense nisso: graças à rápida globalização, a UE já é o maior parceiro comercial da Ucrânia – não a Rússia. Em 2012, a Rússia foi o destino de 25,7% das exportações ucranianas, em comparação com 24,9% destinados à UE. Apenas seis anos depois, após a brutal tomada da Crimeia pela Rússia, o apoio aos rebeldes separatistas no Leste da Ucrânia e o estabelecimento de laços mais estreitos com a UE, econômica e politicamente, “a participação da Rússia nas exportações ucranianas caiu para apenas 7,7%, enquanto a participação da UE subiu para 42,6%”, segundo uma análise recente publicada pelo Bruegel.org.

Se Putin não desembaraçar esses laços, a Ucrânia continuará caindo nos braços do Ocidente – e se ele os desembaraçar, estrangulará a economia da Ucrânia. E se a UE boicotar uma Ucrânia controlada pela Rússia, Putin terá que usar o dinheiro da Rússia para manter a economia da Ucrânia à tona.

Isso foi levado em conta em seus planos de guerra? Não parece. Ou como um diplomata russo aposentado em Moscou me disso em um e-mail: “Diga-me como essa guerra termina? Infelizmente, não há ninguém em nenhum lugar para perguntar.”

Mas todos na Rússia poderão assistir. À medida que essa guerra se desenrola no TikTok, Facebook, YouTube e Twitter, Putin não pode proteger sua população russa – muito menos o resto do mundo – das imagens horríveis que sairão dessa guerra ao entrar em sua fase urbana. Apenas no primeiro dia da guerra, mais de 1.300 manifestantes em toda a Rússia, muitos deles gritando “Não à guerra”, foram detidos, informou o Times, citando um grupo de direitos humanos. Esse número não é pequeno em um país onde Putin tolera pouca dissidência.

E quem sabe como essas imagens afetarão a Polônia, principalmente quando ela for invadida por refugiados ucranianos. Menciono particularmente a Polônia porque é a principal ponte terrestre da Rússia para a Alemanha e o resto da Europa Ocidental. Como o estrategista Edward Luttwak apontou no Twitter, se a Polônia apenas parasse o tráfego de caminhões e trens da Rússia para a Alemanha, “como deveria”, isso criaria um caos imediato para a economia da Rússia, porque as rotas alternativas são complicadas e precisam passar por uma agora muito perigosa Ucrânia.

Alguém está disposto a uma greve de caminhoneiros anti-Putin para impedir que mercadorias russas entrem e passem pela Europa Ocidental por meio da Polônia? Observe isso. Alguns cidadãos poloneses superpoderosos com algumas barreiras, picapes e smartphones podem sufocar toda a economia da Rússia neste mundo conectado.

Esta guerra sem paralelo histórico não será um teste de estresse apenas para os EUA e seus aliados europeus. Também será para a China. Putin basicamente jogou a luva para Pequim: “Você vai ficar com aqueles que querem derrubar a ordem liderada pelos americanos ou se juntar ao destacamento do xerife dos EUA?”

Essa não deveria ser – mas é – uma pergunta dolorosa para Pequim. “Os interesses da China e da Rússia hoje não são idênticos”, Nader Mousavizadeh, fundador e CEO da consultoria global Macro Advisory Partners, me disse. “A China quer competir com os Estados Unidos no Super Bowl da economia, inovação e tecnologia – e acha que pode vencer. Putin está pronto para incendiar o estádio e matar todos nele para satisfazer suas queixas”.

O dilema para os chineses, acrescentou Mousavizadeh, “é que sua preferência pelo tipo de ordem, estabilidade e globalização que permitiu seu milagre econômico está em forte tensão com seu autoritarismo ressurgente em casa e sua ambição de suplantar os EUA – seja pela força da China ou a fraqueza americana – como a superpotência dominante do mundo e definidora de regras.”

Tenho poucas dúvidas de que, em seu coração, o presidente da China, Xi Jinping, espera que Putin consiga sequestrar a Ucrânia e humilhar os EUA – tanto melhor para suavizar o mundo por seu desejo de tomar Taiwan e fundi-lo de volta à pátria chinesa .

Mas Xi não é bobo nem nada. Aqui estão alguns outros fatos interessantes do mundo conectado: primeiro, a economia da China é mais dependente da Ucrânia do que a da Rússia. Segundo a Reuters, “a China ultrapassou a Rússia para se tornar o maior parceiro comercial da Ucrânia em 2019, com o comércio totalizando US$ 18,98 bilhões no ano passado, um salto de quase 80% em relação a 2013. A China se tornou o maior importador de cevada ucraniana na comercialização de 2020-21 ano”, e cerca de 30% de todas as importações de milho da China no ano passado vieram de fazendas na Ucrânia.

Em segundo lugar, a China ultrapassou os Estados Unidos como o maior parceiro comercial da União Europeia em 2020, e Pequim não pode pagar pela UE estar envolvida em um conflito com uma Rússia cada vez mais agressiva e um Putin instável. A estabilidade da China depende – e a legitimidade do Partido Comunista no poder depende – da capacidade de Xi de sustentar e aumentar sua mastodôntica classe média. E isso depende de uma economia mundial estável e crescente.

Não espero que a China imponha sanções à Rússia, muito menos arme os ucranianos, como os EUA e a UE. Tudo o que Pequim fez até agora foi murmurar que a invasão de Putin “não era o que esperávamos ver” – enquanto rapidamente insinuava que Washington era o “culpado” por “atiçar chamas” com a expansão da Otan e seus recentes alertas de um iminente ataque russo.

Portanto, a China está obviamente dividida, mas das três principais superpotências com armas nucleares – EUA, China e Rússia – a China, pelo que diz ou não diz, tem um peso muito grande na decisão se Putin se safa ou não de sua fúria contra a Ucrânia.

Liderar é escolher, e se a China tem qualquer pretensão de suplantar os EUA como líder mundial, terá que fazer mais do que murmurar.

Finalmente, há algo mais que Putin encontrará escondido à vista de todos. No mundo interconectado de hoje, a “esfera de influência” de um líder não é mais um direito da história e da geografia, mas é algo que deve ser conquistado e reconquistado todos os dias, inspirando e não obrigando outros a segui-lo.

A musicista e atriz Selena Gomez tem o dobro de seguidores no Instagram – mais de 298 milhões – do que a Rússia tem cidadãos. Sim, Vladimir, posso ouvir você rindo daqui e ecoando a piada de Stalin sobre o papa: “Quantas divisões tem Selena Gomez?”

Ela não tem nenhuma. Mas ela é uma influenciadora com seguidores, e existem milhares e milhares de Selenas por aí na World Wide Web, incluindo celebridades russas que estão postando no Instagram sobre sua oposição à guerra. E embora eles não possam reverter seus tanques, eles podem fazer com que todos os líderes do Ocidente enrolem o tapete vermelho para você, para que você e seus comparsas nunca possam viajar para seus países. Você agora é oficialmente um pária global. Espero que goste de comida chinesa e norte-coreana.

Por todas essas razões, neste estágio inicial, vou arriscar apenas uma previsão sobre Putin: Vladimir, o primeiro dia desta guerra foi o melhor dia do resto de sua vida. Não tenho dúvidas de que, no curto prazo, suas Forças Armadas prevalecerão. Mas, a longo prazo, os líderes que tentam enterrar o futuro com o passado não se saem bem. A longo prazo, seu nome viverá na infâmia.

Eu sei, eu sei, Vladimir, você não se importa – não mais do que você se importa por ter começado essa guerra no meio de uma pandemia furiosa. E eu tenho que admitir que isso é o que é mais assustador nesta World War Wired. O longo prazo pode estar muito longe e o resto de nós não está isolado de sua loucura. Ou seja, eu gostaria de poder prever alegremente que a Ucrânia será o Waterloo de Putin – e somente dele. Mas não posso, porque em nosso mundo conectado, o que acontece em Waterloo não fica em Waterloo.

De fato, se você me perguntar qual é o aspecto mais perigoso do mundo de hoje, eu diria que é o fato de Putin ter mais poder descontrolado do que qualquer outro líder russo desde Stalin. E Xi tem mais poder descontrolado do que qualquer outro líder chinês desde Mao. Mas na época de Stalin, seus excessos eram em grande parte confinados à Rússia e às fronteiras que ele controlava. E na época de Mao, a China estava tão isolada que seus excessos tocavam apenas o povo chinês.

Não mais – o mundo de hoje está baseado em dois extremos simultâneos: nunca os líderes de duas das três nações nucleares mais poderosas – Putin e Xi – tiveram poder tão descontrolado e nunca mais pessoas de um extremo ao outro do mundo estiveram tão conectadas. Assim, o que esses dois líderes decidirem fazer com seu poder descontrolado afetará praticamente todos nós, direta ou indiretamente.

A invasão da Ucrânia por Putin é o nosso aperitivo real de quão louco e instável esse tipo de mundo conectado pode ficar. Não será o nosso último.

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