sexta-feira, 1 de abril de 2016

CASA DE TOLERÂNCIA



Hora da xepa no Planalto!

Carlos José Marques, diretor editorial 




A presidente Dilma transformou o Palácio do Planalto numa casa de tolerância. Fatiou seu governo, fez liquidação de cargos, queima total das verbas (já à míngua) e um escambo descarado, à plena luz do dia, com parlamentares de partidos nanicos, arrivistas da pior espécie. Ali, quem topar ficar com ela nesse abraço de afogados – e lhe dar o apoio necessário para que siga com uma gestão absolutamente temerária, sem a menor viabilidade - leva o que quiser. Paga-se bem! Com o dinheiro alheio. Serão quase 600 vagas na esfera pública e R$ 50 bilhões concedidos em emendas parlamentares. Perto de R$ 9 bilhões já liberados através do PAC para projetos eleitoreiros. Recurso suado de cada um dos brasileiros que recolhe impostos e não imagina o destino perverso que está sendo dado a sua contribuição. Eis aí o verdadeiro golpe em curso, praticado por ninguém menos que a chefe de Estado em pessoa! A banca do Tesouro vai quebrar para garantir a farra. E vem depois ela dizer que precisa, mais do que nunca, da CPMF para sanear as contas que dilapida sem dó nem piedade na busca de aliados para seus mirabolantes projetos pessoais! Com que autoridade a presidente imagina conduzir a Nação daqui por diante?
O que acontece por esses dias na sede do poder é de uma vergonha inominável. Dilma Rousseff perdeu o senso de respeito pelo cargo que ocupa. No balcão de negociatas armado no Planalto, chegou a hora da xepa! Um feirão para entregar a direção do País a preço de banana! A mandatária já havia transferido informalmente suas funções ao padrinho investigado Lula. Agora repassa o Brasil inteiro à raia miúda das legendas de aluguel. Sem qualquer critério técnico, sem exigência de qualificações. Não é isso que esta em jogo! Não interessa se o futuro ocupante do ministério da saúde ou o dos transportes saiba alguma coisa sobre o tema ou tenha a mais vaga ideia de como resolver os problemas da pasta regateada. Para ganhar a boquinha vale tão somente a disposição de votar a favor da mandatária ou de não votar pelo seu impeachment. Já imaginou a qualidade da equipe que pode sair dessa barganha? E o tipo de governo que tal grupo será capaz de fazer mais adiante? Loteiam o nosso futuro. A pajelança imunda terá troco! Certamente os eleitores não vão perdoar a baixaria que está sendo engendrada em seu nome. Cada político que entrar no balaio de oportunistas do baixo clero receberá a resposta nas urnas – como ocorreu, décadas atrás, com os simpatizantes do deposto Collor, banidos da cena política como malditos. Dilma por sua vez, como última alternativa, rende-se de maneira deprimente a tropa de fisiológicos que, provavelmente, vai traí-la logo adiante. Sem programa de governo, sem base de sustentação política no Congresso para aprovar nada, sem um mínimo de noção de responsabilidade pela coisa pública, ela parte para o desespero. Perde-se em desvarios e se apega unicamente a vontade insana de se manter no posto, como um esconderijo de onde se sente blindada contra as investigações que avançam sobre seus crimes de responsabilidade.
No atual estágio da crise fica claro a todos que a gestão Dilma está ingovernável. Ela não reúne mais qualquer condição política, econômica e nem mesmo moral – dada a série de crimes que lhe são imputados – para continuar no cargo e deve ser destituída o quanto antes, sob risco de arruinar o que sobrou do País. Pesquisa Ibope divulgada na semana passada é reveladora do desejo majoritário da sociedade: 82% dos entrevistados reprovam o governo Dilma. Dos quais 70% o consideram ruim ou péssimo. Não seria preciso mais nada para acender na mente dos senhores parlamentares que se dão ao respeito a lembrança sobre quem os colocou ali e de como eles deveriam agir em obediência aos votos que receberam. A presidente, que gosta de invocar o argumento da legitimidade, esqueceu-se que a tal legitimidade não era um cheque em branco em nome do qual ela poderia fazer o que bem quisesse sem prestar contas. Dilma continua a agir assim. Dá para enxergar o desmando em cada ação recente dela. Nos derradeiros momentos, o seu bunker foi transformado em palanque de campanha de incitações irresponsáveis, enquanto ela se converteu numa panfletária com estridentes gritos de guerra, falando em golpes – porque não tem mais nada a dizer -, com ataques descabidos às instituições. Pode Dilma espernear o quanto quiser. Até entrar em modo de negação da realidade. Mas os desvios cometidos em seu mandato, tipificados claramente na letra da lei, não devem ser relegados. Há materialidade para o embasamento jurídico do impeachment e, em nome do interesse geral dos brasileiros e da estabilidade da democracia, é forçoso cumprir o que rege a Constituição nesses casos. Nenhuma motivação política, de interesses escusos, pode se interpor a tal processo. Dilma maquiou contas por causa das eleições. Tomou dinheiro público ilegalmente. Surrupiou a esperança do povo. Abriu as portas à corrupção. Avançou em atos contra a justiça. Fez “o diabo”! E tem que sair por seus delitos.

OPERAÇÃO MÃOS LIMPAS = OPERAÇÃO LAVA JATO



Lembranças de 'Mani Pulite'

Contardo Calligaris



No começo dos anos 1990, na Itália, um grupo de magistrados milaneses (o mais popular foi Antonio di Pietro) tentou acabar com os esquemas de corrupção (antigos e tradicionais) que ligavam empresários, financistas e políticos.
Esse sistema viciado enchia os bolsos dos políticos (pessoas físicas) e financiava os partidos com comissões que as empresas pagavam para ganhar contratos públicos.
Anos antes, Sandro Pertini, presidente da República (honesto), declarara que um político deveria sempre ter as mãos limpas ("le mani pulite"). A expressão ficou e voltou em 1992, para batizar a "operação" dos magistrados milaneses.
Naquela década, eu vivia entre o Brasil e os EUA, mas visitava regularmente meus pais e meu irmão em Milão —por isso mesmo, minhas impressões daqueles anos são sobretudo o reflexo dos anseios e dos medos de meus familiares, que estavam lá, na Itália.
Já nos anos 1980 e antes (pela podridão do "milagre italiano", que reconstruiu o país depois da Segunda Guerra Mundial), havia uma tremenda desconfiança dos italianos diante da política tradicional.
Salvavam-se só os comunistas. Mas isso talvez fosse uma ilusão de óptica produzida pela minha própria história de militância. Ou pelo fato de que os comunistas ficaram quase sempre longe do poder executivo nacional.
O fato é que, para o italiano médio, qualquer governo roubava e roubaria. Os brasileiros não pensariam (não pensam) muito diferente: o grito "Roma ladra" poderia facilmente ser traduzido, ainda hoje, como "Brasília ladra".
A partir de "Mani Pulite", em 1992, ganharam espaço um movimento antimáfia e anticorrupção (fato curioso: ele se chamava "La Rete", a rede), e um movimento de direita do qual Bolsonaro, Feliciano e companhia gostariam (a Liga Norte).
De qualquer forma, a opinião pública estava, forte e unida, com o Ministério Público e com os juízes.
Pipocavam escritas nos muros de Milão: "Di Pietro, não volte atrás! Não perdoe!". De uma, em particular, me lembro bem —a que eu li estava num muro de tijolos, talvez na parte externa da Universidade de Milão: "Di Pietro, facci sognare" (Di Pietro, faça a gente sonhar).
Era isso mesmo, os italianos sabiam que aquilo seria, ao menos em parte, um sonho.
Os inimigos naturais de "Mani Pulite" se oporiam de todas as maneiras possíveis. De 1992 a 1996, políticos tradicionais e empresários desonestos lutaram para sujar os magistrados milaneses —foi sem muito efeito. No meio de 1992, os juízes Giovanni Falcone e Paulo Borsellino foram assassinados pela Máfia (a relação entre a Máfia e a classe política era o pano de fundo sombrio da corrupção).
Mesmo assim, aos poucos, na Itália, o jeito de fazer política mudou para sempre. Sumiram os partidos que tinham se tornado instituições fisiológicas. Imagine o que isso poderia significar hoje no Brasil.
A política italiana de hoje (a própria figura do primeiro-ministro Renzi) seria impensável sem "Mani Pulite". E ela é infinitamente melhor do que ela era no passado.
Há quem diga, aqui no Brasil, que o resultado de "Mani Pulite" foi Berlusconi. Isso é historicamente falso: ao contrário, Berlusconi se instalou no poder por uma década a partir de 2001, justamente quando os italianos se cansaram de "Mani Pulite".
Porque, de fato, eles se cansaram. De quê? Do fedor da lama? Do clima paranoico? Será que o mesmo cansaço nos espreita?
Não sei, mas o fato é que, em geral, quando a corrupção é o sistema de governo, é porque ela é também a forma dominante da vida social, pública e privada.
Você dá R$ 20 a um colega para que ele faça seu dever de casa. Isso é possível porque os políticos, lá em cima, são corruptos? Ou é o contrário: os políticos, lá em cima, se permitem ser corruptos porque sabem que a corrupção é a regra aqui em baixo, na nossa vida cotidiana?
O cidadão médio vive de pequenas corrupções: venda e compra de pontos na carteira, notas fiscais não emitidas, colas numa prova, pequenas sonegações e fraudes...
Ele pede transparência e honestidade até se dar conta de que muitas de suas ações são filhas da mesma confusão que ele denuncia no político: uma incapacidade de distinguir os interesses públicos dos interesses privados.
Não basta que uma boa faxina seja pelas calçadas e pelas praças; ela precisa acontecer em casa. Isso seria uma verdadeira mudança cultural...
Vou continuar sobre público e privado.

GOLPE É A CORRUPÇÃO E A ROUBALHEIRA GENERALIZADA



Dilma é par de Collor

Rogério Gentile




SÃO PAULO - Sob o risco de deixar Brasília pela porta dos fundos da história, Dilma se comparou a Jango ao dizer que é vítima de um golpe e pedir a reedição de uma nova campanha da legalidade. Mesmo sem desmerecer o sagrado direito de espernear da presidente, não há como não discordar da analogia. Collor é o seu verdadeiro par.
Assim como o predecessor, Dilma comanda uma gestão desmoralizada pela corrupção. O eleito em 1989 teve no irmão (Pedro Collor) o algoz que o delatou. A atual presidente foi alvejada pelo líder do seu governo. Se tudo o que Delcídio afirmou é verdade, a petista sabia que havia um esquema de superfaturamento na compra da refinaria de Pasadena.
Dilma, da mesma forma que Collor, também perdeu o controle da base parlamentar na esteira da derrocada de sua popularidade. Cerca de um mês antes de sair do cargo, 68% dos brasileiros avaliavam Collor como "ruim ou péssimo" e 75% pediam impeachment. Dilma é "ruim ou péssima" para 69% e 68% defendem o impedimento. Vale notar que, naquela época, assim como agora, parcela importante da sociedade se dizia contra a medida: 18% declaravam não concordar e advogados conceituados diziam que não havia crime de responsabilidade. Hoje, 27% rejeitam o impeachment.
O então presidente, assim como Dilma, afirmava que o processo era um golpe que "feria regras básicas da democracia". Collor usava a expressão "sindicato do golpe" e comparava os adversários a "porcos". Dilma não chegou a tanto, ao menos em público, mas chama o movimento atual de "conjuração que ameaça a estabilidade democrática".
No caso Collor, a própria "cadeia da legalidade" foi invocada. Aliado do governo, Brizola disse que estavam tentando "garrotear" as instituições. Lula, na oposição, respondeu: "Quero é colocar a ilegalidade na cadeia". Os atores mudaram, alguns trocaram de papel. Mas a história é essencialmente a mesma.

PEDALADAS FISCAIS SÃO EMPRÉSTIMOS PROIBIDOS



Manobra ou crime?

Marcelo Coelho  





Prefeitos já perderam o mandato por atos muito menos graves que os de Dilma Rousseff. "Há casos de chorar", disse a advogada Janaina Paschoal, expondo na comissão do impeachment o seu pedido de afastamento da atual presidente.
Mesmo que um prefeito tire dinheiro da merenda escolar para pagar a gasolina da ambulância, considera-se que cometeu crime de responsabilidade fiscal, pois falhou no planejamento das finanças do seu município.
"Não é questão de elite ou não elite", prosseguia a advogada. Imagine-se a família pobre que conta colocar um filho na faculdade, confiando nas promessas do governo de que há fundos para a educação, e se percebe lograda porque o suposto superavit das contas públicas não existia.
Jovem, com os cabelos pretos que pareciam recém-saídos do chuveiro, Janaina Paschoal procurou responder a questões que não se resumem ao puro juridiquês. "Fez-se agitação política", reclamou um deputado governista.
O empenho de Paschoal, bem-sucedido, foi enfatizar que as famosas "pedaladas fiscais", ou os decretos determinando gastos sem autorização do Legislativo, não consistiram em tecnicalidades, capazes de escandalizar apenas os especialistas em finanças.
Quando Dilma recorreu a tais expedientes, disse a advogada, estava procurando transmitir (em ano eleitoral) uma ideia falsa à população: a de que o governo dispunha de recursos para cumprir as promessas de campanha.
Manobra ou crime? Crime, insistiu Miguel Reale Jr., que, como Janaina Paschoal, é autor do pedido de impeachment. Não se pense, disseram os dois advogados, que infrações à Lei de Responsabilidade Fiscal são coisas de natureza meramente político-administrativa.
Certo, essa lei de 2000 proíbe o Executivo de tomar empréstimos junto a entidades como o BNDES. Proíbe que se deixe para bancos públicos, como a Caixa Econômica, o peso de pagar do próprio bolso as despesas do governo, deixando para acertar as contas depois (são as pedaladas). Proíbe que se façam gastos suplementares sem aprovação do Congresso.
Muito vermelho, Miguel Reale Jr. não se contentou em invocar a Lei de Responsabilidade. Acontece que a Câmara, depois de aprová-la, mudou o próprio Código Penal. Passou a considerar crime comum fazer aquilo que a Lei de Responsabilidade proíbe. Fez mais, adaptando à nova norma a própria lei de 1950 que prevê os casos de impeachment.
Ou seja, os comportamentos citados no pedido estão claramente definidos, pelo próprio Legislativo, como criminosos e passíveis de impeachment. Negando importância a essas leis, a Câmara "viola a si mesma", exclamou Reale Jr.
Dois pontos que vêm sendo levantados contra o impeachment também foram discutidos. O primeiro é que a Lei de Responsabilidade Fiscal só valeria para governadores e prefeitos, não para o presidente. O segundo é que, como as contas de Dilma Rousseff em 2014 e 2015 ainda não foram julgadas pelo plenário, não haveria como abrir um processo de impeachment.
Paschoal e Reale Jr. contestaram esses argumentos. O artigo 38 da Lei de Responsabilidade, por exemplo, fala explicitamente em "prefeito, governador e presidente". Quanto ao relatório do Tribunal de Contas da União, ainda não votado na Câmara, o que importa é que descreve uma série de fatos. E esses fatos, diz Janaina, se enquadram "direitinho" nos crimes previstos pela lei.
Para que nada fique tão claro assim, vieram em seguida as perguntas do relator da Comissão, Jovair Arantes (PTB-GO). Foram muito técnicas e imparciais.
Quando foi que o Executivo contrariou a lei, perguntou Arantes: quando emitiu decretos determinando gastos sem ciência do Congresso, ou quando estes gastos foram efetivamente feitos? Um projeto do Executivo propondo alteração nas metas orçamentárias pode ser considerado indício de má gestão antes de ser convertido em lei?
Jovair Arantes ouviu as respostas sem fazer comentário. A coisa estava ficando técnica de novo; outros deputados da Comissão se encarregaram de voltar ao bate-boca e –no fim– ao empurra-empurra que se conhecem.