Manobra ou crime?
Marcelo Coelho
Prefeitos já perderam o mandato por atos muito menos graves que os de
Dilma Rousseff. "Há casos de chorar", disse a advogada Janaina
Paschoal, expondo na comissão do impeachment o seu pedido de afastamento da
atual presidente.
Mesmo que um prefeito tire dinheiro da merenda escolar para pagar a
gasolina da ambulância, considera-se que cometeu crime de responsabilidade
fiscal, pois falhou no planejamento das finanças do seu município.
"Não é questão de elite ou não elite", prosseguia a advogada.
Imagine-se a família pobre que conta colocar um filho na faculdade, confiando
nas promessas do governo de que há fundos para a educação, e se percebe lograda
porque o suposto superavit das contas públicas não existia.
Jovem, com os cabelos pretos que pareciam recém-saídos do chuveiro,
Janaina Paschoal procurou responder a questões que não se resumem ao puro
juridiquês. "Fez-se agitação política", reclamou um deputado
governista.
O empenho de Paschoal, bem-sucedido, foi enfatizar que as famosas
"pedaladas fiscais", ou os decretos determinando gastos sem
autorização do Legislativo, não consistiram em tecnicalidades, capazes de
escandalizar apenas os especialistas em finanças.
Quando Dilma recorreu a tais expedientes, disse a advogada, estava
procurando transmitir (em ano eleitoral) uma ideia falsa à população: a de que
o governo dispunha de recursos para cumprir as promessas de campanha.
Manobra ou crime? Crime, insistiu Miguel Reale Jr., que, como Janaina
Paschoal, é autor do pedido de impeachment. Não se pense, disseram os dois
advogados, que infrações à Lei de Responsabilidade Fiscal são coisas de
natureza meramente político-administrativa.
Certo, essa lei de 2000 proíbe o Executivo de tomar empréstimos junto a
entidades como o BNDES. Proíbe que se deixe para bancos públicos, como a Caixa
Econômica, o peso de pagar do próprio bolso as despesas do governo, deixando
para acertar as contas depois (são as pedaladas). Proíbe que se façam gastos
suplementares sem aprovação do Congresso.
Muito vermelho, Miguel Reale Jr. não se contentou em invocar a Lei de
Responsabilidade. Acontece que a Câmara, depois de aprová-la, mudou o próprio
Código Penal. Passou a considerar crime comum fazer aquilo que a Lei de
Responsabilidade proíbe. Fez mais, adaptando à nova norma a própria lei de 1950
que prevê os casos de impeachment.
Ou seja, os comportamentos citados no pedido estão claramente definidos,
pelo próprio Legislativo, como criminosos e passíveis de impeachment. Negando
importância a essas leis, a Câmara "viola a si mesma", exclamou Reale
Jr.
Dois pontos que vêm sendo levantados contra o impeachment também foram
discutidos. O primeiro é que a Lei de Responsabilidade Fiscal só valeria para
governadores e prefeitos, não para o presidente. O segundo é que, como as
contas de Dilma Rousseff em 2014 e 2015 ainda não foram julgadas pelo plenário,
não haveria como abrir um processo de impeachment.
Paschoal e Reale Jr. contestaram esses argumentos. O artigo 38 da Lei de
Responsabilidade, por exemplo, fala explicitamente em "prefeito, governador
e presidente". Quanto ao relatório do Tribunal de Contas da União, ainda
não votado na Câmara, o que importa é que descreve uma série de fatos. E esses
fatos, diz Janaina, se enquadram "direitinho" nos crimes previstos
pela lei.
Para que nada fique tão claro assim, vieram em seguida as perguntas do
relator da Comissão, Jovair Arantes (PTB-GO). Foram muito técnicas e
imparciais.
Quando foi que o Executivo contrariou a lei, perguntou Arantes: quando
emitiu decretos determinando gastos sem ciência do Congresso, ou quando estes
gastos foram efetivamente feitos? Um projeto do Executivo propondo alteração
nas metas orçamentárias pode ser considerado indício de má gestão antes de ser
convertido em lei?
Jovair Arantes ouviu as respostas sem fazer comentário. A coisa estava
ficando técnica de novo; outros deputados da Comissão se encarregaram de voltar
ao bate-boca e –no fim– ao empurra-empurra que se conhecem.
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