Manoel Hygino
Li, há bastante tempo, no jornal do
Museu da Inconfidência, que lá se encontra o relógio que pertenceu ao alferes
de cavalaria Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Ali se acham também a
sentença condenatória, a trave da forca de seu suplício, documentos assinados e
um livro pessoal com as leis constitutivas dos Estados Unidos. A relíquia,
aliás, estava com o inconfidente ao ser preso no Rio de Janeiro, em 10 de maio
de 1789, na rua dos Latoeiros, como aprendemos em curso básico.
A autenticidade do relógio foi
atestada pelo relojoeiro Manoel José Bessa, mediante juramento, por ordem do
desembargador José Pedro Machado Coelho Torres. O aparelho é em prata fundida e
modelada, tendo passado por vários donos. Finalmente, comprado por Juscelino,
em 1953, este o doou ao Museu de Ouro Preto.
Abrindo um parêntese no texto,
registro que, no último 14 de novembro, houve a solenidade de entrega da
Comenda Liberdade e Cidadania, na antiga fazenda do Pombal, onde e na data em
que o promártir nasceu, e não de sua morte, como anualmente se comemora na
antiga Vila Rica.
Mas estamos falando do relógio de
Joaquim José, preservado no Museu da cidade em que ele passou boa parte da
vida. E, a cabeça?
Sabe-se que, depois de sua execução na
forca, no Rio de Janeiro, cortou-se e salgou-se seu corpo, os pedaços
transportados a diversos lugares, no Caminho Novo, entre Rio de Janeiro e Vila
Rica, onde ficaram expostos em praça pública.
Rubens Fiúza (em “Tiradentes, Crônicas
da Vila Colonial Brasileira”, livro singularmente precioso e pouco conhecido)
trata do assunto, desfazendo mistérios pós-morte do herói. No livro mencionado,
com publicação patrocinada pelo conceituado neurologista Gervásio Teles Cardoso
de Oliveira, conta-se que foi levada “a cabeça decepada de Joaquim José à
capital. A cabeça, encarcerada dentro de uma gaiola de ferro, foi dependurada
na ponta de um alto poste, e ali deixada, sob ininterrupta vigilância, de dia e
de noite, de quatro soldados da milícia paga (que era a polícia militar de
então), em frente ao Palácio dos Governadores, na atual Praça da
Inconfidência”.
A cabeça foi erguida em 27 de maio de
1792, tendo o governo português patrocinado grandes celebrações com desfiles,
procissões, bandas de música, té-deuns, jogos, torneios, peças teatrais,
mascaradas, fogos de artifício. Por quatro dias, o crânio ali permaneceu,
ressecando aos ventos, sob a vigilância ou ação de urubus.
O desagradável odor importunava,
chegando até o Palácio dos Governadores. Transcorridas semanas, reduziu-se o
contingente policial a dois soldados: um de dia, outro de noite. Depois, apenas
um no plantão.
Num certo anoitecer de maio de 1893,
uma tropa de burros, carregando um quinto de vinho, conduzida por um velho
baixinho e de espessas barbas brancas, usando grosseiras alpercatas de couro
cru, acompanhado de um escravo, parou próximo. Fazia frio, o soldado
tiritava,aceitou um caneco de vinho, mais uns, os dois pitaram cigarros de
palha, conversaram. O militar, brasileiro e mulato, contou sua vida de trabalho
e atribulações. No dia seguinte, a cabeça do protomártir não foi mais vista. É
um segredo ainda não inteiramente revelado e que tentaremos oportunamente
expor.