segunda-feira, 2 de novembro de 2015

PARA ÊLES NÃO TEM CRISE A CRISE É NOSSA



Cunha e governo tentam esticar crise até o próximo ano
Adriano Ceolin



Antonio Augusto/Arquivo



Governo e oposição deram sinais nos últimos dias de que a manutenção da crise política até 2016 pode ser um bom negócio para os dois lados. Em uma espécie de pacto de não agressão, ambos trabalham para ganhar tempo e agir com segurança antes de chegar ao desfecho de crise política.

Cinco assuntos dominam a disputa política: a rejeição das contas do governo pelo Tribunal de Contas da União (TCU); a ação de impugnação da chapa liderada pela presidente Dilma Rousseff no Tribunal Superior Eleitoral (TSE); o impeachment; o rompimento do PMDB; e o caso Eduardo Cunha.

"Nem mesmo a oposição quer que o TSE decida logo sobre a cassação da Dilma", considera o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS). "Os oposicionistas sabem que se ela sair nesse momento e for convocada uma eleição, o ex-presidente Lula ainda é o favorito", avaliou.

Um ministro do Supremo Tribunal Federal fez análise similar sobre o caso. "Parece que nem o PSDB nem o PT querem que o pedido de impugnação seja julgado logo. Nenhum dos lados tem feito pressão", afirmou ele ao Estado.

A rejeição das contas do governo por causa do uso de pedaladas fiscais também ficará para o ano que vem graças ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). O senador deu um prazo de 45 dias para o governo fazer sua defesa antes de encaminhar o caso para a Comissão de Orçamento.

‘Caso Cunha’

Entre os principais agentes políticos, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), oposição a Dilma, é o mais imprevisível, apesar de ter melhorado sua relação com setores do governo e ter recebido apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para se defender.

Cunha se move de acordo com o aumento das investigações da Procuradoria-Geral da República sobre seu envolvimento na Operação Lava Jato. Em julho, o peemedebista anunciou seu "rompimento pessoal com governo" após um dos delatores afirmar que lhe ele pediu US$ 5 milhões de propina.

Ao longo deste segundo semestre, ameaçou abrir um processo de impeachment contra a presidente, mas voltou atrás após a conversar com o ex-presidente Lula e, principalmente, com a mudança no comando da Casa Civil, quando Aloizio Mercadante cedeu seu lugar a Jaques Wagner.

Cunha tem negado qualquer tipo de acordo com o governo. Porém, já admitiu que sua relação com o Planalto melhorou. Apesar disso, ele afirma que vai decidir sobre a abertura do impeachment. "Pretendo tomar minha decisão em novembro", disse, sem precisar uma data específica.

Na semana passada, ele revogou a questão de ordem que estabelecera as regras para apreciação de pedidos de afastamento da presidente Dilma Rousseff. De qualquer forma o caso deve se arrastar até o fim do ano.

O comando do PT também não quer entrar em colisão com Cunha. Em reunião do diretório nacional do partido na quinta-feira, Lula atuou para que na resolução da sigla não constasse menções às denúncias que pesam contra o presidente da Câmara.

No PMDB, refluiu o ímpeto de rompimento com o governo. O partido adiou deste mês para março a decisão de deixar a aliança com Dilma. "Também não acredito em acordão. Na verdade, há um equilíbrio muito grande entre as forças, o que deixa tudo meio engessado", afirma o deputado Carlos Zarattini (PT-SP). "Ter uma boa relação com Cunha é importante para não paralisar a agenda econômica", explicou.

FINADOS





Leida Reis



As datas estão em nós como nós as sustentamos. Dividimos nossa vida e os anos em dias para lembrar. Talvez faça mais sentido assim, pois o que seríamos sem a cultura das celebrações? O recém-comemorado Dia das Bruxas foi também o do autor de “Os Mortos de Sobrecasaca”, Carlos Drummond de Andrade, já que em 31 de Outubro (data de sua morte) foi celebrado o “Dia D”, Dia da Poesia.

Esse Finados, introspectivo no Brasil, é festivo em outros países. Celebrar o Dia dos Mortos é uma escolha da América Latina e dos Estados Unidos – reconhecida pela Unesco como patrimônio da humanidade. No Brasil, o Dia de Finados tem tônica distinta, menos colorida e menos alegre. Os brasileiros optam pela homenagem silenciosa, introspectiva, marcada pelas orações e oferta de flores.

Mas cores e festas se espalham pelos países vizinhos no 2 de novembro. No Equador até banquetes são servidos aos pés dos túmulos. No México, os parentes dos mortos dançam nos cemitérios e pelas ruas das cidades, celebrando a vida após a morte. A tradição vem dos Astecas, Maias e outras tribos indígenas que viviam na América antes da chegada dos espanhóis. Um costume comum à maioria desses antepassados é o cultivo do crânio, que permanece na morada como um troféu, um símbolo da vida depois da morte. Os ossos (o material) estão ali só para lembrar que a carne acaba, mas a alma não perde a vida. Na Guatemala, os vivos empinam pipas acreditando numa comunicação com os espíritos dos que partiram para o outro mundo.

O Brasil de sol, samba e Carnaval poderia viver de forma diferente o 2 de novembro. Reverenciar os amigos e parentes mortos é uma sagrada tradição, mas lembrar não precisa ser necessariamente sinônimo de sofrer. Ainda que a ausência seja dolorosa, a esperança nos liga a um reencontro ou, no mínimo, para quem não crê em nada além do pó, a aceitação carrega para dentro a paz.

Não vamos sair por aí, com roupas coloridas, levando pratos saborosos para os cemitérios nem dançando pelas avenidas. Não de uma hora pra outra. Mas ao menos saibamos que o Finados ou Dia dos Mortos não foi criado para a celebração da tristeza. É, no mínimo, o dia de se cultivar as melhores memórias dos nossos afetos mais preciosos.

domingo, 1 de novembro de 2015

VIVEMOS FUGINDO DA MORTE



  

Frei Beto




Amanhã é dia de finados, daqueles que findaram, os mortos. Será, no futuro, o dia de cada um de nós. Mas quem encara este destino inelutável?
Entre crianças de seis anos de idade convidadas a escrever cartas a Deus, uma delas propôs: “Deus, todo dia nasce muita gente e morre muita gente. O Senhor deveria proibir nascimentos e mortes, e permitir a quem já nasceu viver para sempre”.

Faz sentido? Seriam evitados a superpopulação do planeta e o sofrimento de morrer ou ver desaparecer entes queridos. Mas quem garante que, privados da certeza de finitude, essa raça de sobre-humanos não tornaria a nossa convivência uma experiência infernal? Simone de Beauvoir deu a resposta no romance “Todos os homens são mortais”.

É esse ideal de infinitude que fomenta a cultura da imortalidade disseminada pela promissora indústria do elixir da eterna juventude: cosméticos, academias de ginástica, livros de autoajuda, cuidados nutricionais, drágeas e produtos naturais que prometem saúde e longevidade. Nada disso é contraindicado, exceto quando levado à obsessão, que produz anorexia, ou à atitude ridícula de velhos, que se envergonham das próprias rugas e se fantasiam de adolescentes. Tenho amigos com câncer. Um deles observou: “Outrora, era tabu falar de sexo. Hoje, falar de morte”. Concordei. Outrora, a morte era vista como um fenômeno natural, coroamento inevitável da existência. Hoje, é sinônimo de fracasso, quase vergonha social.

A morte clandestinizou-se nessa sociedade que incensa a cultura do prolongamento indefinido da vida, da juventude perene, da glamourização da estética corporal. Nem sequer se tem mais o direito de ficar velho. Nós, que já nos incluímos no Estatuto do Idoso, somos tratados por eufemismos que visam a aplacar a “vergonha” da velhice: terceira idade, melhor idade ou, como li na lataria de uma van, “a turma da dign/idade”. A usar eufemismos, sugiro o mais realista: turma da eterna idade, já que estamos próximos dela.

No tempo de meus avós morria-se em casa, no espaço doméstico cercado de parentes, amigos e objetos que constituíam a razão de ser da existência do enfermo. Hoje, morre-se no hospital, um lugar estranho, cuidado por profissionais da saúde, cujos nomes ignoramos. A agonia é suprimida pelos avanços da ciência – o coma induzido, a medicação que elimina a dor. Não há quase choro, nem vela, nem fita amarela. O rito de passagem – unção dos enfermos, luto, missa de 7º dia, proclamas – é quase imperceptível.

“Morrer é fechar os olhos para enxergar melhor”, disse José Martí. As religiões têm respostas às situações limites da condição humana, em especial a morte. Isso é um consolo e uma esperança para quem tem fé. Fora do âmbito religioso, entretanto, a morte é um acidente, não uma decorrência normal da condição humana. Morre-se abundantemente em filmes e telenovelas, mas não há velório nem enterro. Os personagens são seres descartáveis como as vítimas inclementes do narcotráfico. Ou as figuras virtuais dos jogos eletrônicos que ensinam crianças a matar sem culpa. A morte é, como frisou Sartre, a mais solitária experiência humana. É a quebra definitiva do ego. Na ótica da fé, o desdobramento do ego no seu contrário: o amor, o ágape, a comunhão com Deus.

A morte nos reduz ao verdadeiro eu, sem os adornos de condição social, nome de família, títulos, propriedades, importância ou conta bancária. É a ruptura de todos os vínculos que nos prendem ao acidental. Os místicos a encaram com tranquilidade por exercitarem o desapego frente a todos os valores finitos. Cultivam, na subjetividade, valores infinitos. E fazem da vida dom de si – amor. Por isso Teresa de Ávila suspirava: “Morro por não morrer”.

Padre Vieira advertia no sermão do 1º domingo do Advento, em 1650: “No nascimento, somos filhos de nossos pais; na ressurreição, seremos filhos de nossas obras”.

NINGUÉM QUER LARGAR O OSSO



  

Márcio Doti




Afinal, quem liga para as piadinhas nas redes sociais? Pouco importa ser prisioneira de palácios, ir apenas a lugares protegidos com cordões de isolamento, enfrentar o abandono de antigos companheiros e até do grande criador e antecessor. Importa é seguir em frente, mesmo que em frente não seja propriamente adiante, pode ser só candidatar-se ao momento seguinte, podendo representar um retrocesso, um recuo, um afundar ainda mais na areia movediça.

No meio de palacianos não se sente cheiro de derrota, há um cordão de otimistas de plantão que, convenhamos, combinam bem com o ambiente de Brasília, aquela maravilha cercada de miséria por todos os lados. Juscelino, quando construiu aquilo, foi para levar o progresso para o centro do país e dali irradiar para todos os arredores. Feliz dele que não viu que fizeram de sua grande obra e do seu formidável propósito uma ilha da fantasia.

Seu significativo texto está lá na parede do palácio: “Deste planalto central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas decisões nacionais...” é belo e significativo até a última palavra, mas o cérebro de Brasília está sofrendo do Mal de Parkinson. Não consegue desenrolar esse imenso novelo em que transformaram a coisa pública. Não se encontra o caminho, o desarranjo é de tal forma amplo e abrangente que a cada momento surge um fato novo, mas só para agravar a situação, longe de lhe dar encaminhamento sério e de futuro.

Há apenas um consolo. Não se resolverá isso com meios termos e nem o quadro aguenta longo tempo. Solução tem que nascer e dela sairemos fortalecidos, ninguém tenha a menor dúvida. As crises política e econômica se conjugam na medida exata do que convém ao amadurecimento do país e de suas instituições. Os que fazem a roda rodar, os empresários que continuam sérios precisam fazer movimento, sair dessa mesmice, mas só vão fazer isso quando tiverem certeza de que o ambiente é propício, que seu capital estará seguro e que seus negócios vão de fato caminhar.
A população atormentada pelos preços altos, pelo desemprego, pela insegurança e enojada pela sequência de roubos de milhões e milhões é uma população aflita, que do silêncio faz a sua insatisfação, que nas medições de pesquisa mostra que nunca esteve tão descontente.

Os grupos políticos começam a se engalfinhar. Também pudera. Diante de tanto despropósito, tanta incoerência, suspeitas, indícios, desfaçatez, convém que os mais espertos saiam de perto sem perder o osso de vista. Porque se tem alguém disposto a lutar pelo osso até no último minuto, tem também quem o queira e tanto quanto isso, tem os que querem distância das nódoas que vão sobrar depois que esse temporal sujo passar.

Assim posto, há descontentamento por todo lado e isso faz medo, assusta, confunde, mas é o caminhar da sociedade em busca de seu verdadeiro amadurecimento. As demonstrações demagógicas, a ostensiva prática do desrespeito pela opinião pública, a costumeira mania de desdenhar nossa imaturidade política acabarão por fazer pelos brasileiros o melhor de tudo, o aprendizado da cidadania, da maturidade política, do crescimento que esse sim, produzirá respeito e ordem. E por consequência, bem lá na frente, progresso.

A NOSSA ENERGIA É CARA E A PRODUÇÃO É BARATA

  

Poderia ser cômico, se não fosse trágico, mas pelo menos uma consequência “positiva” a crise econômica está gerando: o risco de racionamento de energia está cada vez mais distante. Com as indústrias produzindo menos e os consumidores reduzindo ao máximo o gasto de eletricidade, os níveis dos reservatórios das hidrelétricas estão se recuperando.

Mas, ironias à parte, essa não é a situação pela qual o país deveria estar passando. Reportagem nesta edição mostra que na última medição realizada pela Empresa de Pesquisa Energética, órgão ligado ao Ministério das Minas e Energia, em agosto, houve uma retração no consumo energético, de uma forma geral, de 2,1%. Parece pouco, mas isso demonstra uma clara retração na atividade econômica. Como já estamos em novembro, as próximas medições devem crescer.

O setor industrial, maior consumidor de energia, apresentou uma retração no consumo de 5,6%. É a oitava queda consecutiva. Segundo a Pesquisa Industrial Mensal do IBGE, nos oito primeiros meses deste ano, a produção industrial registrou uma queda de 6,9%. Dos 26 ramos pesquisados, 24 apresentaram taxas negativas.

Em setembro, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico “comemorou” a redução para zero do risco de déficit de energia nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. Um especialista ouvido pela reportagem foi taxativo ao dizer que descartar o racionamento sem atrelá-lo à crise econômica é o mesmo que tentar dourar a pílula, mascarando o problema maior que vive o país.

Nessas duas regiões, que são responsáveis pela geração de 70% da eletricidade nacional, os reservatórios estão agora em 28% do nível máximo - deveriam estar em 50%, mas como a demanda está reduzida, o risco é menor. Esses níveis já estiveram em apenas 20% em outubro do ano passado. Isso porque a economia ainda estava em crescimento, o gasto energético era maior e a estiagem já se apresentava.

Nessa situação, entram em cena as termelétricas, que são movidas a combustíveis fósseis. Só que sua produção de energia é mais cara, o que encarece a conta de luz dos consumidores.

Há vários meses o país encontra-se no sistema de bandeira vermelha, a tarifa mais alta. Mas, a continuar a situação como está, o hasteamento deverá mudar de cor.