sábado, 3 de outubro de 2015

VAMOS APRENDER A FAZER POLÍTICA?



  

Manoel Hygino


No exercício de cargos na administração pública de Belo Horizonte ou do estado, tive contatos com inúmeros cidadãos que faziam política (muito mais pura, antes). Não é meu tema preferido, mas acompanho os fatos com o interesse que todo brasileiro deve ter com o que nos pertence: república.
Dizem que mineiro é eminentemente político e realmente, nesta arte, muito especial. Foi pensando nisso que me lembrei de João Valle Maurício, que atuou nesse campo em nossa cidade natal e no norte de Minas, enquanto se dedicava também à medicina – profissão escolhida para exercer, acima de tudo.
Meteu-se na política municipal e estadual, foi secretário de Saúde de Minas Gerais, período durante o qual manteve seu jeito alegre e comunicativo de atuar. Mauricinho, seu apelidado, gostava de ser o que era e de fazer o que fazia, ao lado da esposa, Milene, escritora como ele, filha de ex-prefeito. Um por genial.
Quando publicou um de seus numerosos livros, João Valle Maurício, da Academia Mineira de Letras, incluiu nele crônicas sobre política e políticos. Assim, começou um dos capítulos: “Mineiro gosta muito de política. Gosta também de emprego público, de requeijão, de molho pardo, tutu com torresmo, de pitar bem devagar, de tomar cafezinho adoçado com rapadura, ainda fumaçando, bem de madrugadinha, na beira do fogão”.
E tem outras preferências: gosta de contar histórias da família, de fazer visita a gente doente, de devoção, de usar patuá, de queixar doença, de fazer de conta que não quer, mesmo quando quer demais. “de tudo isso e m ais um tanto de coisa, mineiro gosta, porém, eu acho, que gosta mais é de politicar.
Esse querer bem já vem de muito longe”.
Assim sendo, a mineiridade tem fama de mineirice, isto é, matreirice e esperteza. Mineiro de tradição não aprecia espiar e brincar, vislumbrando as altaneiras montanhas e os vales verdejantes. Assim goza o bom bucolismo, espalhado e teimoso, nas queridas cidades pequenas, perdidas nas gerais.
No dedilhar de canoras violas, nas suaves cantigas de Reis, nas chorosas serenatas de puro amor, nossa gente se apaixonou, perdidamente, pela boa política. A relação dos aqui nascidos e que a praticaram é uma galeria com estupendos valores. Gente da melhor qualidade e capacidade, todos bem acordados para as fabulações políticas, coisa eu é bem difícil. O avô do escritor-secretário de estado ensinava: “Política é que nem carta de baralho, tem que ser pensada e misturada, mesmo assim, às vezes, engana a gente”.
Outras recomendações: “Pé ligeiro e boca fechada. O fuxico, o mexerico e o cochicho ao pé do ouvido são armas poderosas. Acho que mestre Maquiavel teria muito a aprender com o nosso sertanejo de chapéu de couro, com suas artimanhas eleitorais”, mas sem traições e roubalheiras.
Em resumo: “Politicar é um jogo. É uma doença que pega e não larga. As cidades, quase sempre mesmo as muito pequeninas, eram divididas entre dois partidos. Os grupos entravam e permaneciam em estado de beligerância sem tréguas. Eram adversários irreconciliáveis, a grande maioria nem mesmo sabia o motivo de tão radical posicionamento”.


VAMOS FICAR DEITADOS ETERNAMENTE?



  

Júlio Delgado


A lógica que comanda a existência de um Estado Nacional Democrático é o reconhecimento, por parte dos cidadãos que ocupam determinado território, de que o governo estabelecido é capaz de protegê-los, em todos os sentidos da palavra, e de administrar os recursos públicos visando o bem comum. Sem essa simples relação de confiança, a organização coletiva fica seriamente ameaçada, e os conflitos e discordâncias dentro do corpo social tendem a crescer gradativamente, podendo chegar ao ponto de torná-la inviável.
Já no Estado brasileiro sob comando de Dilma Rousseff essa teoria parece não ser válida. Mesmo com sua popularidade batendo todos os recordes negativos da história, a presidente ainda arquiteta medidas completamente divorciadas do interesse geral. Mais do que isso, ela transformou o poder Executivo em um paquiderme desorientado e extremamente contraditório em relação aos princípios fundamentais de sua própria carta constitucional.
O mais recente indicativo dessa incoerência é a previsão de que cortes no orçamento do Ministério da Saúde para 2016 podem acabar com o programa Aqui Tem Farmácia Popular. Dessa forma, alguns medicamentos perderão descontos de até 90% oferecidos na rede privada credenciada. Fazem parte da lista do programa medicamentos para mal de Parkinson, glaucoma, colesterol, osteoporose, rinite, anticoncepcionais e fraldas geriátricas.
E esse é apenas um ponto perdido na imensa caverna em que se meteram as contas públicas federais. A partir do desequilíbrio econômico, o Planalto está deixando os brasileiros à própria sorte. O apoio oferecido ao enorme contingente de cidadãos sem recursos para suprir suas necessidades básicas é cada vez mais frágil. E quando ele se torna tão pequeno como acontece hoje, por exemplo, na saúde pública, rompe-se o vínculo entre Estado e indivíduo. Praticamente um não existe para o outro.
O artigo 6º da Constituição Federal é claro em relação aos direitos fundamentais dos brasileiros: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
É razoável considerar que o texto é a proclamação de um ideal a ser perseguido, não uma norma impositiva. Ele define as diretrizes essenciais que devem nortear a ação dos governantes em busca, principalmente, de reduzir as desigualdades. Mas o que existe no Brasil atualmente é um brutal distanciamento desse conceito.
Também é fato que a realidade não se estabelece pela simples promulgação de uma lei, especialmente quando a abordagem é tão genérica quanto nesse trecho constitucional. O que se espera dos personagens no controle do poder político nacional, entretanto, é o mínimo de disposição e capacidade para caminhar nesse sentido.
Obviamente que esse não é o caso do governo federal. A simples especulação de se interromper com um programa como o Farmácia Popular comprova o antagonismo existente entre a instituição e o interesse público. Além de representar um retrocesso administrativo, ela é um sinal enfático de desrespeito ao povo que o legitimou.
A proposta orçamentária ainda está em análise no Congresso Nacional, e medidas como essa podem ser revistas. Cabe aos parlamentares impedir injustiças contra os brasileiros. Mas também continuamos esperando, ao menos, gestos da Presidência República verdadeiramente orientados e comprometidos com a proteção da nação.

ATÉ QUANDO SEREMOS ENGANADOS?




Aristoteles Atheniense*


Em discurso pronunciado na abertura da Assembleia-Geral da ONU, a presidente Dilma Rousseff continuou na mesma atoarda, alegando que “o governo e a sociedade brasileira não toleram e não tolerarão a corrupção”.
Daí o seu empenho junto aos “encarregados de fiscalizar, investigar e punir desvios e crimes”, para que os infratores sejam penalizados.
A sua fala importou no surrado refrão já comentado pelo ex-deputado Fernando Gabeira, que compartilhou com Dilma do propósito de imprimir novos rumos ao país. O antigo companheiro questionou o autoelogio da presidente, quando afirmou: “nunca um governo investigou tanta corrupção”.
Essa bazófia foi agravada com o depoimento de Dilma de que ignorava o assalto à Petrobras, embora houvesse ocupado a presidência do seu Conselho de Administração.
Curiosamente, ao invés de recriminar os “companheiros” que dilapidaram a estatal, Dilma lamentou a participação no imbróglio de alguns filiados do PT na milionária falcatrua, omitindo o tesoureiro do partido, João Vaccari Neto, que atualmente “estagia” num presídio do Paraná.
Como as suas contradições reiteradas importam num deboche à indignação popular, Gabeira formulou a seguinte indagação: “Não sei o que é pior: fingir que não viu ou levar tanto tempo para descobrir”.
É sintomático o vigor com que Lula voltou ao palco defendendo o frustrado retorno da CPMF, afirmando que tem “costas largas”, reclamando “um pouco de sossego” para sua afilhada Dilma, fazendo-se passar como vítima de um processo adverso, marcado pelo “ódio e raiva”, que possa redundar na sua “criminalização”.
Neste mesmo refrão, a rejeição que “lhe é feita” seria fruto da insatisfação das “elites”, que não se conformam com os avanços sociais que introduziu no país. A sua imagem foi precisamente definida por Eduardo Costa neste jornal (31/8). “Lula é o símbolo da arrogância – comum à maioria dos poderosos. Acha que o Brasil foi descoberto em 2003”.
A única forma de conscientizar o povo da gravidade dos desatinos investigados, que afrontam a capacidade punitiva do Estado, é trazendo-os a público, ou seja: sem disfarce nem recuos, para que os infratores sejam execrados publicamente, de modo que não possam se esconder no manto pútrido da imunidade parlamentar. Em face desse quadro inquietante, em que os larápios são tratados pela presidente como meros “malfeitores”, vale parafrasear o cônsul romano Marco Túlio Cícero, nos discursos que fez contra Catilina, que se acostumara a mentir: “Até quando Dilma Rousseff abusará de nossa paciência?”
*Advogado e conselheiro nato da OAB, diretor do IAB e do IAMG e presidente da AMLJ

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

O PT DÁ COM UMA MÃO E RETIRA COM A OUTRA



De volta ao (pobre) passado

Clovis Rossi  


Era uma vez o tempo em que um certo Luiz Inácio Lula da Silva viajava pelo mundo, vendendo o Brasil potência emergente (e, de quebra, suas empresas) e também uma América Latina em franco crescimento.
Lula, com aquela facilidade incontrolável de produzir bravatas, chegou a dizer, mais de uma vez, que o século 21 seria o século da América Latina.
Claro que ainda há tempo, muito tempo, para que a bravata vire realidade, mas, ao terminar o segundo lustro da segunda década do século, a América Latina emergente submerge –e o Brasil mais do qualquer outro da região, com a exceção da falida Venezuela.
A respeitada ONG Oxfam acaba de soltar o estudo "Privilégios que negam direitos", em que analisa pobreza e desigualdade na região.
Christophe Simon - 3.mai.2012/AFP


Lula e o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, em seminário sobre a África, no Rio, em 2012
A certa altura, afirma que cerca de 200 milhões de pessoas estão correndo o risco de voltar à pobreza ante a desaceleração do crescimento econômico da região.
Que a desaceleração veio para ficar pelo menos por algum tempo, atesta-o a diretora gerente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde.
Em conferência organizada pelo Council of the Americas em Washington, Lagarde registrou "a brusca desaceleração", nos últimos anos, da outrora luminosa América Latina (e também dos emergentes, outra grife que perde lustro).
Voltando à Oxfam. A ONG aponta o que muitos especialistas, especialmente os de esquerda, disseram durante o ciclo de redução da pobreza, sem que o lulopetismo prestasse atenção: a falta de reformas estruturais faz com que os que deixaram de ser pobres fiquem permanentemente ameaçados de recaída.
Não foi pequena, diga-se, a redução da pobreza na América Latina: caiu de 44% para 28% entre 2002 e 2012.
É gente que deixou de ganhar até US$ 4 (R$ 16) por dia, limite da pobreza, para começar a receber entre US$ 4 e US$ 10. Não chegou à classe média, para o que precisaria ganhar entre US$ 10 e US$ 50, mas melhorou de vida.
Agora, a festa está acabando, assinala Rosa Cañete, coordenadora do estudo da Oxfam:
"Estão muito ameaçados de cair abaixo da linha dos US$ 4 diários, porque, nesse período, não se desenvolveram as políticas necessárias para ter serviços públicos de educação e de saúde de qualidade, que poderiam proteger essas pessoas dos choques externos da economia".
O estudo da Oxfam não trata apenas desse risco, mas também do obstáculo ao crescimento representado pela obscena desigualdade latino-americana (e o Brasil é, entre os países da região, um dos mais desiguais, se não o mais desigual).
Na média latino-americana, a renda anual dos bilionários é 4.846 vezes superior à dos 20% mais pobres. O Brasil fica praticamente na média: um bilionário ganha 4.845,8 vezes mais que os 20% mais pobres.
É um dado eloquente e que demonstra outra falácia, a de que houve redução da desigualdade no Brasil. Pode ter havido entre assalariados, mas não entre a renda do capital e a renda do trabalho, que é a verdadeira obscenidade.
A propósito de desigualdade: o site Contas Abertas informa que os gastos do governo com juros, só neste ano, ficarão na espetacular altura de R$ 277,3 bilhões, conforme autorização orçamentária.
Completa: "O montante é semelhante ao que o governo federal desembolsou para o principal programa social, o Bolsa Família. Nos últimos 15 anos, R$ 221,7 bilhões foram destinados para transferência de renda às famílias mais carentes do país".
Posto de outra forma: o que vai em UM ANO para os poucos milhões que detêm títulos públicos supera o que recebem do governo, DURANTE 15 ANOS, os 42 milhões de pobres entre os pobres, a clientela do Bolsa Família.
É transferência de renda, sim, mas dos pobres para os ricos.