De volta ao (pobre) passado
Clovis Rossi
Era uma vez o tempo em que um certo Luiz Inácio Lula da Silva viajava
pelo mundo, vendendo o Brasil potência emergente (e, de quebra, suas empresas)
e também uma América Latina em franco crescimento.
Lula, com aquela facilidade incontrolável de produzir bravatas, chegou a
dizer, mais de uma vez, que o século 21 seria o século da América Latina.
Claro que ainda há tempo, muito tempo, para que a bravata vire
realidade, mas, ao terminar o segundo lustro da segunda década do século, a
América Latina emergente submerge –e o Brasil mais do qualquer outro da região,
com a exceção da falida Venezuela.
A respeitada ONG Oxfam acaba de soltar o estudo "Privilégios que
negam direitos", em que analisa pobreza e desigualdade na região.
Christophe Simon - 3.mai.2012/AFP
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Lula e o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, em seminário sobre a
África, no Rio, em 2012
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A certa altura, afirma que cerca de 200 milhões de pessoas estão
correndo o risco de voltar à pobreza ante a desaceleração do crescimento
econômico da região.
Que a desaceleração veio para ficar pelo menos por algum tempo, atesta-o
a diretora gerente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde.
Em conferência organizada pelo Council of the Americas em Washington,
Lagarde registrou "a brusca desaceleração", nos últimos anos, da
outrora luminosa América Latina (e também dos emergentes, outra grife que perde
lustro).
Voltando à Oxfam. A ONG aponta o que muitos especialistas, especialmente
os de esquerda, disseram durante o ciclo de redução da pobreza, sem que o
lulopetismo prestasse atenção: a falta de reformas estruturais faz com que os
que deixaram de ser pobres fiquem permanentemente ameaçados de recaída.
Não foi pequena, diga-se, a redução da pobreza na América Latina: caiu
de 44% para 28% entre 2002 e 2012.
É gente que deixou de ganhar até US$ 4 (R$ 16) por dia, limite da
pobreza, para começar a receber entre US$ 4 e US$ 10. Não chegou à classe
média, para o que precisaria ganhar entre US$ 10 e US$ 50, mas melhorou de
vida.
Agora, a festa está acabando, assinala Rosa Cañete, coordenadora do
estudo da Oxfam:
"Estão muito ameaçados de cair abaixo da linha dos US$ 4 diários,
porque, nesse período, não se desenvolveram as políticas necessárias para ter
serviços públicos de educação e de saúde de qualidade, que poderiam proteger
essas pessoas dos choques externos da economia".
O estudo da Oxfam não trata apenas desse risco, mas também do obstáculo
ao crescimento representado pela obscena desigualdade latino-americana (e o
Brasil é, entre os países da região, um dos mais desiguais, se não o mais
desigual).
Na média latino-americana, a renda anual dos bilionários é 4.846 vezes
superior à dos 20% mais pobres. O Brasil fica praticamente na média: um
bilionário ganha 4.845,8 vezes mais que os 20% mais pobres.
É um dado eloquente e que demonstra outra falácia, a de que houve
redução da desigualdade no Brasil. Pode ter havido entre assalariados, mas não
entre a renda do capital e a renda do trabalho, que é a verdadeira obscenidade.
A propósito de desigualdade: o site Contas Abertas informa que os gastos
do governo com juros, só neste ano, ficarão na espetacular altura de R$ 277,3
bilhões, conforme autorização orçamentária.
Completa: "O montante é semelhante ao que o governo federal
desembolsou para o principal programa social, o Bolsa Família. Nos últimos 15
anos, R$ 221,7 bilhões foram destinados para transferência de renda às famílias
mais carentes do país".
Posto de outra forma: o que vai em UM ANO para os poucos milhões que
detêm títulos públicos supera o que recebem do governo, DURANTE 15 ANOS, os 42
milhões de pobres entre os pobres, a clientela do Bolsa Família.
É transferência de renda, sim, mas dos pobres para os ricos.
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