Paulo Haddad
Não é difícil vender um programa de
austeridade fiscal para uma população que foi educada psicologicamente visando
a receber como fato normal atos punitivos após ter cometido atos de abusos
comportamentais. Trata-se da imagem de uma síndrome do crime e castigo, muito
impregnada na consciência popular. Se numa fase do ciclo econômico o governo
gastou em excesso, distribuiu ad nauseam um conjunto de subsídios financeiros e
de incentivos fiscais sem critérios de eficiência econômica ou de justiça
social e afrouxou a acessibilidade às benesses das políticas sociais
compensatórias, então é de se esperar que surjam os tempos de ajuste, de sacrifícios
e de desalento numa nova fase mortificante do ciclo econômico.
A ideia da austeridade fiscal é uma
ideia perigosa ou uma ideia não muito boa quando generalizada como planilha ou
proposta de ajuste de qualquer economia que se encontra desestruturada e
fragilizada. A experiência histórica mostra que a austeridade fiscal pode ser
uma política pública adequada quando a economia apresenta carga tributária
muito elevada, dívidas públicas e privadas sem controle, taxas de juros
astronômicas e, principalmente, expectativas desfavoráveis de investidores,
empresários e consumidores. Infelizmente, esta é a situação da economia
brasileira neste segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Uma situação que
a sua própria equipe econômica criou durante os últimos quatro anos de uma
política econômica dominada pelo voluntarismo coroado.
A austeridade fiscal não é, contudo,
uma política adequada para ser implementada em vários contextos. Não é adequada
quando as taxas de juros estão próximas de zero e as taxas de crescimento e de
desemprego não reagem às mudanças na política monetária. Não é adequada quando
o conjunto das economias mais desenvolvidas está deprimido não deixando espaço
para as exportações das economias periféricas menos desenvolvidas. Não é
adequada para países membros de uma União Monetária que não podem substituir
autonomamente a insuficiência da demanda interna pela demanda externa através
da desvalorização monetária.
Mas, mesmo considerando que as atuais
circunstâncias da economia brasileira necessitam passar por um processo de
ajuste, não será qualquer ajuste que poderá trazer de volta o crescimento e os
empregos para a nossa população. Corte despesas, aumente os impostos e elimine
subsídios e incentivos que a confiança de investidores, empresários e
consumidores voltará e trará novamente a prosperidade econômica! Slogans e
clichês não faltam para ilustrar um ciclo de sofrimentos com desemprego e
inflação corretiva seguido de um novo ciclo de expansão econômica, mobilizando
o senso comum de uma população desinformada. No Dicionário Aurélio, há até
mesmo uma frase de Machado de Assis que caracteriza essa idiossincrasia através
das Memórias Póstumas de Brás Cubas: “considerei que as botas apertadas são uma
das maiores venturas da terra, porque fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de
as descalçar. Mortifica os pés, desgraçado, desmortifica-os depois”.
As nossas autoridades econômicas ainda
depositam muita esperança na eficácia de alguns instrumentos de política
econômica. Desde quando Keynes mostrou ceticismo em relação à eficácia dos
instrumentos da política monetária num contexto de depressão econômica, ficou
evidente, contudo, que a eficácia de um instrumento depende do contexto
histórico em que ele se opera. No caso específico de Keynes, escrevendo no
contexto da crise de 1929, a questão básica era a armadilha da liquidez. Se há
uma recessão econômica, a sabedoria convencional recomenda tornar as
instituições e agentes econômicos mais líquidos financeiramente, aumentando sua
capacidade para gastar e reduzindo o seu custo financeiro para consumir ou
investir, ou seja, reduzindo as taxas de juros que são o preço da liquidez.
Na crise de 1929, esse instrumento não
foi eficaz como não tem sido eficaz na atual crise norte-americana. Por volta
de 2008, as taxas de juros nos EE.UU tornaram-se praticamente nulas e continuam
muito baixas. Famílias muito endividadas ao longo do ciclo da bolha imobiliária
foram forçadas a gastar menos. Os credores e financiadores não estavam
dispostos a gastar mais. Caracteriza-se, assim, uma insuficiência de demanda
agregada, um passo a caminho de uma recessão econômica.
Mas há muitas outras situações em que
os instrumentos tradicionais de política econômica podem perder sua eficácia em
gerar os resultados esperados. Os motivos são vários, destacando-se no caso
brasileiro: a sua baixa intensidade de propulsão, as expectativas adversas dos
agentes econômicos e a incompatibilidade dos efeitos cruzados no uso dos
diferentes instrumentos.
Em primeiro lugar, num contexto em que
a desaceleração se caracteriza como uma recessão, não basta acionar um
instrumento. Ele precisa de intensidade e de cadência para gerar resultados
significativos. Qualquer programa de investimentos a ser lançado pelo governo
federal, por exemplo, poderá não ser eficaz na sua dimensão anticíclica, uma
vez que as restrições fiscais supervenientes (excesso de despesas correntes, de
vinculações de receitas, de pressões para novas despesas de pessoal, de
encargos financeiros das dívidas públicas acumuladas) limitam o grau de
liberdade dos investimentos públicos. Neste contexto, programas de
investimentos do governo federal para reanimar a economia se transformam em pó
no próprio dia de seu anúncio.
Em segundo lugar, coloca-se a questão
da tempística nas soluções da crise, ou seja, a definição de critérios que
possibilitem executá-las no tempo ideal, com os melhores resultados possíveis.
Intuitivamente, podem-se destacar três parâmetros básicos de uma abordagem
tempística presentes na nossa economia. São eles: uma sequência longa e
dolorosa, típica de reformas institucionais de instrumentos globalizados; uma
cadência imprevisível, típica dos ambientes de quebra de confiabilidade; e uma
intensidade duvidosa, pela dificuldade de mobilização de atores e instituições
com diferentes estágios de evolução. Especificamente, poderá ocorrer uma
lentidão crucial no tempo em que o setor privado irá se envolver efetivamente
nos investimentos previstos por causa dos riscos jurídico-regulatórios e das
incertezas sobre o intervencionismo governamental na definição da rentabilidade
dos investimentos. Keynes apontava ainda as dificuldades para se obterem
projetos de engenharia devidamente elaborados, analisados e avaliado
s à pronto e à hora.
Finalmente, os mercados dos macropreços
são interdependentes: o que ocorre e se decide num deles (a redução da taxa de
juros, por exemplo) pode afetar outro mercado numa direção (elevação da taxa de
câmbio, por exemplo) ou noutra (elevação da taxa esperada de inflação, por
exemplo). Os mercados dos macropreços apresentam um grau de sensibilidade ao
contexto histórico muito diferente do que os tradicionais mercados de bens e
serviços, os quais quando desestabilizados admitem um equacionamento
relativamente rápido e de menor efeito de espraiamento tóxico.
Enfim, há muitas formas e estilos de
ajuste de uma economia como a brasileira que apresenta enormes potencialidades
econômicas, instituições políticas e administrativas de padrão internacional e
um pujante capital cívico de sua população. Mas as alternativas de ajuste se
encontram bloqueadas pelas contradições ideológicas na base
político-administrativa do governo e pela fragilidade política que permeia o
segundo mandato de Dilma Rousseff. E o ajuste politicamente possível pode estar
predestinado ao fracasso.
Mesmo considerando que as atuais
circunstâncias da economia necessitam passar por um processo de ajuste, não
será qualquer ajuste que poderá trazer de volta o crescimento e os empregos