sexta-feira, 28 de agosto de 2015

AJUSTE FISCAL É NÃO GASTAR COM COMPANHEIROS



  

Paulo Haddad



Não é difícil vender um programa de austeridade fiscal para uma população que foi educada psicologicamente visando a receber como fato normal atos punitivos após ter cometido atos de abusos comportamentais. Trata-se da imagem de uma síndrome do crime e castigo, muito impregnada na consciência popular. Se numa fase do ciclo econômico o governo gastou em excesso, distribuiu ad nauseam um conjunto de subsídios financeiros e de incentivos fiscais sem critérios de eficiência econômica ou de justiça social e afrouxou a acessibilidade às benesses das políticas sociais compensatórias, então é de se esperar que surjam os tempos de ajuste, de sacrifícios e de desalento numa nova fase mortificante do ciclo econômico.

A ideia da austeridade fiscal é uma ideia perigosa ou uma ideia não muito boa quando generalizada como planilha ou proposta de ajuste de qualquer economia que se encontra desestruturada e fragilizada. A experiência histórica mostra que a austeridade fiscal pode ser uma política pública adequada quando a economia apresenta carga tributária muito elevada, dívidas públicas e privadas sem controle, taxas de juros astronômicas e, principalmente, expectativas desfavoráveis de investidores, empresários e consumidores. Infelizmente, esta é a situação da economia brasileira neste segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Uma situação que a sua própria equipe econômica criou durante os últimos quatro anos de uma política econômica dominada pelo voluntarismo coroado.

A austeridade fiscal não é, contudo, uma política adequada para ser implementada em vários contextos. Não é adequada quando as taxas de juros estão próximas de zero e as taxas de crescimento e de desemprego não reagem às mudanças na política monetária. Não é adequada quando o conjunto das economias mais desenvolvidas está deprimido não deixando espaço para as exportações das economias periféricas menos desenvolvidas. Não é adequada para países membros de uma União Monetária que não podem substituir autonomamente a insuficiência da demanda interna pela demanda externa através da desvalorização monetária.

Mas, mesmo considerando que as atuais circunstâncias da economia brasileira necessitam passar por um processo de ajuste, não será qualquer ajuste que poderá trazer de volta o crescimento e os empregos para a nossa população. Corte despesas, aumente os impostos e elimine subsídios e incentivos que a confiança de investidores, empresários e consumidores voltará e trará novamente a prosperidade econômica! Slogans e clichês não faltam para ilustrar um ciclo de sofrimentos com desemprego e inflação corretiva seguido de um novo ciclo de expansão econômica, mobilizando o senso comum de uma população desinformada. No Dicionário Aurélio, há até mesmo uma frase de Machado de Assis que caracteriza essa idiossincrasia através das Memórias Póstumas de Brás Cubas: “considerei que as botas apertadas são uma das maiores venturas da terra, porque fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar. Mortifica os pés, desgraçado, desmortifica-os depois”.

As nossas autoridades econômicas ainda depositam muita esperança na eficácia de alguns instrumentos de política econômica. Desde quando Keynes mostrou ceticismo em relação à eficácia dos instrumentos da política monetária num contexto de depressão econômica, ficou evidente, contudo, que a eficácia de um instrumento depende do contexto histórico em que ele se opera. No caso específico de Keynes, escrevendo no contexto da crise de 1929, a questão básica era a armadilha da liquidez. Se há uma recessão econômica, a sabedoria convencional recomenda tornar as instituições e agentes econômicos mais líquidos financeiramente, aumentando sua capacidade para gastar e reduzindo o seu custo financeiro para consumir ou investir, ou seja, reduzindo as taxas de juros que são o preço da liquidez.

Na crise de 1929, esse instrumento não foi eficaz como não tem sido eficaz na atual crise norte-americana. Por volta de 2008, as taxas de juros nos EE.UU tornaram-se praticamente nulas e continuam muito baixas. Famílias muito endividadas ao longo do ciclo da bolha imobiliária foram forçadas a gastar menos. Os credores e financiadores não estavam dispostos a gastar mais. Caracteriza-se, assim, uma insuficiência de demanda agregada, um passo a caminho de uma recessão econômica.

Mas há muitas outras situações em que os instrumentos tradicionais de política econômica podem perder sua eficácia em gerar os resultados esperados. Os motivos são vários, destacando-se no caso brasileiro: a sua baixa intensidade de propulsão, as expectativas adversas dos agentes econômicos e a incompatibilidade dos efeitos cruzados no uso dos diferentes instrumentos.

Em primeiro lugar, num contexto em que a desaceleração se caracteriza como uma recessão, não basta acionar um instrumento. Ele precisa de intensidade e de cadência para gerar resultados significativos. Qualquer programa de investimentos a ser lançado pelo governo federal, por exemplo, poderá não ser eficaz na sua dimensão anticíclica, uma vez que as restrições fiscais supervenientes (excesso de despesas correntes, de vinculações de receitas, de pressões para novas despesas de pessoal, de encargos financeiros das dívidas públicas acumuladas) limitam o grau de liberdade dos investimentos públicos. Neste contexto, programas de investimentos do governo federal para reanimar a economia se transformam em pó no próprio dia de seu anúncio.

Em segundo lugar, coloca-se a questão da tempística nas soluções da crise, ou seja, a definição de critérios que possibilitem executá-las no tempo ideal, com os melhores resultados possíveis. Intuitivamente, podem-se destacar três parâmetros básicos de uma abordagem tempística presentes na nossa economia. São eles: uma sequência longa e dolorosa, típica de reformas institucionais de instrumentos globalizados; uma cadência imprevisível, típica dos ambientes de quebra de confiabilidade; e uma intensidade duvidosa, pela dificuldade de mobilização de atores e instituições com diferentes estágios de evolução. Especificamente, poderá ocorrer uma lentidão crucial no tempo em que o setor privado irá se envolver efetivamente nos investimentos previstos por causa dos riscos jurídico-regulatórios e das incertezas sobre o intervencionismo governamental na definição da rentabilidade dos investimentos. Keynes apontava ainda as dificuldades para se obterem projetos de engenharia devidamente elaborados, analisados e avaliado
s à pronto e à hora.

Finalmente, os mercados dos macropreços são interdependentes: o que ocorre e se decide num deles (a redução da taxa de juros, por exemplo) pode afetar outro mercado numa direção (elevação da taxa de câmbio, por exemplo) ou noutra (elevação da taxa esperada de inflação, por exemplo). Os mercados dos macropreços apresentam um grau de sensibilidade ao contexto histórico muito diferente do que os tradicionais mercados de bens e serviços, os quais quando desestabilizados admitem um equacionamento relativamente rápido e de menor efeito de espraiamento tóxico.

Enfim, há muitas formas e estilos de ajuste de uma economia como a brasileira que apresenta enormes potencialidades econômicas, instituições políticas e administrativas de padrão internacional e um pujante capital cívico de sua população. Mas as alternativas de ajuste se encontram bloqueadas pelas contradições ideológicas na base político-administrativa do governo e pela fragilidade política que permeia o segundo mandato de Dilma Rousseff. E o ajuste politicamente possível pode estar predestinado ao fracasso.

Mesmo considerando que as atuais circunstâncias da economia necessitam passar por um processo de ajuste, não será qualquer ajuste que poderá trazer de volta o crescimento e os empregos

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