Tio Flávio
Um dia a minha amiga Denise Eler fez
uma provocação: quando foi a última vez que você fez algo pela primeira vez?
Realmente merece uma reflexão. E comecei a pensar que temos desafios todos os
dias e podemos muito bem tirar grandes aprendizados de cada um deles ou ligar o
botãozinho da rotina e deixar que ela nos conduza, como um piloto automático.
Associada a esta provocação há uma
outra frase que tem me incomodado demasiadamente, principalmente por lidar
muito com funcionários e alunos de escolas, além de outros tipos de empresas e
profissionais. Ela é do cineasta chileno Alejandro Jodorowsky: pássaros criados
em gaiolas acreditam que voar é uma doença.
Cada um vai descobrindo sua própria
gaiola e se acomodando com ela. Ou, não satisfeito, vai, dentro ou fora da
gaiola, arriscando voar.
Assim foi com o jovem agente
penitenciário Fábio Alves Moreira, que, apoiado pela diretoria de uma das mais
tradicionais penitenciárias de Minas Gerais, a José Maria Alkmim (PJAMA), em
Ribeirão das Neves, com a aprovação dos diretores da época, dr. Zulei Jacinto e
dr. Igor Pinho Tavares, teve a iniciativa de criar um grupo de teatro com os
detentos do regime fechado.
E eis a metáfora: mesmo dentro das
limitações impostas pelo Estado e pelo sistema, ele resolveu ajudar várias pessoas
a aprenderem a voar.
De início eram 15 homens, com as mais
diversificadas faltas disciplinares e bem problemáticos. Os ensaios eram
realizados de segunda a sexta, das 14h às 17h, e através deles foram sendo
descobertos talentos escondidos, durante as aulas de prática de expressão
corporal, vocal e musical. E esses talentos foram lapidados.
Os presos diminuíram as suas faltas
internas, começaram a desenvolver sentimentos de equipe, solidariedade,
disciplina e foram impactados pelo resgate à autoestima.
Nascia, em 10 de março de 2010, o
grupo Vida Nova, que passaria a sair da penitenciária para apresentar-se em
escolas, empresas, instituições religiosas, não tendo nenhum registro de
incidente em todos esses anos.
Os ganhos são vários, desde a
aceitação da sociedade de um problema que é de todos – a reinserção dessas
pessoas na sociedade –, além de trabalharem temas como drogas e bullying.
O agente Fábio Moreira começou a
perceber que os sentenciados começavam a cortar cabelo, a fazer barba, escovar
os dentes, cuidar das roupas, o que eles antes nem se importavam. Diminuíram o
uso do cigarro e começaram a dar menos trabalho para a unidade.
Hoje o grupo conta com o apoio de
todos os diretores da PJAMA. Mas o que o teatro fez não foi ensinar nada a
ninguém, mas despertar algo que eles já tinham e não usavam. E isso é adquirir
asas novas.
Palestrante, professor, autor de livros e idealizador do Tio Flávio Cultural
Palestrante, professor, autor de livros e idealizador do Tio Flávio Cultural