quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

PÁSSAROS CRIADOS EM GAIOLA ACREDITAM QUE VOAR É UMA DOENÇA





Tio Flávio



Um dia a minha amiga Denise Eler fez uma provocação: quando foi a última vez que você fez algo pela primeira vez? Realmente merece uma reflexão. E comecei a pensar que temos desafios todos os dias e podemos muito bem tirar grandes aprendizados de cada um deles ou ligar o botãozinho da rotina e deixar que ela nos conduza, como um piloto automático.
Associada a esta provocação há uma outra frase que tem me incomodado demasiadamente, principalmente por lidar muito com funcionários e alunos de escolas, além de outros tipos de empresas e profissionais. Ela é do cineasta chileno Alejandro Jodorowsky: pássaros criados em gaiolas acreditam que voar é uma doença.
Cada um vai descobrindo sua própria gaiola e se acomodando com ela. Ou, não satisfeito, vai, dentro ou fora da gaiola, arriscando voar.
Assim foi com o jovem agente penitenciário Fábio Alves Moreira, que, apoiado pela diretoria de uma das mais tradicionais penitenciárias de Minas Gerais, a José Maria Alkmim (PJAMA), em Ribeirão das Neves, com a aprovação dos diretores da época, dr. Zulei Jacinto e dr. Igor Pinho Tavares, teve a iniciativa de criar um grupo de teatro com os detentos do regime fechado.
E eis a metáfora: mesmo dentro das limitações impostas pelo Estado e pelo sistema, ele resolveu ajudar várias pessoas a aprenderem a voar.
De início eram 15 homens, com as mais diversificadas faltas disciplinares e bem problemáticos. Os ensaios eram realizados de segunda a sexta, das 14h às 17h, e através deles foram sendo descobertos talentos escondidos, durante as aulas de prática de expressão corporal, vocal e musical. E esses talentos foram lapidados.
Os presos diminuíram as suas faltas internas, começaram a desenvolver sentimentos de equipe, solidariedade, disciplina e foram impactados pelo resgate à autoestima.
Nascia, em 10 de março de 2010, o grupo Vida Nova, que passaria a sair da penitenciária para apresentar-se em escolas, empresas, instituições religiosas, não tendo nenhum registro de incidente em todos esses anos.
Os ganhos são vários, desde a aceitação da sociedade de um problema que é de todos – a reinserção dessas pessoas na sociedade –, além de trabalharem temas como drogas e bullying.
O agente Fábio Moreira começou a perceber que os sentenciados começavam a cortar cabelo, a fazer barba, escovar os dentes, cuidar das roupas, o que eles antes nem se importavam. Diminuíram o uso do cigarro e começaram a dar menos trabalho para a unidade.
Hoje o grupo conta com o apoio de todos os diretores da PJAMA. Mas o que o teatro fez não foi ensinar nada a ninguém, mas despertar algo que eles já tinham e não usavam. E isso é adquirir asas novas.
Palestrante, professor, autor de livros e idealizador do Tio Flávio Cultural

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