segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

COISAS DA VIDA




Chico Mendonça




Era sábado de Carnaval, já perto do meio-dia, quando o ônibus parou para um lanche na pequena rodoviária de uma cidade situada bem no meio de coisa nenhuma. O jagunço, a bailarina, o travesti e o presidiário, todos em suas vestimentas típicas, desembarcaram em animada conversa. Ao tocarem os pés no piso da plataforma de embarque, foi como se o Carnaval tivesse acabado de chegar. Foram entusiasticamente convocados para a roda de samba, instalada no bar do outro lado da rua, e saudados como a encarnação da alegria.

E tome samba, cerveja gelada e abraços, muitos abraços. O travesti de braço dado com um mulato forte, em estado avançado de embriaguez, virava seus copos com tantos trejeitos que era um milagre não derramar toda a cerveja antes de encontrar a própria boca. Era ele, em suas plumas, brilhos e extravagante batom, o comandante da festa. Até o compenetrado jagunço botou o chapéu de couro sobre a mesa e virou duas ou três doses de cachaça para entrar no clima. O presidiário, em uniforme laranja, cantava e dançava com tanta empolgação que parecia comemorar a conquista da liberdade. Clássica mas nada ortodoxa, a bailarina desenhou no chão, com a ponta das sapatilhas, um samba inesquecível. E em torno dela logo se formou um cordão de apaixonados.

Nem perceberam, os quatro visitantes, a buzina insistente do ônibus que partia. De lá saíram em bloco pelos bares da cidade, a cada parada mais e mais numeroso. Quando, à noite, chegaram ao clube da cidade, para o baile de abertura do Carnaval, eram mais de 50. À frente deles o jagunço e uma Maria Bonita improvisada com o chapéu dele e dois pentes de bala atravessados no peito, a bailarina e seu séquito de fãs, o presidiário e um bando de comparsas vestidos como ele, e o travesti e seu mulato bêbado. Entrou todo mundo e a festa foi até as 7 da manhã.

Dormiram todos na praça principal. Estavam ainda adormecidos quando a namorada do mulato, avisada por não se sabe quem, chegou em coreografia desprovida de qualquer encanto e surpreendeu o quase noivo e seu novo par dormindo de conchinha no meio do gramado. Se atracaram com fúria nunca vista por ali. E foi surgindo tanta gente, rebelada contra aquela situação de muita novidade ao mesmo tempo, que a briga alastrou-se feito notícia ruim.

A confusão só terminou quando o jagunço sacou de sua pistola, deu uma meia-dúzia de tiros para o alto, tomou de volta sua Maria Bonita dos braços do pai, montou com ela no cavalo de alguém e caíram no mundo. O travesti levou alguns pontos no rosto e fugiu da cidade com o mulato, mesmo na maior ressaca. Protegida por um biombo de corpos masculinos, a bailarina foi levada dali e só reapareceu no final do ano para inaugurar sua academia de balé, financiada por doações de um grupo de entusiastas. Do presidiário, tiveram notícia ainda na praça quando a explosão de uma bomba atraiu a multidão à única agência bancária da cidade.

NINGUÉM INVESTE




José Antônio Bicalho


 
Na semana passada ficamos sabendo o tamanho do estrago da crise na indústria mineira. Na sexta-feira, o IBGE divulgou a queda de 7,9% na produção física em Minas (2015 contra 2014), contra um recuo médio nacional de 8,3%. Trata-se de um indicador importante, mas menos que o divulgado poucos dias antes pela Fiemg, que mede a evolução do faturamento (que no final das contas é o que verdadeiramente importa). Pelas contas da Fiemg, as indústrias de Minas faturaram 15,9% menos no ano passado que em 2014, enquanto a queda média nacional foi de 8,9%.

A explicação para que o faturamento tenha caído mais do que a produção física está na mineração. Ao longo do ano, a Vale pôs em marcha sua estratégia de compensar a derrocada dos preços do minério com aumento dos volumes produzidos. Produziu muito, mas nem de longe o suficiente para manter o caixa do ano anterior (o que será confirmado no balanço do último trimestre de 2014 da empresa, a ser divulgado nesta ou na próxima semana). Daí o volume geral da indústria mineira não ter caído tanto quanto o faturamento.

A crise é grave e está sendo mortal para indústrias das cadeias dos setores mais atingidos, como o automotivo, o siderúrgico e o de máquinas e equipamentos, nos quais várias já fecharam as portas. Sobre esse momento ruim, as perspectivas para este ano e, principalmente, as alternativas para se sair da crise, conversei com Lincoln Gonçalves, presidente do Conselho de Política Econômica e Industrial da Fiemg.

Matriz de desenvolvimento

O ponto central da virada, segundo Lincoln, seria uma mudança radical do foco da matriz de desenvolvimento para o investimento em infraestrutura (já abordada nesta coluna por diversas vezes). “O problema é que não há sinalização nesse sentido e isso é desesperador e desmotivador para os empresários”, afirma Lincoln.
Ele advoga que a matriz focada no consumo e no crédito está esgotada (o que a coluna concorda apenas em parte), e que as medidas isoladas de injeção de crédito na economia, em curso ou em gestação no Ministério da Fazenda, gerarão um “voo de galinha” (com o que não há discordância).

Mas de onde viria o dinheiro para aumentar o investimento em infraestrutura? Da agilização dos processos de concessão e de um grande esforço de atração do capital internacional para grandes e médios projetos. Os números ainda não foram fechados pelo governo federal, mas a Fiemg calcula que os investimentos em infraestrutura no ano passado não teriam ultrapassado os 0,5% do PIB, e que ficarão entre R$ 35 e R$ 50 bilhões. Lincoln defende uma alavancagem desses investimentos, se possível ainda para este ano, para algo entre 1,5% e 2% do PIB, numa ordem entre R$ 150 bilhões e R$ 200 bilhões.

Conversamos ainda sobre a urgência de uma agenda política bem definida que garanta o encaminhamento das reformas previdenciária e tributária, “porque o ajuste fiscal depende delas”, como o complemento necessário para recuperar o clima de otimismo entre os empresários. E otimismo é a palavra-chave para fazer a roda voltar a girar.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

NOSSA INDIGNAÇÃO





Márcio Doti




Quando o governador Fernando Pimentel faz lei para enfiar nos gastos do Estado o dinheiro dos depósitos judiciais e, a maioria que o apoia e aprova a norma e a atitude, pode-se dizer que faltou limite. Faltou saber exatamente o papel que deve desempenhar um governante, mesmo diante da oportunidade de obter mais dinheiro para seus projetos. Ninguém pode tudo. E todos que são elevados a essa condição de governante precisam saber exatamente o que devem ou não fazer. Uma delas é não se apossar de um dinheiro que tem dono, como é o caso do dinheiro dos depósitos judiciais.
De igual modo, é um erro quando a presidente da República se apodera de R$60 bilhões do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), um dinheiro que pertence aos trabalhadores. A presidente jamais deveria ter tido a ideia e muito menos a audácia de concordar e aprovar o desrespeito, ao invés de usar seus ministros, membros decisivos do conselho curador do FGTS, para, com o poder de voto, aprovar a garfada. Uma operação que reuniu mais dinheiro para a presidente Dilma gastar no ano eleitoral e sem obrigação de devolver porque a operação autorizada é a fundo perdido.

Várias foram as operações praticadas na execução do orçamento da União ao ponto de render à presidente as reprovações de contas e as recriminações por parte do Tribunal de Contas da União. Foram muitos os malabarismos que ainda não livraram Dilma Rousseff de se defrontar com as leis que desrespeitou segundo o relator do TCU, faltando que o assunto seja decidido pelo plenário da corte de contas. Juntam-se os feitos às pedaladas fiscais, também malfeitos incompatíveis com o cargo de tamanha envergadura.
E juntam-se todos para demonstrar ainda mais que em busca de dinheiro, nossos governantes, a começar pela presidente, são capazes de desrespeitar qualquer lógica, princípio ou norma ética para obter mais dinheiro. Foi assim que de um orçamento que se pretendia ser superavitário no ano passado, o governo encerrou o ano com um rombo de R$52 bilhões.

Os que se colocam diante disso com desânimo, um acentuado desalento, devem ser compreendidos. Mas, também, devem deduzir que alguma coisa virá em socorro da aflição dos tantos que não suportam mais tantos erros, tantos malfeitos, tamanho desrespeito pelo dinheiro e pelos milhões de brasileiros que esses governantes deveriam representar e passam a ideia de fazê-lo, embora não seja verdade.
Os governantes devem ser os primeiros a fazer cumprir as leis e jamais os primeiros a descumpri-las. E também é verdade que diante dos erros e dos desrespeitos, deveriam vir em socorro do interesse público as instituições dos estados e da República. Não deve e não pode haver um conluio que perdoe, que inocente, que minimize ou desqualifique as práticas condenáveis. Talvez sejam esses os fatos mais graves, os componentes mais inaceitáveis. A República é um todo cuja defesa deve vir de toda parte para que não se transforme nisso que aí está.

O BRASIL NÃO PARTICIPA DE NADA GLOBALMENTE




Stefan Salej




O negócio é simples: um exportador de macadâmia do Brasil, que hoje exporta para os 12 países signatários do TPP – Acordo de Parceria Transpacífica – em relativa igualdade de condições, vai perder seu mercado.

Seus produtos serão taxados, e os produtos dos seus concorrentes desses países, não. Ou seja, hoje o seu produto e o da Austrália pagam a mesma taxa de importação nos Estados Unidos. Amanhã, o da Austrália será zerado, e o do Brasil vai pagar 20 %.

Outro caso é o do café brasileiro, a ser exportado para o Japão e os Estados Unidos. Os cafés do Peru, México e Indonésia não vão pagar nenhuma taxa. O do Brasil, sim.

Quando o acordo, do qual o Brasil não faz parte, for retificado pelos parlamentos dos doze países, e entrar em vigor, 70 % das taxas de importação serão zeradas. Ate 2030, 99 % do comércio entre países será feito com taxa zero. E os países do acordo perfazem 23 % do total do comércio mundial e 36 % do PIB do mundo.

E podemos citar mais e mais produtos brasileiros, tanto industriais como commodities, cujas exportações para esses países serão afetadas. Quanto e como, até agora não se viu, além de muito espanto e alguns estudos preliminares, nada por parte dos envolvidos no Brasil.

Aqui, ficamos surpresos com o acordo, depois de cinco anos de negociações, e ainda não sabemos em quanto vai reduzir nosso já reduzido PIB. No caso dos Estados Unidos, a parceria transpacífico vai acrescentar 0,5% no PIB e gerar 9.1% de aumento de exportações. Vai crescer o emprego na área de serviços, mas não na indústria.

Em resumo, todos os países vão se beneficiar do acordo. No caso brasileiro, estamos aguardando as ações do governo. Do governo que liquidou a ALCA, não conseguiu fechar acordo entre o Mercosul e a União Europeia e nos isolou do mundo.

Portanto, esperar o quê, a não ser uns acordinhos como com a Colômbia, na área automotiva, para mais uma vez beneficiar um setor que ganhou mais benefícios do que o Bolsa Família.

Se os empresários não se prepararem para esses desafios, e parece que as confederações da Indústria e Agricultura ainda não têm plano de ação, só se pode esperar um desastre maior do que o de Mariana.

Não sabemos reagir aos acordos que se fazem, ainda falta acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos, e nem construímos os nossos.

O empresariado espera o governo, e este não é exportador. Então que os exportadores ajam!

AS ARMADILHAS DA INTERNET E OS FOTÓGRAFOS NÃO NOS DEIXAM TRABALHAR

  Brasil e Mundo ...