Paulo Haddad
Era uma vez um garçom que prestava
serviços no gabinete do ministro da Fazenda de um país latino-americano. Num
determinado sábado ele iria ser padrinho de casamento de um amigo de trabalho.
Colocou o seu terno escuro e uma gravata mais clara e comunicou à esposa que
antes de irem para a igreja ele deveria passar no gabinete do ministro pois
iria chegar uma missão do FMI.
Estava no gabinete acertando os
últimos detalhes, quando foi surpreendido pela entrada dos membros da missão do
FMI. Sentiu-se elegante por receber visitantes tão ilustres. Acomodou-os em
torno da grande mesa de reuniões e lhes disse as seguintes palavras: “Sejam
bem-vindos. A equipe econômica deverá chegar daqui a pouco. Mas não se
preocupem a situação econômica e financeira do país está absolutamente sob
controle”.
E continuou repetindo as frases que
monotonamente ouvia dos membros da equipe econômica durante as inúmeras
reuniões a que servia: “Tivemos que elevar a taxa de juros ligeiramente porque
as taxas de inflação estão subindo em virtude da crise de energia e da crise
hídrica. Tudo por causa dessa inesperada mudança climática. A taxa de câmbio
continua livre para flutuar, mas sempre acompanhada pela nossa equipe do Banco
Central. O crescimento está baixo, mas com a volta da confiança dos
consumidores e dos investidores a economia tende a crescer”. Não deixou também
de utilizar algumas imagens que ouvia repetidamente: “Não vamos dar um tiro no
pé... não estamos aqui para enxugar gelo...”.
E assim foi discorrendo sobre a
conjuntura macroeconômica, sentindo-se inteligente por repetir com precisão o
que ouvia em todas as reuniões da equipe econômica. Pediu licença por alguns
minutos para ver se a equipe econômica havia chegado. Nesta hora, um membro da
missão do FMI fez o seguinte comentário: “Esse ministro é dos bons”.
Essa narração alegórica foi escrita
para caracterizar as limitações das políticas econômicas que vêm sendo adotadas
pelo governo federal nos últimos anos. Políticas que se exprimem pobremente
numa linguagem na qual são descritas no máximo em cerca de duzentas palavras e
poucas estruturas formais.
Não se trata do desconhecimento da
riqueza semântica da língua portuguesa por parte dos economistas. O que ocorre
na verdade é um problema de concepção da própria política econômica, como
também uma questão de natureza ideológica que a permeia.
A concepção da política econômica é
dominada por uma overdose de análise macroeconômica de curto prazo, típica da
que se processa recorrentemente nos relatórios diários dos mercados financeiros
globais. Particularmente, em situações em que prevalecem déficits fiscais
crônicos, inflação elevada e baixo crescimento, a sociedade inclina-se a apoiar
políticas de austeridade fiscal e a considerar as políticas de médio e longo
prazo como supérfluas e residuais. Não se trata pois, de saber apenas, se a
política a curto prazo é necessária ou não.
Contudo, uma sequência quase
interminável de políticas de estabilização de curto prazo como tem ocorrido no
Brasil nos últimos anos, pode impactar sensivelmente a distribuição funcional e
pessoal da renda nacional, a estrutura de oferta de serviços públicos
tradicionais, os níveis de riscos e de incertezas dos investimentos diretamente
produtivos, etc. Ou seja, de ajuste em ajuste, o que se pensava ser tão somente
políticas explícitas de curto prazo vai se tornando políticas implícitas de
médio e longo prazo. Por exemplo, o atual ajuste fiscal, uma política de curto
prazo, está agravando as desigualdades sociais no Brasil, uma questão de médio
e de longo prazo. Taxas de juros exorbitantes, taxas de desemprego em elevação,
redução na oferta de serviços públicos essenciais para a população e taxas
elevadas de inflação são a trajetória mais eficaz e rápida para aumentar as desigualdades
sociais, como ocorre atualmente no Brasil.
A questão ideológica se coloca em
torno das controvérsias sobre os limites da intervenção do Estado na economia.
Se doutrinariamente, as autoridades econômicas acreditam que as forças de
mercado desacorrentadas das regulamentações burocráticas e da presença
leviatânica do Estado na formação de preços de produtos e de fatores de
produção são o melhor regime para a economia brasileira, as soluções dos
problemas de estrutura (desigualdades sociais e regionais de desenvolvimento,
modernização da estrutura industrial do país, preservação, conservação e
reabilitação dos ecossistemas, etc) ficariam condicionadas pelas soluções dos
problemas de conjuntura (rigoroso ajuste fiscal e financeiro).
Essa distinção, contudo, tem sido
superada pelas experiências históricas as quais mostram que um ajuste ou
austeridade fiscal desacompanhado de políticas de desenvolvimento sustentável e
implementadas num contexto de subdesenvolvimento político, tem vida curta por
causa da avalanche de demandas fisiológicas sobre os recursos públicos e pela
insatisfação dos movimentos sociais com a degradação dos indicadores econômicos
e socioambientais.
Assim, enquanto prevalecer no país uma
concentração de recursos humanos, institucionais e financeiros na busca da
eficiência das políticas econômicas de curto prazo sem articulá-las com as
políticas de desenvolvimento de médio e de longo prazo, não haverá espaço
institucional e administrativo para se conceber e, principalmente, implementar políticas
de desenvolvimento humano que tenham como escopo mitigar os impactos
ecológicos, econômicos e sociais de uma sociedade que carrega em sua trajetória
histórica as marcas das desigualdades sociais, do uso predatório dos recursos
naturais e das práticas de extração do patrimônio público.
Enquanto isso, as políticas econômicas
continuarão encurtando os seus objetivos e escopo; a população continuará
desalentada com suas condições de vida; e o nosso garçom continuará cada vez
mais feliz com o seu discurso preciso sobre a conjuntura econômica.