quinta-feira, 8 de outubro de 2015

O GOVERNO ESTÁ CHEIO DE GARÇONS E DOS BONS



  

Paulo Haddad



Era uma vez um garçom que prestava serviços no gabinete do ministro da Fazenda de um país latino-americano. Num determinado sábado ele iria ser padrinho de casamento de um amigo de trabalho. Colocou o seu terno escuro e uma gravata mais clara e comunicou à esposa que antes de irem para a igreja ele deveria passar no gabinete do ministro pois iria chegar uma missão do FMI.
Estava no gabinete acertando os últimos detalhes, quando foi surpreendido pela entrada dos membros da missão do FMI. Sentiu-se elegante por receber visitantes tão ilustres. Acomodou-os em torno da grande mesa de reuniões e lhes disse as seguintes palavras: “Sejam bem-vindos. A equipe econômica deverá chegar daqui a pouco. Mas não se preocupem a situação econômica e financeira do país está absolutamente sob controle”.
E continuou repetindo as frases que monotonamente ouvia dos membros da equipe econômica durante as inúmeras reuniões a que servia: “Tivemos que elevar a taxa de juros ligeiramente porque as taxas de inflação estão subindo em virtude da crise de energia e da crise hídrica. Tudo por causa dessa inesperada mudança climática. A taxa de câmbio continua livre para flutuar, mas sempre acompanhada pela nossa equipe do Banco Central. O crescimento está baixo, mas com a volta da confiança dos consumidores e dos investidores a economia tende a crescer”. Não deixou também de utilizar algumas imagens que ouvia repetidamente: “Não vamos dar um tiro no pé... não estamos aqui para enxugar gelo...”.
E assim foi discorrendo sobre a conjuntura macroeconômica, sentindo-se inteligente por repetir com precisão o que ouvia em todas as reuniões da equipe econômica. Pediu licença por alguns minutos para ver se a equipe econômica havia chegado. Nesta hora, um membro da missão do FMI fez o seguinte comentário: “Esse ministro é dos bons”.
Essa narração alegórica foi escrita para caracterizar as limitações das políticas econômicas que vêm sendo adotadas pelo governo federal nos últimos anos. Políticas que se exprimem pobremente numa linguagem na qual são descritas no máximo em cerca de duzentas palavras e poucas estruturas formais.
Não se trata do desconhecimento da riqueza semântica da língua portuguesa por parte dos economistas. O que ocorre na verdade é um problema de concepção da própria política econômica, como também uma questão de natureza ideológica que a permeia.
A concepção da política econômica é dominada por uma overdose de análise macroeconômica de curto prazo, típica da que se processa recorrentemente nos relatórios diários dos mercados financeiros globais. Particularmente, em situações em que prevalecem déficits fiscais crônicos, inflação elevada e baixo crescimento, a sociedade inclina-se a apoiar políticas de austeridade fiscal e a considerar as políticas de médio e longo prazo como supérfluas e residuais. Não se trata pois, de saber apenas, se a política a curto prazo é necessária ou não.
Contudo, uma sequência quase interminável de políticas de estabilização de curto prazo como tem ocorrido no Brasil nos últimos anos, pode impactar sensivelmente a distribuição funcional e pessoal da renda nacional, a estrutura de oferta de serviços públicos tradicionais, os níveis de riscos e de incertezas dos investimentos diretamente produtivos, etc. Ou seja, de ajuste em ajuste, o que se pensava ser tão somente políticas explícitas de curto prazo vai se tornando políticas implícitas de médio e longo prazo. Por exemplo, o atual ajuste fiscal, uma política de curto prazo, está agravando as desigualdades sociais no Brasil, uma questão de médio e de longo prazo. Taxas de juros exorbitantes, taxas de desemprego em elevação, redução na oferta de serviços públicos essenciais para a população e taxas elevadas de inflação são a trajetória mais eficaz e rápida para aumentar as desigualdades sociais, como ocorre atualmente no Brasil.
A questão ideológica se coloca em torno das controvérsias sobre os limites da intervenção do Estado na economia. Se doutrinariamente, as autoridades econômicas acreditam que as forças de mercado desacorrentadas das regulamentações burocráticas e da presença leviatânica do Estado na formação de preços de produtos e de fatores de produção são o melhor regime para a economia brasileira, as soluções dos problemas de estrutura (desigualdades sociais e regionais de desenvolvimento, modernização da estrutura industrial do país, preservação, conservação e reabilitação dos ecossistemas, etc) ficariam condicionadas pelas soluções dos problemas de conjuntura (rigoroso ajuste fiscal e financeiro).
Essa distinção, contudo, tem sido superada pelas experiências históricas as quais mostram que um ajuste ou austeridade fiscal desacompanhado de políticas de desenvolvimento sustentável e implementadas num contexto de subdesenvolvimento político, tem vida curta por causa da avalanche de demandas fisiológicas sobre os recursos públicos e pela insatisfação dos movimentos sociais com a degradação dos indicadores econômicos e socioambientais.
Assim, enquanto prevalecer no país uma concentração de recursos humanos, institucionais e financeiros na busca da eficiência das políticas econômicas de curto prazo sem articulá-las com as políticas de desenvolvimento de médio e de longo prazo, não haverá espaço institucional e administrativo para se conceber e, principalmente, implementar políticas de desenvolvimento humano que tenham como escopo mitigar os impactos ecológicos, econômicos e sociais de uma sociedade que carrega em sua trajetória histórica as marcas das desigualdades sociais, do uso predatório dos recursos naturais e das práticas de extração do patrimônio público.
Enquanto isso, as políticas econômicas continuarão encurtando os seus objetivos e escopo; a população continuará desalentada com suas condições de vida; e o nosso garçom continuará cada vez mais feliz com o seu discurso preciso sobre a conjuntura econômica.

FUTURO SOMBRIO



  

Márcio Doti



Quem disser que sabe para onde estamos indo deve ser visto com muita reserva porque é maluco ou exageradamente pretensioso. Têm chegado algumas mensagens provocando o assunto e mais que isto, gente aflita querendo saber onde vamos parar. Não há quem saiba. Ainda agora, o Ministro Levy passou belo aperto porque havia acabado de proferir palestra na Fundação Getúlio Vargas, defendendo a implantação do imposto do cheque e demonstrando muita confiança nos resultados da economia no próximo ano. Nessa quarta, o FMI liberou relatório em que eleva para 3% a projeção de queda de nossa economia até o final do ano, o que é o dobro de sua própria previsão anterior, adiantando também que sua expectativa para 2016 é de no mínimo 1% negativo. Vem, em seguida, a Agência de Riscos Moody’s e anuncia seus temores de uma economia muito negativa até 2018, atribuindo tudo aos escândalos levantados pela Operação Lava Jato, pelo quadro político complicado e de difícil entendimento quanto a encaminhamentos e resultados.
O que dificulta a compreensão do cenário e a construção de projeções da nossa realidade futura é justamente a conjunção de fatores. A política vive momentos singulares e difíceis em que se juntam acusações graves contra o governo. A presidente Dilma enfrenta agora uma investigação minuciosa de seus atos em relação à eleição do ano passado e também está às voltas com o julgamento das pedaladas que será feito pelo Tribunal de Contas da União. Além de tudo isto, não se pode esquecer que mesmo fragmentada em alguns aspectos, a Operação Lava Jato segue em frente assim como a Operação Acrônimo, ambas às voltas com os milionários desvios de dinheiro da Petrobrás ou em torno dela e os financiamentos do BNDES a empreiteiras brasileiras para executar obras no exterior, havendo até suspeita de envolvimento do ex-presidente Lula na prática de lobby em favor das construtoras brasileiras.
Isso bastaria, mas ainda é preciso acrescentar a proximidade das eleições do ano que vem e daí, uma inevitável busca de recursos por parte de parlamentares que são candidatos ou se envolvem nas disputas para sedimentar o terreno em que vão se processar em seguida as suas próprias eleições estaduais e federais. Em função disso, não vamos esquecer que o governo da presidente Dilma se encontra entre dois fogos de uma mesma guerra, a guerra contra a inflação e os descontroles da economia. De um lado estão os que defendem a austeridade pregada e perseguida pelo ministro Levy que ainda de sobra defende a implantação do imposto do cheque, rejeitada com grande ênfase pela população brasileira que cobra do governo ações de enxugamento para reduzir os gastos e evitar o déficit público. Do outro lado estão os economistas do PT e a ala do partido que ainda acredita na prática demagógica do paternalismo, ainda que tais práticas do passado recente tenham sido responsáveis pelos graves descontroles da economia. É impossível
repetir a política de favores porque se já estamos às voltas com inflação teimosa, desaquecimento e carestia, pior ainda se seguirmos nessa direção.
Saber exatamente ou de modo abrangente o que acontecerá com o Brasil dos próximos 3 anos é algo impossível. Uma coisa está clara: será um tempo de sacrifícios e dificuldades que podem potencializar eleições e resultados. A única verdade há muito repetida aos quatro cantos é que quanto mais o brasileiro abre os olhos, quanto mais abre sua boca e faz valer a sua presença, mais perto estaremos de um desfecho que ponha de fato em primeiro plano o interesse público até aqui espezinhado, ignorado, desrespeitado por conta de ser fácil enganar com demagogias, mentiras e encenações.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

TEMERIDADE



  

Eduardo Costa




Aqueles que têm um pouco de informação ficam assustados com algumas coisas que ouvem no dia a dia. Uma delas é a velha frase de que “quem se preocupa com alta do dólar é rico, porque pobre não viaja para o exterior, não sofre qualquer alteração na vida”. Como se muitos dos produtos e serviços essenciais na vida dos mais humildes, como o pãozinho e a passagem de ônibus, não tivessem influência direta da oscilação do câmbio e, ao contrário, se rico, de fato, deixasse de ir jogar tênis em Miami porque o dólar passou dos R$ 4.
Outra coisa que ouço com frequência incômoda é o grito dos que não estão “nem aí” para a política, orgulhosos de que não lixam para voto, não se lembram em quem votaram e etc e tal. Como pode essa gente não perceber que todas as nossas mazelas estão intrinsecamente ligadas ao voto, ao ato de escolher os que vão nos governar?
Estamos vivendo um tempo em que os nossos representantes, nos três níveis de governo, cuidam dos próprios projetos políticos, abafam crises como se fossem focos de incêndio e torcem para que o tempo passe logo, venham novas eleições e outros que resolvam os problemas mais sérios.
É só dar uma reparada: a dengue tem números de epidemia, a renda cai, emprego foge e nossas casas legislativas jogam conversa fora...
Quando não estão votando aumento de impostos. Ontem, mais uma tentativa de apreciar vetos importantes no Congresso Nacional foi por água abaixo numa manobra da oposição.
A mesma que é liderada por Eduardo Cunha, o homem da conta de 5 milhões de dólares na Suíça, escorado no baixo clero da Câmara e em expoentes de tristes histórias como o Paulinho da Força Sindical, o investigado Agripino Maia e tantos outros. Do lado do governo, Dilma faz um esforço danado para fingir que tem o comando, que é ouvida e que vai dar tudo certo.
A gente não tem rumo, não tem plano, não tem por que acreditar... E não é só no plano federal. Ontem, anunciaram em Belo Horizonte que o vagão do “outubro rosa” que passaria a circular com mensagens educativas no combate ao câncer de mama, com cerimônia e tudo mais, estava “em manutenção preventiva”. O nosso trem metropolitano é um retrato acabado de um tempo sem governo: há décadas, todo mundo fala no nosso “metrô’, promete recursos, faz cerimônia, troca governo, mas, na hora da verdade, nem consegue fingir que funciona.
Se o vagão está assim, e a PM? E a Polícia Civil? E os Bombeiros? Assunto prá depois.

EMPRESAS DO GOVERNO NUNCA DÃO LUCRO



  

Márcio Doti




A Petrobras contratou escritórios internacionais de advocacia para cuidar dos casos surgidos a partir da Operação “Lava Jato” e os tenebrosos prejuízos causados aos cofres da empresa e aos bolsos de todos nós. Sem licitação nenhuma porque, segundo a empresa, as contratações se enquadram nos casos de especialização. As operações vão custar R$200 milhões. A Petrobras está também fazendo mágica formidável ao alugar prédio de 22 andares em Salvador, da Petros, que é o fundo de aposentadoria de seus empregados e, apesar disso, vai continuar pagando aluguéis em diversos prédios que mantém com seus escritórios e que se esperava serem dispensados agora, com o novo espaço alugado da Petros. O fundo de pensão, por sua vez, está construindo esse prédio com OAS e Odebrecht. Mas, voltando aos contratos de investigação, eles vão cuidar do levantamento dos prejuízos, dos impactos no mercado norte-americano e das formas de minimizar os danos.
Ou seja, além dos bilhões de prejuízos causados, seja com aquela desastrada compra e igual venda da refinaria de Pasadena e dos milhões que ficaram ao longo do caminho ou foram parar lá na Suíça, conforme levantamentos da Operação “Lava Jato”, ainda temos que pagar essas duas centenas de milhões de reais, sabe-se lá para que! Isto mesmo: sabe-se lá para que, pois a empresa está se negando a informar detalhes dos contratos e das operações alegando que pode haver prejuízo para as investigações. Não sei se seria o caso de apelar para o Supremo como fez o Tribunal de Contas da União naquela situação em que o BNDES não queria revelar detalhes dos financiamentos alegando a necessidade de preservar as empresas financiadas. Depois que o Supremo mandou abrir os processos ficou fácil descobrir o que de fato se queria preservar: aqueles fantásticos financiamentos a empreiteiras para tocar obras em países amigos, muito amigos.
Agora é a Petrobras que pretende preservar as investigações e para isto se nega a dar detalhes de transações desse vulto. Mas só num país chamado Brasil é que uma empresa pública se acha no direito de contratar escritórios por R$ 200 milhões sem fazer licitação e sem prestar contas bem no claro para seus acionistas que somos todos nós. Nem empresas particulares de grande porte conseguem dispender tanto dinheiro sem explicar ao menos ao seu Conselho de Administração.
E, provavelmente, vai ficar por isto mesmo, nem vamos entender direito essa estória complicada e estranha do aluguel de prédio de 22 andares da Petros para beneficiar o fundo dos funcionários e nem vamos saber com todas as letras a que estão vindo esses escritórios de advocacia, por que custam esse preço e com que direito se pode gastar tanto sem prestar satisfação a ninguém. É por esses caminhos e atos que se imagina termos chegado a prejuízos tão elevados. Muita liberdade, a gente sabe, termina virando libertinagem.

AS ARMADILHAS DA INTERNET E OS FOTÓGRAFOS NÃO NOS DEIXAM TRABALHAR

  Brasil e Mundo ...