Discurso usado a favor de
Collor há 23 anos é similar ao que defende Dilma
Reinaldo Polito
O ex-deputado Roberto Jefferson foi internado na semana passada com
febre alta. A notícia da sua internação dividiu espaço na grande mídia com
informações sobre a possibilidade, remota ou não, de impeachment da presidente
Dilma Rousseff. O que tem a ver um fato com o outro?
Vamos começar pela última. Entre as possibilidades de impeachment da
presidente estão as pedaladas fiscais. Se o TCU (Tribunal de Contas da União)
rejeitar as contas do seu governo em 2014, terá decidido que Dilma não cumpriu
a Lei de Responsabilidade Fiscal, e aberto caminho para o seu impedimento.
Se a presidente não convencer o TCU de sua inocência, o processo irá
para o julgamento dos deputados, que, se seguirem a decisão do Tribunal, terão
motivo para abrir o processo de impeachment. Se pelo menos 342 dos 513 votarem
a favor do processo, Dilma será substituída pelo vice-presidente, Michel Temer.
Se, em seguida, pelo menos 54 dos 81 senadores chegarem à mesma conclusão, seu
afastamento será definitivo.
Ou seja, nessa hipótese, onde o julgamento é político, Dilma estará nas
mãos dos deputados e senadores. Se não tiver maioria, será afastada e
substituída pelo seu vice num primeiro momento, e destituída definitivamente
após o julgamento no senado. Portanto, depois de todas as etapas do processo só
sobreviverá no cargo se a maioria dos políticos estiver ao seu lado.
Onde entra a coincidência da notícia que fala da internação de Roberto
Jefferson e da que trata do impeachment de Dilma? O fato remonta há 23 anos,
quando, em 1992, o Brasil assistiu à destituição de Fernando Collor de Mello.
Naquela oportunidade, Roberto Jefferson atuou na defesa do então presidente.
Em seu discurso de defesa, Roberto Jefferson fez uma profecia que pode se concretizar. Embora se referisse na época aos resultados de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) – a CPI do PC (iniciais de Paulo César Farias, tesoureiro da campanha de Collor), chamava atenção para o fato de que um presidente estaria sempre sujeito à vontade da maioria dos políticos, estando ou não com a razão.
Em seu discurso de defesa, Roberto Jefferson fez uma profecia que pode se concretizar. Embora se referisse na época aos resultados de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) – a CPI do PC (iniciais de Paulo César Farias, tesoureiro da campanha de Collor), chamava atenção para o fato de que um presidente estaria sempre sujeito à vontade da maioria dos políticos, estando ou não com a razão.
Hoje, não se trata de uma CPI, mas sim de um julgamento com origem no
TCU. Nos dois casos, entretanto, a permanência ou não do presidente depende da
vontade da maioria dos políticos. A fala de Jefferson é uma peça de defesa que
serve para o estudo da oratória e compreensão das técnicas de argumentação.
Observe os argumentos utilizados por Jefferson e como alguns, com
pequenas variações, também são usados hoje na defesa de Dilma: "Fazer (a
oposição) o terceiro turno eleitoral". Punir "a vitória pela minoria
derrotada". Rasgar "os dispositivos constitucionais".
Transformar "a CPI do PC (leia-se Lava Jato) no açoite contra o
presidente". "Rasgar a Constituição". Agir pelos
"preconceitos ideológicos".
São apenas alguns dos argumentos usados na tentativa de evitar o
impeachment de Collor, e que começam a ser ressuscitados hoje com a intenção de
fazer a defesa da presidente.
Para sua análise e compreensão da profecia de Jefferson, aqui está um
dos trechos mais importantes do seu discurso:
"O furor acusatório da CPI, na expectativa de fazer o terceiro
turno eleitoral, cheia de ressentimentos, cheia de revanchismo, buscando punir
a vitória pela minoria derrotada, rasgou os dispositivos constitucionais,
desrespeitou a lei ordinária, transformou a CPI do PC no açoite contra a figura
do presidente da República.
Não se enganem aqueles que essa demonstração que foi dada hoje, que esse
ato praticado de rasgar a Constituição, vai atalhar também quem chegar à
Presidência e não trouxer a maioria absoluta no Congresso, porque não terá
condições de governar, porque outras CPIs como esta estarão no seu caminho, não
para apurar irregularidades, mas pelos preconceitos ideológicos, pelas posições
doutrinárias em contrário".
Independentemente da culpa ou não do ex-presidente Collor, essa linha de
argumentação usada por Roberto Jefferson impressiona (será?) pela previsão da
nossa realidade política atual. Incrível como a história se repete com uma ou
outra alteração, com um ou outro personagem, com uma ou outra circunstância.
Os discursos proferidos em diferentes épocas, além do aprendizado
técnico da oratória que proporcionam, especialmente na aplicação das técnicas
retóricas, poderão servir também para que compreendamos melhor o presente, e
possamos avaliar com entendimento mais consciente o que teremos pela frente.




