Entenda truques de retórica
que políticos suspeitos usam para negar crimes
Reinaldo Polito
Com a delação premiada, a cada dia, nos últimos tempos, políticos e
empresários têm a difícil e nem sempre bem-sucedida tarefa de se
defender. Um conhecido advogado me confidenciou em uma das aulas de
oratória que ministrei a ele: "Polito, nunca vi nada igual na minha vida.
Quando você pensa que o cliente já contou tudo o que sabia, aparece um delator
com novidades".
Como os acusados, de maneira geral, são bons de oratória, quase sempre
orientados por advogados, são eles próprios que se posicionam nas tribunas, ou
vão para frente das câmeras e enfrentam os microfones. Usam a eloquência e
demonstram indignação na tentativa de refutar as acusações de que foram vítimas,
procurando provar sua inocência.
Como veremos esses episódios com frequência cada vez maior, observe
quais as táticas mais comuns usadas pelos acusados e tente avaliar, sem
prejulgamentos, se estão dizendo ou não a verdade. Não nos esqueçamos ainda de
que, por trás das acusações, pode haver também interesses políticos
inconfessáveis.
Cabe aqui uma reflexão. Embora todos nós queiramos que bandidos e
malfeitores travestidos de representantes do povo fiquem trancafiados atrás das
grades, temos de tomar cuidado com as injustiças. Alguns querem aproveitar a
onda para enfraquecer adversários e se beneficiar. É bom ter prudência. Em
época de caça às bruxas, o risco de excessos pode incluir inocentes no pacote
dos condenados.
O susto inicial
Assim que são acusados, a primeira reação é a de se mostrarem surpresos,
incrédulos, como se não entendessem os motivos que levaram alguém a contar
todas aquelas mentiras. Essa seria a atitude de uma pessoa inocente. Portanto,
tendo culpa ou não, a reação será sempre a mesma. Alguns vociferam, outros
demonstram tranquilidade, mas o objetivo é o mesmo – passar a imagem de
inocente.
Baixada a adrenalina
Superado o primeiro momento, quase sempre, o acusado procura
desqualificar quem o acusou. Seja alguém com culpa comprovada, atuando como
delator. Seja um adversário político, um órgão de imprensa. Seja uma autoridade
responsável pelo caso, um juiz, um delegado, um promotor.
Como o acusador nem sempre é muito conhecido, a intenção do acusado é
mostrar que ele não tem reputação, autoridade moral, competência,
imparcialidade, ou passado ilibado. Portanto, não tem credibilidade, e suas
palavras não devem ser consideradas.
O momento do contra-ataque
Se os fatos forem contundentes, o próximo passo dos acusados é mostrar
que são perseguidos por interesses políticos. Afirmam que suas ações contrariam
posições adversárias, e por isso seus desafetos se valem de mentiras para
atacá-los. Geralmente o nome dos algozes não é citado. Quanto menos
identificado for o suposto grupo que o atacou, menores serão as chances de que
sejam contestados.
As estratégias legais
Para as táticas objetivas de defesa, algumas linhas são bastante
conhecidas. Se as acusações não puderem ser provadas com fatos concretos
(lembrando que corruptos quase nunca deixam rastros evidentes de seus crimes) e
se basearem em hipóteses, a defesa é feita pela simples negação.
Ora, quando não há como provar, basta negar que o crime tenha existido,
ou, pelo menos, cometido por ele. Alguns condenados no caso do mensalão, por
exemplo, só foram presos porque os juízes entenderam que houve o "domínio
do fato". Mesmo não encontrando "recibo de culpa assinado", o
crime não poderia ter ocorrido sem o conhecimento e a participação do acusado.
Quando, entretanto, a tese contrária se sustenta em documentos, a defesa
é feita com a alegação de que as provas foram extraídas de maneira ilegal, que
foram adulteradas, rasuradas, o que coloca por terra sua autenticidade. Recurso
usado pelos advogados do dono da Odebrecht, que alegam ter sido um bilhete conseguido
pela polícia de forma ilegal.
No caso de um documento ter sido produzido por alguém que não pode
confirmar se ele é ou não autêntico, por morte, por exemplo, a defesa pode
alegar que o estilo do texto é diverso, ou possui diferenças gritantes do usado
normalmente pelo suposto autor.
Sendo a acusação feita por semelhanças, a defesa pode argumentar que há
impropriedade nas comparações. Por exemplo, alega que os fatos associados com a
situação de outros países não podem ser comparados com uma realidade tão
diferente como a nossa. Já que possuímos cultura, história, situação econômica
e social muito distinta.
Da mesma maneira, os exemplos históricos também são rejeitados, pelo
fato de terem ocorrido em outra época e dentro de uma realidade muito diferente
da que vivemos hoje. Ainda com relação aos fatos históricos, havendo alguma
dúvida quanto à sua veracidade, a defesa simplesmente os considera falsos ou
tendo caráter duvidoso.
Seremos observadores
Essas são algumas estratégias utilizadas pelos acusados na tentativa de
se livrarem das penas que lhes seriam impostas. Como é possível avaliar, até
que alguns desses criminosos sejam privados da liberdade, assistiremos a muitas
marchas, contramarchas, provas, argumentos, refutações, e discursos indignados
e eloquentes.
Assim, além das decisões judiciais, como os motivos e os detalhes serão
divulgados durante todos os processos, nós também poderemos fazer o nosso próprio
julgamento. Que seja feita a justiça.
SUPERDICAS DA SEMANA
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- Se os argumentos
contrários se basearem apenas em hipóteses, basta negar
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- Se os argumentos
se valerem de documentos, mostre que não são autênticos
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- Se a acusação
for por testemunhos, a melhor defesa é a desqualificação
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- Pessoas
inocentes se mostram indignadas com as acusações que recebem
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Surpreso com as revelações da Lava Jato? Veja
outros casos de corrupção no país
BANESTADO -- O QUE
FOI: Investigações localizaram cerca de US$ 30 bilhões em 137 contas do
Banestado operadas por doleiros em um esquema de evasão fiscal na gestão de
Gustavo Franco à frente do Banco Central. QUANDO: 1996 a 1999. DETALHES DO
CASO: O dinheiro saiu do país por meio de offshores --empresas montadas em
paraísos fiscais-- nas contas CC5, com depósitos valores inferiores a R$ 10 mil
sem identificar o depositante. Celso Pitta (foto), ex-prefeito de São Paulo,
foi um dos indiciados. QUE FIM LEVOU? A CPI foi encerrada sem que fosse votado
o relatório final do deputado José Mentor, que sugeriu o indiciamento de 91
pessoas. O doleiro Alberto Youssef pegou dois anos de prisão por corrupção
ativa --na ocasião ele fez sua primeira delação premiada para redução de pena.


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