Antes pelo contrário
Manoel Hygino
Crer ou não crer,
eis a questão. Com a curta frase, reportamo-nos, sem qualquer vênia ou
autorização, à famosa dúvida suscitada por Shakespeare em seu sempre lembrado e
respeitável “Hamlet”. Incontestavelmente, cruéis as indagações que perpassavam
pela cabeça do príncipe, protagonista da tragédia, em que o herdeiro do trono
dinamarquês procura desvendar o mistério do assassinato do pai, nas lonjuras do
frio castelo de Elsinore. No último ato, muitos personagens já morreram e
poucos sobraram para contar a história.
No Brasil de agora,
a decisão do Supremo Tribunal Federal, proibindo o encarceramento de réus após
condenação em segunda instância, ateou farta lenha à fogueira extemporânea,
pois não é mais o mês das tradicionais comemorações. No conturbado período que
ora se atravessa, constata-se o desagrado de ponderáveis parcelas da sociedade
por determinadas decisões judiciais, embora evidentemente não se negue também
que elas resultam de posições ideológicas, políticas ou mesmo pessoais. Depois
de longas esperas e de extensos votos, tudo fica como antes. Nem sim, nem não;
antes pelo contrário.
O ambiente, que já
não é dos melhores quanto ao conceito que se faz da mais alta corte de Justiça
do país, com ênfase a alguns de seus integrantes, acirrou ânimos e aqueceu
interesses. Chegou-se à manifestação de grupos que saíram à via pública para
protestar e acusar, suscitando suspeitas sobre a conduta de alguns ministros,
cujos nomes apareceram amplamente nos meios de comunicação. Algo especialmente
triste num país em que se recebiam as manifestações do Tribunal com respeito
quase religioso e em que se tornou popular a lição de que sentenças são para
serem cumpridas, e não discutidas.
No Congresso
Nacional dos Advogados Públicos Federais, Conafe, há pouco realizado em
Salvador, pôde-se verificar como se encontram divididas as opiniões sobre temas
que tão intimamente tangem ao interesse nacional. Entre elas o cumprimento de
prisão após segunda instância, uma polêmica que não terá fim tão cedo por
sobejas razões.
Carlos Mário da
Silva Veloso, ex-presidente do STJ, magistrado conspícuo, foi muito peremptório
em sua posição no conclave da capital baiana: “o pano de fundo desse teatro do
absurdo é a presunção de inocência interpretada isoladamente e de forma
absoluta”.
Veloso citou casos
diversos, inclusive de crimes contra a vida, para defender a prisão após
condenação em segunda instância. E, mesmo sem pretender dar lição, o fez: “a
grande função política do STF é de realmente pensar nas consequências que as
decisões trazem para a nacionalidade. A vítima, a sociedade, deve ser
protegida”.
No caso específico
da Lava-Jato se expressou com clareza: “não fora a sua coragem, nós não
teríamos sucesso em combater o conúbio adúltero entre poder econômico
corrompido e poder político corrompido, ambos corruptores. Pela primeira vez,
nós vimos os mais importantes representantes do poder público presos
confessando delações e construiu-se um edifício probatório com base em tudo
isso”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário