PEC das emendas parlamentares tira fiscalização das mãos do TCU
Daniel Weterman, Felipe Frazão, Luci
Ribeiro e Paula Reverbel
©
Dida Sampaio/Estadão Ao lado do deputado Rodrigo Maia, o senador Davi
Alcolumbre apoia a medida
BRASÍLIA - O Congresso se movimenta para aprovar e
promulgar, tudo nesta semana, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para
permitir que deputados e senadores negociem livremente com prefeitos e
governadores o destino de emendas parlamentares individuais – sem vinculação
com programas do governo federal, como é hoje. A ideia é permitir que as
prefeituras tenham um dinheiro extra para usar onde quiserem antes das eleições
municipais de outubro do ano que vem.
A proposta retira de órgãos federais a fiscalização
desses recursos, o que daria margem a questionamentos jurídicos. Um dos
atingidos será o Tribunal de Contas da União (TCU), que tem a prerrogativa de
fiscalização do recurso federal, tarefa que passará a ser feita por órgãos de
monitoramento locais. A medida foi criticada por procuradores da República, que
dizem que ela enfraquece não apenas o combate à corrupção, mas também a “boa
governança de recursos públicos” (mais informações nesta página).
Apresentada em 2015 pela então senadora Gleisi
Hoffmann (PT-PR), hoje deputada federal, a PEC foi resgatada no Senado por Davi
Alcolumbre (DEM-AP). O projeto tira o poder de manobra do Palácio do Planalto e
dos ministérios na destinação dos recursos, mas, ao mesmo tempo, agiliza verbas
aos municípios – promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro. Com isso,
Bolsonaro pavimenta sua relação com prefeitos e parlamentares que exercem
liderança regional.
A PEC foi aprovada na Câmara com 391 votos
favoráveis e só 6 contrários na terça-feira. Contou ainda com o apoio da
liderança do governo, que orientou o voto favorável à proposta. Ela deve passar
pelo Senado amanhã, em dois turnos de votação, e já seguir para promulgação –
diferentemente de projetos de lei e medidas provisórias, PECs não dependem de
sanção presidencial.
Congresso já dá como
certa a nova regra
Certo da viabilidade da estratégia e mesmo antes da
aprovação da proposta, o Congresso reabriu na sexta-feira o prazo para parlamentares
indicarem emendas ao Orçamento do ano que vem, já considerando a adoção das
novas regras. Assim, deputados e senadores poderão alterar a indicação da
emenda de uma obra específica, por exemplo, e deixar o dinheiro livre para os
prefeitos.
Isso porque, pela proposta, prefeitos e
governadores poderão escolher para onde vai o dinheiro. O texto assegura a
transferência direta, a Estados e municípios, de 60% das emendas individuais,
num total de R$ 5,7 bilhões, ainda no primeiro semestre do próximo ano.
Ao aprovar a PEC, a Câmara ignorou parecer técnico
da Casa. A Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara avaliou
que a medida poderia fragilizar o orçamento e desviar recursos das prioridades
definidas pelo governo federal e aprovadas no Congresso. “Sem a especificação
de despesas, afasta-se dos contribuintes e do público em geral o conhecimento
da atividade e da política financeira aprovada pelo governo federal”, afirmava
o parecer.
Quanto à reabertura do prazo para a indicação de
emendas dentro das novas futuras regras, a assessoria da Comissão Mista de
Orçamento (CMO) informou que essas emendas na nova modalidade serão analisadas
pelo Comitê de Admissibilidade de Emendas, vinculado ao Congresso, só após a
promulgação do texto e alegou que foi necessário reabrir o sistema antes disso
para viabilizar a transferência dos recursos em 2020.
Fiscalização passará
para tribunais de contas e promotores locais
A PEC havia sido resgatada pelo Senado neste ano. Em
abril, os senadores aprovaram o texto. Como a Câmara alterou o conteúdo, a PEC
retornará agora para análise do Senado. Parlamentares justificam a proposta com
a necessidade de destravar recursos para a “ponta”, onde está o eleitorado,
especialmente nos municípios.
Cada congressista tem direito a destinar R$ 15,9
milhões em emendas individuais por ano. O valor total dessas emendas será de
quase R$ 10 bilhões em 2020. A Constituição manda que metade do montante seja
aplicada em saúde. Na outra metade, os parlamentares escolherão se destinam os
recursos na nova modalidade, chamada de “transferência especial”, ou na antiga,
a “com finalidade definida”.
Na transferência livre, o dinheiro não será mais
fiscalizado pelo TCU, e o controle caberá a tribunais de contas e promotores
locais. A proposta provocou reação de auditores do tribunal. Nota da Associação
da Auditoria de Controle Externo do TCU encaminhada a senadores diz que a
pulverização da fiscalização dificulta o diagnóstico de fraudes sistêmicas na
aplicação de recursos federais. “A proposta representa inaceitável retrocesso
em relação aos avanços conquistados com a promulgação da Constituição de 1988,
cujo resultado pode ser o aumento da percepção de impunidade.”
Mas, para o presidente da comissão especial da
Câmara que analisou a proposta, Eduardo Bismarck (PDT-CE), a fiscalização por
tribunais de contas e promotores locais vai ter mais eficiência. “Quem perde
poder normalmente grita. Na hora em que eu levo a fiscalização para a ponta,
ela é muito mais atuante”, afirmou. “A emenda serve para mostrar que o
parlamentar conseguiu aquele recurso no momento adequado junto à população. O
parlamentar precisa de visibilidade, mandar o dinheiro para determinada coisa e
aquela coisa acontecer.”
'É estímulo para
fazer coisa errada', diz presidente do TCU
O presidente do TCU, ministro José Múcio Monteiro,
afirmou ontem ao Estado que está preocupado com a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) que retira do tribunal e de outros órgãos federais a
fiscalização do uso de verbas da União repassadas a Estados e municípios que
deve ser apreciada pelo Senado.
Múcio disse que tirar o TCU desse processo de
averiguação do uso das emendas com recursos federais “é um estímulo para quem
quer fazer a coisa errada”.
“Fico preocupado com essa mudança”, afirmou.
“Imagine se a pessoa tiver a certeza de que não vai ser fiscalizada? É um
estímulo para quem fazer a coisa errada”, destacou o ministro.
Múcio também ressaltou que “hoje já não é fácil
fiscalizar as emendas carimbadas, imagine essas outras”. Apesar do receio, o
presidente do TCU disse acreditar em um debate amplo sobre o tema e que isso
não deve passar fácil no Congresso. “Eu acredito que isso ainda vai ter muita
discussão. Tem que ser muito bem pensado. Afinal, é uma mudança radical tirar o
controle do dinheiro público.”
Para procuradores,
nova proposta enfraquece controles
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que
retira de órgãos federais o controle sobre o uso de dinheiro repassado por
deputados e senadores a Estados e municípios – e que está em vias de ser
promulgada pelo Congresso nesta semana – enfraquece a boa governança de
recursos públicos, segundo autoridades ouvidas pelo Estado.
“O dinheiro das emendas parlamentares é uma verba
de origem federal e sempre teve fiscalização federal”, disse o presidente da
Associação Nacional dos Procuradores da República, Fábio George Cruz da
Nóbrega. Uma mudança, segundo ele, estaria subvertendo essa lógica. “(A PEC)
retira a competência e a expertise construída pelos órgãos federais na
fiscalização desses recursos – e aí eu coloco TCU, CGU (Controladoria- Geral da
União), Polícia Federal e Ministério Público Federal.”
© Dida Sampaio/Estadao -19/4/2019 Para o procurador
Vladimir Aras, obras podem ficar mal feitas
Para Vladimir Aras, procurador regional da
República em Brasília, a proposta que tramita no Congresso tem o potencial de
enfraquecer “o sistema de controle externo do dispêndio e aplicação de verbas
públicas originalmente federais”.
Depois de examinar o texto aprovado pela Câmara,
Aras fez duas objeções ao projeto. “A Caixa Econômica Federal deixaria de atuar
no enquadramento e na fiscalização dos projetos, que não teriam finalidade
específica nos Estados e municípios”, afirmou ao Estado.
O procurador apontou que a transferência de
recursos como doação, sem vinculação a projetos, “acaba aumentando o risco de
mau emprego, desperdício e até mesmo de desvio”. Ele disse ainda que os
Tribunais de Contas locais “têm problemas de composição e não funcionam adequadamente
em grande parte dos Estados”.
Na visão do procurador, embora as cidades precisem
receber dinheiro de modo não burocrático, o sistema de doação direta pode
comprometer o resultado. “Ou seja, obras e projetos importantes mal feitos ou
desvirtuados”, argumentou.
Além de ter participado das investigações
transnacionais da Operação Lava Jato, Aras foi o candidato à chefia do
Ministério Público que contou com apoio reservado dos procuradores das
forças-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Rio e São Paulo.
Pela regra atual, só
verbas vindas de repartição de impostos têm fiscalização local
De acordo com Nóbrega, quando o assunto é desvio de
recursos públicos, duas súmulas do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
determinam o que é competência da Justiça Federal e o que fica aos cuidados das
justiças dos Estados.
Atualmente, verbas de origem federal que são
enviadas a Estados e municípios mediante convênios e contratos de repasse –
caso das emendas – seguem sujeitos à fiscalização federal.
Cabe às autoridades locais fazer o acompanhamento
nos casos em que o dinheiro é repassado a cidades e Estados por força de
repartição de impostos, como no caso dos Fundos de Participação dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios.
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