‘Não vou impor uma solução e destruir a reforma’, diz relator
Idiana Tomazelli e Adriana Fernandes
©
Marcelo Camargo/Agência Brasil ‘O relatório está consistente e abrange bem as
expectativas’, defende Moreira.
A nova versão da reforma da
Previdência reúne a visão de uma grande maioria no Congresso Nacional
sobre o que é possível ser aprovado, diz ao Estadão/Broadcast o relator
da proposta, deputado Samuel Moreira
(PSDB-SP). Ele conta ter abdicado inclusive de convicções próprias em favor da
construção de um texto com apoio suficiente das lideranças. “Se existe uma
barreira entre o possível e o impossível, eu fui até o limite”, afirma. “Não
vou impor uma solução e destruir a reforma”, avisa.
O relator concedeu entrevista antes das declarações
do ministro da Economia, Paulo Guedes, criticando o parecer. Procurado
novamente após a repercussão da fala do ministro, ele não quis comentar. À
noite, no Twitter, Moreira afirmou que seu papel é "construir consensos,
não alimentar intrigas".
O que ainda pode
gerar resistência?
O relatório representa um conjunto de uma grande
maioria. O que dá peso para o relatório é que eu conversei muito com os líderes
e deputados que formam a maioria, que são os deputados de centro e de direita.
Alguns pontos acabam atendendo ao conjunto todo da Câmara. A articulação do
governo é muito pequena. É uma construção para manter a aprovação de uma
reforma. O relatório mantém a estrutura central, a idade mínima.
Alguns pontos foram
criticados.
Tem dois princípios que eu procurei
manter desde o início, meta fiscal robusta e justiça social. Eu posso garantir
que preservei totalmente a população de baixa renda. Tem um artigo na
Constituição que diz o que é baixa renda. É exatamente o valor que eu coloquei
no relatório (para o abono salarial, de R$ 1.364,43).
Críticos viram forte
aceno para a camada privilegiada com a nova transição para os servidor.
Eu mantive a regra para todos.
Procurei preservar aqueles do INSS que estavam a dois anos e meio (da
aposentadoria), fora do processo de regra de pedágio. Tem um ganho com
isso. Eu não tirei nenhuma regra. Eu coloquei uma regra e procurei fazer
justiça social. Quero que a proposta passe. Que ela mantenha um equilíbrio do
ponto de vista fiscal, para dar uma consistência melhor ao sistema de
Previdência. Isso que eu procurei buscar.
A taxação dos bancos
é uma bandeira contra os privilégios?
Eu não construí nada contra ninguém.
Achei que algumas partes podem contribuir um pouco mais. Busquei uma meta de R$
1 trilhão. Eu não criei uma novidade para os bancos. A taxação já existia até
2018 (em 2019 a alíquota caiu de 20% para 15%). Retomei porque percebo
que os bancos podem contribuir mais. Eles aumentaram os seus ganhos. Sinto que
nesse momento eles podem contribuir. Tudo isso acreditando que o equilíbrio nas
contas cria um ambiente melhor e as coisas vão melhorar, inclusive, para eles.
Qual será a
estratégia daqui para frente?
Eu vou defender o relatório. Ele está consistente e
abrange bem as expectativas. Todo mundo acha que tem que fazer, mas cada um tem
a sua reforma. Eu abri mão de várias convicções minhas.
Quais?
Abri mão da capitalização (modelo
em que as contribuições vão para uma conta, que banca os benefícios no futuro),
que eu era a favor com alterações no texto. Eu achava que tinha que incluir a
contribuição patronal, que tinha que ter garantia de salário mínimo, mas eu
queria autorizar o sistema de capitalização. Eu tenho filhos novos que gostaria
que entrassem no sistema individual, que poderia criar um sistema de educação
previdenciária importante, que não temos. Mas eu tenho que expressar o conjunto
das forças do Parlamento, que, nitidamente, não eram só os deputados da
esquerda. Há muita divisão no centro sobre essa matéria. Outra coisa que eu
abri mão foi de Estados e municípios. Quanta gente do centro estava contra...
Estados e municípios
podem entrar na reforma ainda na comissão especial?
Depende dos líderes. Não vou impor uma solução e
destruir uma reforma da Previdência por conta das minhas convicções. As pessoas
não vivem a Câmara, essa pulverização partidária que existe. Construir
entendimentos é conversar e procurar construir a maioria, de maneira
republicana.
Como construir a
volta dos Estados e municípios?
O líder de todo esse processo, que tem sido o
grande interlocutor dessa negociação, é o Rodrigo Maia. Ele está conversando. O
que há é um desejo de que todos os governadores venham para o processo. À
medida que alguns não vêm, cria-se um ambiente de divisão na classe política.
Mas os governadores
da oposição vão vir para a reforma?
Eles podem vir agora porque os pleitos
que eles fizeram foram atendidos. Vamos ver quais são as pretensões reais do PT
e da esquerda. Eles dizem que precisa de uma reforma. Eu vi uma entrevista do
Jaques Wagner (senador do PT e ex-governador da Bahia). Ele falou (contrário)
da capitalização, do BPC, aposentadoria rural e desconstitucionalização. A
agenda dos governadores que não estão apoiando a reforma foram atendidas. Não
que tenham sido atendidas porque eles pediriam, mas porque coincidiram com as
reivindicações dos líderes aqui da Casa. As condições estão todas criadas. Todo
esforço está sendo feito para ter uma unidade nacional em torno da reforma. Por
isso, ela não está sendo o desejo total do governo, do relator, da direita e
nem da esquerda.
O presidente Maia
disse que o sr. chegou no limite com o parecer.
Se tem uma barreira entre o possível e o
impossível, eu fui até ao limite. Eu fui no que era possível. Vai ficar desse
jeito? Não, tem destaque, exclusão, discussão... A capitalização é um processo
que nesse momento gerava muita discussão no campo do centro. A esquerda não
queria de jeito nenhum. No campo do centro, havia uma divisão enorme porque as
coisas não estavam claras. O governo está começando. Nada impede o governo
enviar depois o pedido para criar o sistema, para que seja debatido na Casa com
mais tempo e com debate mais exclusivo e não contaminado. É um tema que já
estava contaminando a tramitação da reforma.
O relatório fica
como está ou ainda haverá negociação?
Eu tenho direito a um voto complementar. Se eu vou
usar ou não depende das contribuições que eu receber dos deputados, dos
líderes, do diálogo que vamos ter. A Câmara fez um trabalho extraordinário, a
comissão, os debates, as audiências, o presidente da Casa, os líderes da
maioria. Os líderes desse grupo da maioria fizeram trabalho importante, a gente
consolidou o apoio necessário. E nós construímos esse relatório para criar as
condições de avançar.
Integrantes do
Centrão projetam desidratação adicional de R$ 150 bilhões. Como o sr. vê?
Acho que o ideal é entregar algo robusto do ponto
de vista fiscal para a sociedade, criar as condições para o governo fazer suas
medidas. Eu não sou do governo, tenho o meu partido, sei o nosso lugar,
perdemos a eleição. Agora, essa agenda da reforma é do nosso partido. Nós vamos
contribuir.
Por que o sr.
decidiu pôr fim aos repasses do FAT ao BNDES?
A Constituição foi feita 30 anos
atrás, não se tinha problema com a Previdência. Essa medida ajuda as contas da
Previdência, ela diminui o aporte do Tesouro (no FAT). Eu não estou
tirando nada do BNDES, estou devolvendo esse dinheiro a quem é de direito, o
trabalhador. O patrimônio, isso é importante, está preservado. A gente não quer
mexer no estoque. O fluxo não tem sentido (manter com o banco), porque o
governo tem que pôr dinheiro na Previdência. Tem uma discussão se é dinheiro
novo ou não. Para a Previdência é. O BNDES precisa desmamar desse recurso.
Há condição de
aprovar na Câmara antes do recesso de julho?
Se os governadores de oposição ajudarem nessa
reforma e construir um ambiente melhor na oposição, acho que... É um encontro
difícil. Por isso essa construção toda. Não é um processo simples, é de muita
construção de entendimento e de manutenção de maioria. Quem consolida isso hoje
são esses líderes e os deputados que atuam no centro e à direita. É isso que
está construindo essa grande maioria. Agora, é preciso consolidar cada vez
mais. Sinto que todos querem uma reforma, então acho que o projeto não está tão
ruim assim para a oposição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário