Solução para
evitar tragédias, desativação de barragens é lenta e pode oferecer riscos
Raul Mariano
Vilarejo Socorro foi um dos que precisaram ser evacuados em Barão de
Cocais
A desativação das
dez barragens da Vale a montante em Minas deve ser concluída em até três anos,
conforme estimativas da mineradora. O procedimento, no entanto, pode oferecer
riscos, alterar a rotina de comunidades e demorar mais do que o planejado,
apontam especialistas do setor. Na última quarta-feira, 125 moradores de Nova
Lima e Ouro Preto precisaram sair de casa em uma etapa do descomissionamento
dos reservatórios Vargem Grande, Grupo e Forquilha I, II e III.
Das 84 estruturas
que utilizam essa forma de alteamento no país, 41 estão em Minas. Trinta delas
têm o chamado “alto dano potencial”, podendo provocar tragédias em caso de
rompimento. O método dessas barragens é o mesmo das que ruíram em Mariana, em
2015, e Brumadinho, no mês passado.
Em resolução
publicada na última semana, a Agência Nacional de Mineração (ANM) determinou
que todos os reservatórios com essas características deverão ser eliminados até
2021. A opção que é a mais barata para as mineradoras, mas, também, a mais
suscetível a falhas.
De acordo com o
órgão, está evidente que “o método a montante se encontra obsoleto” e que as
barragens – sobretudo as mais antigas – precisam ser desativadas “com brevidade
e receber monitoramento mais próximo e intenso até que tais ações sejam
concluídas”.
A tarefa,
entretanto, ainda pode trazer muitos transtornos às populações vizinhas.
Professor do departamento de Engenharia de Minas da Universidade Federal de
Ouro Preto (Ufop), Hernani Mota de Lima explica que descomissionar não é uma
“missão” simples.
“Além de não ser
rápido, depende dos equipamentos que vão ser usados, porque até isso pode
provocar um rompimento”, explica. “Eu diria que é uma onça que vai ser cutucada
com a vara curta”, compara o professor.
Prazos
Ele destaca ainda
que a meta de desativação dos reservatórios a montante de todo país nos
próximos três anos dificilmente será alcançada. “É uma operação de risco e quem
estipula esse prazo certamente não conhece a fundo o problema”, critica.
Para Evandro Morais
da Gama, professor de engenharia de minas da UFMG, o ineditismo da ação torna o
cenário ainda mais perigoso. Para ele, a operação ainda é uma incógnita.
“Ninguém nunca descomissionou uma barragem no mundo”, garante. “O próprio termo
já é de difícil entendimento. Que técnicas as empresas vão usar para fazer esse
processo?”, questiona.
Procurada, a Vale
não informou detalhes sobre como acontecerão os descomissionamentos até o
fechamento da edição. O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e a ANM
também não se posicionaram.
A Secretaria de
Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) ainda não recebeu
nenhuma solicitação de empresas interessadas em descaracterizar as barragens a
montante e reaproveitar os rejeitos. O órgão também determinou a eliminação
desses reservatórios em até dois anos.
Para a desativação
das estruturas, não é necessário licenciamento ambiental, já que o
descomissionamento é considerado como atividade de recuperação ambiental.
Porém, é “necessária a autorização nos casos em que a empresa propuser o beneficiamento
do rejeito depositado, para aproveitamento econômico”, informou, em nota.
A pasta foi
questionada sobre quantas barragens foram descomissionadas em Minas nos últimos
dez anos, mas disse que a resposta demandaria um tempo maior de apuração.
Clima tenso
Nas cidades
mineradoras em que a população foi retirada de casa, o clima é a cada dia mais
tenso. Em Barão de Cocais, na região Central do Estado, pelo menos 400
moradores das comunidades de Socorro, Piteiras e Tabuleiro estão longe do lar
desde 8 de fevereiro.
Os povoados estão
próximos à barragem da Vale na mina de Gongo Soco, que atingiu o nível 2 de
emergência naquela madrugada. Não há informações sobre quando começará o
processo de descomissionamento do reservatório e os moradores ainda não têm
previsão de retorno à vida normal.
“O clima está
esquentando porque a Vale não é clara nas informações. Há cerca de 300 pessoas
morando em hotéis e não dá pra continuar assim”, explica o prefeito da cidade,
Décio Geraldo dos Santos. “Vamos tentar definir um prazo legal para que essa
situação se resolva”, destaca.
Cuidados
No que depender da
previsão dos especialistas, a volta para a casa vai demorar. Vice-presidente do
Comitê Brasileiro de Barragens (CBDB), José Marques Filho explica que o método
de alteamento a montante é o mais usado no país e que, portanto, há bastante
trabalho pela frente.
Ele também acredita
que o prazo de três anos deve ser insuficiente para o descomissionamento das
barragens da Vale em Minas e mais ainda em todo território nacional.
“Isso implica em um
projeto bem feito e uma execução extremamente cuidadosa, que fica mais delicada
à medida que o processo se inicia”, afirma o especialista. “Vamos torcer para
que as empresas consigam concluir o procedimento nesse prazo. Fácil não vai
ser”, conclui.
Realidade
Nesta quinta-feira
(21), o Hoje em Dia mostrou que o risco do rompimento de novas
barragens após o desastre de Brumadinho, na Grande BH, já atingiu nove
comunidades mineiras. Em menos de duas semanas, 971 pessoas foram obrigadas a
sair de casa.
Até a BR-356, que
liga Belo Horizonte a Itabirito, teve um trecho interditado pela Polícia
Militar. A medida foi preventiva, de acordo com a corporação, vez que o plano
de emergência da Barragem Vargem Grande, da Vale, mostra que os rejeitos
atingiriam a rodovia em caso de rompimento.
Além disso, uma
decisão judicial também foi expedida determinando que a Vale adote medidas
emergenciais para garantir a segurança também da população de Itabirito, na
região Central, devido às condições das barragens de Forquilha I, II e III.
A Secretaria de
Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) ainda não recebeu
nenhuma solicitação de empresas interessadas em descaracterizar as barragens a
montante e reaproveitar os rejeitos. O órgão também determinou a eliminação
desses reservatórios em até dois anos. Para a desativação das estruturas, não é
necessário licenciamento ambiental, já que o descomissionamento é considerado
como atividade de recuperação ambiental. Porém, é “necessária a autorização nos
casos em que a empresa propuser o beneficiamento do rejeito depositado, para
aproveitamento econômico”, informou, em nota. A pasta foi questionada sobre
quantas barragens foram descomissionadas em Minas nos últimos dez anos, mas
disse que a resposta demandaria um tempo maior de apuração.
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