Metade dos
municípios mineiros não tem condição de ofertar novo ensino médio
Malú Damázio
Letícia aponta que a
maioria dos estudantes da Escola Estadual São José precisa trabalhar no turno
em que não estão em sala de aula
Aprovada em
fevereiro, a reforma do ensino médio tem prazo de cinco anos para vigorar em
todas as escolas do país. Em Minas Gerais, porém, a corrida contra o tempo se
mostra uma batalha difícil de ser ganha: mais da metade dos municípios não têm
condições estruturais de ofertar o currículo proposto no texto da lei 13.415,
que amplia a carga anual dos estudantes de 800 para 1.400 horas anuais.
Segundo o Censo
Escolar de 2016, 53% das cidades mineiras têm apenas uma escola em que há
ensino médio. Além de única oferta, esses municípios precisam atender a
distritos vizinhos e assegurar o direito à educação pública para toda a região
onde atuam.
Muitos deles
funcionam em três turnos – manhã, tarde e noite – para dar conta de toda a
demanda local, como a Escola Estadual São José, em Confins, na Grande BH. Todas
as 11 salas do prédio são utilizadas durante a manhã e restam somente duas
salas ociosas nos demais períodos.
Ampliar o tempo em
que o aluno deve ficar na escola, como propõe o currículo do novo ensino médio,
significa investir também em infraestrutura. “Para começarmos a receber os
meninos, precisamos de mais salas. Do jeito que está, não conseguimos”, conta a
vice-diretora da escola, Ivana Carla Diniz.
O Estado, no
entanto, alerta que os recursos para realizar as reformas de adequação da
estrutura das escolas são escassos e que, sem suporte financeiro do governo
federal, não sabe se será possível cumprir integralmente o prazo determinado
pela União.
“Até o momento, o
governo federal não colocou nenhum aporte a mais para a gente. A princípio, nós
vamos fazer dentro do que temos, dentro da nossa realidade, mas o Estado
decretou calamidade financeira”, diz o diretor de ensino médio da Secretaria de
Estado de Educação (SEE), Renato Lopes.
Teste
Teste
Mesmo que ainda
restem alguns anos para que todas as escolas brasileiras estejam adequadas
ao novo ensino médio, mais de 500 instituições públicas em todo o país já estão
passando por adequações para ofertar a etapa em tempo integral. É o caso da
Escola Estadual Governador Milton Campos, o conhecido Colégio Estadual Central,
em Belo Horizonte.
Ela é uma das 44
escolas-modelo de Minas escolhidas para receber o Programa de Fomento à
Imple-mentação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, criado pelo MEC.
As aulas no
contraturno começam no segundo semestre e, em 2017, contemplarão os primeiros
anos do ensino médio. Para cada aluno das escolas participantes, a pasta
destinará R$ 2 mil anualmente.
No Estadual Central,
as mudanças ainda não começaram, mas docentes e estudantes já discutem como
será a nova grade. “Queremos seguir com projetos interdisciplinares que
direcionem os alunos para a pesquisa e que mostrem como os conteúdos estão
atrelados ao dia a dia deles”, explica a professora de biologia, Ana Flávia
Leal.
“Precisamos mesmo de uma reforma, a meninada não está se interessando
por esse formato de hoje, mas ela tinha que ser discutida”
Ivana Carla Diniz
Diretora
Ivana Carla Diniz
Diretora
Aplicação dos cinco
eixos de estudos exigidos é desafio na reestruturação das escolas
Erguer salas, alugar
espaços externos, negociar novos horários de transporte escolar com as
prefeituras são apenas algumas das ações estudadas pelo Estado para atender as
2.300 escolas mineiras que têm ensino médio. Além das dificuldades estruturais
da ampliação da carga horária, a reforma traz ainda a obrigatoriedade de uma
parte extra do currículo, composta por disciplinas optativas. São os
itinerários formativos.
A lei diz que o
estudante deve escolher pelo menos um dos seguintes eixos para se aprofundar:
ciências humanas, ciências da natureza, linguagens, matemática e formação
técnica e profissional.
Na prática, o
Governo de Minas afirma que não será possível disponibilizar as cinco opções em
todas as escolas mineiras. “O texto não deixa muito claro, mas as escolas não
dão conta de oferecer todos os itinerários. Não é nem viável colocar uma opção
que não tenha a ver com a cultura e o mercado de trabalho da região”, diz o
diretor de ensino médio da SEE. Renato afirma que a escolha será feita “de
acordo com as necessidades dos alunos”.
Para especialistas,
a proposta do governo federal é controversa e não amplia e, sim, reduz a
disponibilidade de formação dos estudantes secundaristas.
“Se mais da metade
dos municípios têm só uma escola de ensino médio não podemos falar em opção,
porque teríamos que ter professores permanentes que pudessem oferecer os cinco
itinerários, o que é supercomplicado”, diz o professor de políticas
educacionais da PUC Minas, Carlos Roberto Jamil Cury.
Para o educador,
escolas de cidades menores conseguirão oferecer apenas um dos eixos. “Ou o
aluno se contenta com isso, ou ele pula fora. O itinerário técnico reduz o
número de conhecimentos que hoje o estudante aprende”, afirma.
Mudança divide
opiniões de quem conhece a realidade
À primeira vista, a
ideia de poder aprender mais sobre uma área específica do conhecimento
empolga. Aluno do 3º ano da E.E. São José de Confins, Pedro Henrique Ferreri,
de 16 anos, acredita que será melhor para se preparar para o mercado de
trabalho. “Queria escolher o que vou estudar porque já tenho mais facilidade em
alguns temas”, diz o estudante, que gostaria de cursar aulas de ciências da
natureza ou o ensino técnico.
A opção por um único
campo de estudos já aos 14 anos, no entanto, preocupa educadores. “Eles são
muito novos para já escolherem o que vão fazer para a vida. E se mudarem de
ideia depois?”, questiona a diretora Ivana Carla Diniz.
Conciliação
A falta de consulta
do governo aos estudantes da rede pública ao definir a reforma é um dos
principais pontos negativos, na visão da aluna do 3º ano Letícia Silva, de 17.
“A maioria dos alunos daqui de Confins nem tem disponibilidade para ficar na
escola à tarde porque precisa trabalhar”.
Paula Gabriela de
Lima, de 17, estuda na parte da manhã e trabalha à tarde em uma locadora de
carros para ajudar o pai a pagar as contas da casa. “Se tivesse que ficar na
escola o dia todo, não poderia auxiliar minha família”, relata.
“Como eu vou encarar essa sala de aula com uma nova proposta se não fui
instruída?”
Cláudia Gomes
Professora de geografia
Cláudia Gomes
Professora de geografia
Para o professor da
Faculdade de Educação da UFMG, Luciano Mendes Filho, os itinerários formativos
dividem as escolas de ensino médio no país e aumentam a desigualdade social. Na
visão do especialista, instituições de cidades menores e da zona rural têm mais
chances de optar pelo oferecimento da formação técnica, especialmente pelo
contexto dessas regiões, em que muitos estudantes trabalham.
“Tenho a impressão
que a reforma criará duas escolas muito distintas: uma para formar
trabalhadores, com ensino técnico, útil para que o aluno continue tendo o mesmo
ofício dos pais, e outra modelo, para formar dirigentes nos grandes centros,
com conhecimentos culturais e científicos”, explica.
Procurado para falar
sobre as dificuldades apresentadas pelo Governo de Minas, o Ministério da
Educação (MEC) informou que cada estado deve determinar como será a oferta de
cada uma das áreas nas escolas “conforme a relevância para o contexto local e a
possibilidade dos sistemas de ensino”.
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