Massacre em presídio de
Roraima escancara descontrole no sistema prisional
Tatiana Lagôa,
Flávia Ivo e agências
O narcotráfico deu mais uma demonstração de força e crueldade em um
massacre ocorrido na madrugada de ontem. Dessa vez, 31 presos foram
brutalmente assassinados na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc), em
Roraima.
A chacina ocorreu apenas quatro dias após o assassinato de 56 presos no
Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus. De pano de fundo está
a guerra pelo controle de rotas de tráfico entre o PCC e a Família do Norte.
Da mesma forma que a primeira carnificina, as vítimas foram decapitadas,
mutiladas e esquartejadas. Ao anunciar a morte das 31 vítimas, em nota, o
governo de Roraima disse que a situação está “sob controle”.
Não há uma confirmação oficial sobre a motivação do crime. Mas o jornal
argentino Clarín divulgou um vídeo, gravado pelos próprios presos, onde há
citação de uma possível vingança pela morte “dos irmãos” em Manaus.
Além disso, circula na internet um comunicado atribuído ao Comando
Regional Norte do PCC com promessa de represálias pelo ocorrido. PCC e Família
do Norte romperam uma aliança em junho do ano passado.
A Ordem dos Advogados do Brasil disse que levará os casos à Corte
Interamericana de Direitos Humanos
Sem ligação
Apesar das coincidências entre os crimes, o ministro da Justiça,
Alexandre de Moraes, nega haver ligação entre os crimes. “Não é, aparentemente,
uma vingança do PCC à Família do Norte”, afirmou. Ele garantiu que, desde as
últimas rebeliões ocorridas nesse presídio, houve uma separação entre as
facções rivais. Para ele, todas as vítimas eram do PCC.
O ministro citou rebeliões anteriores porque essa não é a primeira vez
que a Pamc é palco de um massacre. No dia 17 de outubro de 2016, dez presos
morreram no mesmo presídio após um confronto entre facções. No episódio, alguns
também foram decapitados e outros queimados vivos. Na época, o local tinha
1.400 internos. Ou seja, o dobro da capacidade.
A situação estava tão complicada no presídio que, no dia 24 de novembro
do ano passado, a governadora Suely Campos enviou um ofício ao Ministério da
Justiça solicitando apoio do governo federal, em caráter de urgência, incluindo
reforço da Força Nacional de Segurança.
O ministro da Justiça respondeu em ofício que “apesar do reconhecimento
da importância do pedido de Vossa Excelência, infelizmente, não podemos atender
o seu pleito”.
Apesar de o pedido estar documentado, Moraes afirma que a solicitação
havia sido para ajudar na segurança pública por causa de problemas causados com
a imigração de venezuelanos. Ele nega que a intervenção no sistema prisional
tenha entrado nas reivindicações.
O presidente Michel Temer optou por se manifestar por nota oficial de
maneira mais rápida sobre o novo episódio. Ele lamentou as mortes.
Encarcerados viviam em condições desumanas em unidade
As condições de vida dos presos da Penitenciária Agrícola de Monte
Cristo (Pamc), onde ocorreu o massacre ontem, são desumanas. Esgotos e valas a
céu aberto, celas sujas, sem higiene e sem ventilação. Infiltrações nas
paredes, instalações elétricas e hidráulicas deficientes. Presos doentes, sem
tratamento médico, cuidados por outros detentos.
O cenário de guerra foi descrito pela Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) de Roraima, em relatório produzido no ano passado, e pelo Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), em levantamento feito em 2010.
Ou seja, as condições degradantes se arrastam há anos. Na época, o órgão
já apontava “um quadro de celas sujas, fétidas, escuras e úmidas. O esgoto está
a céu aberto e alguns pavilhões correm riscos de desabar”.
A superlotação também chama a atenção. Segundo o CNJ, a penitenciária
tem capacidade para 750 detentos, mas possui 1.398 presos, atendendo a quase o
dobro da capacidade. No local, onde os presos cumprem pena em regime fechado,
não há aparelho para bloqueio de celular ou oficinas de trabalho.
Conforme o relatório do Conselho, na inspeção não foram encontradas
armas de fogo ou instrumentos capazes de ofender a integridade física. Porém,
foram apreendidos 113 aparelhos de comunicação ou acessórios.
O relatório prosseguia: “Alguns presos foram abandonados à própria
sorte, já que estavam doentes e sem assistência médica e material, pois,
atualmente, somente existe um único médico que presta serviço a penas três
vezes por semana”.
OAB
Relatório do órgão, publicado em maio do ano passado, apontou que o presídio,
localizado na zona rural, a 10 km da capital Boa Vista, tinha estrutura
precária e superlotação. Além disso, dos 1.300 presos no local, 939 cumpriam
prisões preventivas e 180 não haviam sido sequer ouvidos na Justiça.
Na apresentação do relatório, Hélio Abozaglo, presidente da Comissão de
Direitos Humanos do órgão, afirmou que Roraima precisa urgentemente de um
presídio novo. “A construção urgente de um presídio de porte médio com
capacidade para 500 internos também ajudaria na resolução da superlotação do
local”, destacou.
Em visita ao presídio, a OAB também constatou que presos que haviam
cometido crimes graves, como homicídios, ficavam nas mesmas celas de detentos
com infrações mais leves.
Mundo repercute carnificina nos presídios brasileiros
Os massacres ocorridos nos presídios de Manaus, no dia 1º, e de Roraima,
ontem, foram notícia por todo o mundo. A imprensa internacional mostrou as
rebeliões nas unidades prisionais iniciadas pela rivalidade entre as facções
criminosas Família do Norte (FDN), em parceria com o Comando Vermelho (CV), e o
Primeiro Comando da Capital (PCC).
A guerra nos estados da Amazônia brasileira apareceu no jornal The New
York Times com destaque para o temor das autoridades do país de um acirramento
da briga entre as quadrilhas pelo controle do comércio de cocaína no Brasil.
A emissora de televisão CNN, também norte-americana, destaca na
programação notícias sobre os assassinatos nas prisões brasileiras. Junto a
ela, outras redes de televisão CBS News, ABC News e Sky News também deram ampla
cobertura aos acontecimentos em Roraima.
Na Alemanha, a rede de notícias Deustche Welle informou que a violência
ocorrida na prisão roraimense Monte Cristo foi um ataque rápido “a maior parte
dos assassinatos foi realizada com facas, já que não foi encontrada nenhuma
arma de fogo na prisão”, destacou no site.
Cobertura
A emissora BBC, do Reino Unido, fez uma entrevista com o secretário de
Justiça e Cidadania de Roraima, Uziel Castro, sobre a violência na madrugada de
ontem.
O secretário culpou gangues pelos assassinatos na prisão, acrescentando
que alguns corpos foram encontrados decapitados, assim como aconteceu no
massacre em Manaus.
O jornal britânico Daily Mail também dá destaque à declaração de Uziel
de Castro, que disse que a violência começou com o ataque feito pelo PCC, que é
orientado pela chefia da quadrilha em São Paulo.
A emissora de televisão WSMV-TV, em Nashville, nos EUA, informou que a
violência em Roraima faz parte de uma guerra entre gangues visando controlar as
rotas de drogas, situadas na fronteira do Brasil com a Colômbia, Venezuela,
Peru e Guianas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário