O caos haitiano
Manoel Hygino
Passei por Porto Príncipe, capital do Haiti, uma vez. A temperatura era
boa, bem ao gosto brasileiro. Fazia sol, mas se adivinhava a pobreza. Cristóvão
Colombo ali estivera bem antes, em 1492. Os espanhóis batizaram a ilha de
Hispaniola, ocuparam apenas o lado oriental e escravizaram os índios e, no fim
do século XVI, estavam quase todos dizimados.
Em outra vez, conheci San Domingos, a capital da República Dominicana,
do lado Leste. O Haiti, todos sabem, é a nação mais pobre das Américas e vítima
de sucessivos terremotos, que mais prejudicam as já precárias condições de vida
da população.
A República Dominicana é menos sofrida dos males da natureza. A despeito
de ditadores violentos, goza de mais benevolência da natureza. Há boas praias e
Punta Cana se transformou em ponto de referência para turistas.
Vargas Llosa, que entende de América, elogia a República Dominicana: é
uma democracia, em que a sociedade civil se fortalece, o poder militar mal
intervém na política e em que há ampla liberdade de imprensa. Do outro lado da Hispaniola,
o Haiti é um país miserável, o mais atrasado do hemisfério ocidental e piora
sem trégua, afundando sua gente infeliz, cada vez mais, num inferno de fome,
desemprego, violência e desespero. E há a intervenção funesta das forças da
natureza. Embora o ambiente transpire energia e vontade de viver, há a
proliferação de mendigos, vagabundos, loucos, crianças doentes e deformadas.
Em 12 de janeiro de 2010, o Haiti foi atingido por um violento terremoto
de 7 pontos na escala Richter, que devastou 70% das construções da capital.
Após o tremor, o caos. Hospitais, transportes e redes de água e energia
elétrica entraram em colapso, mais de três milhões de pessoas e 250 mil mortas.
Entre elas, 20 brasileiros, incluindo a médica Zilda Arns, fundadora da Pastoral
da Criança, que lá estava em missão humanitária. Depois, o Brasil enviou um
grande contingente militar para oferecer segurança e assistência e ficou anos.
Em outubro de 2016, a tragédia se repete. A magnitude do furacão Matthew
deixou no Haiti, a partir do dia 6, um rastro de destruição e dor. O Sul do
país ficou arrasado, com cerca de mil cadáveres. A organização humanitária Care
France fez um apelo veemente, porque cerca de um milhão de pessoas precisavam
de ajuda urgente.
Povoados foram praticamente destruídos em sua totalidade. Bairros em
frente a praias se transformaram em caos de lodo e árvores caídas. Durante
muitas horas, fortes rajadas do Matthew e chuvas fortes acabaram com os
cultivos nos campos, antevendo dias ainda piores. Mais de 80% dos cultivos se
perderam em algumas regiões, conforme avaliação do escritório de Assuntos
Humanitários da ONU.
Anúncios de ajuda chegavam de todas as partes do mundo, mas a situação
permaneceu de calamidade nos dias seguintes, prevendo-se recuperação lenta e
difícil. Enquanto o furacão perdia força ao deslocar-se ao Norte, para os
Estados Unidos, os haitianos seguiram sua trajetória histórica de suplício e de
desesperança.
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