A construção de heróis
Manoel Hygino
Os que se dispõem a heróis correm risco de perder a vida... de se
tornarem heróis, perdendo-a a serviço de um nobre causa... ou de uma causa que
supunham nobre. Os livros de história e a memória dos povos sabem-no muito bem.
Casos há, muitos inclusive, com nomes femininos: Rosa de Luxemburgo, La
Pasionaria, por exemplo, na Alemanha e na Espanha respectivamente, em época de
acirradas lutas ideológicas ou pela conquista do poder. Sempre ele. São fatos e
personagens que caminham para cem anos, mas revelam a disposição de alguns e
algumas por seus princípios, ideias, ambições, ilusões.
O final é, repetidamente, triste, letal, catastrófico. Há alguns anos,
por exemplo, Leandro Konder, recordou Rosa de Luxemburgo, que participara da criação
da Liga Spartacus, embrião do futuro partido Comunista, na convulsionada
Alemanha antes da primeira guerra mundial. Estava ao lado de Karl Liebknecht,
que se tornara um dos membros mais populares da facção. Cumpriam penas na
prisão, quando caiu o regime monárquico.
Em janeiro de 1919, o clima é tenso em Berlim. Milhares de pessoas
correm as ruas em manifestações. Pede-se a execução de Rosa e Karl. No dia 16,
um jornal anuncia que ela fora espancada até quase a morte pela multidão ao
sair do Hotel Eden, após submetida a interrogatório. Depois, desaparecera,
talvez liquidada. O corpo só seria encontrado, em 31 de maio, jogado num canal,
o Landwehrkanal.
A carreira política de Rosa, era radical, revolucionária, mas também
inabalavelmente democrática. Em 1904, num congresso socialista em Amsterdam, o
francês Jean Jaurès lhe fizera críticas, mas não havia quem as vertesse ao
alemão, língua falada pela maioria dos delegados. Ela subiu à tribuna e
traduziu o discurso, imediatamente.
Estudiosa de Marx, elaborou um livro “A acumulação do capital” e,
criticada por Lênin, dele recebeu reprimenda, mas não se dobrou. As
divergências persistiram. Lênin afirma que ela nutria uma concepção confusa do
partido revolucionário. Defendia uma organização da sociedade que garantisse
mais amplas liberdades do que as admitidas pelo líder.
Para demonstrar sua força pessoal, há de se lembrar um episódio. Em
reunião realizada em 1907, ao retirar-se com a companheira Clara Zetkin, ouviu
uma piada de August Beb, referindo-se a decisões menos combativas aprovadas na
ausência de ambas. Ela não se inclinou: “É possível. A direção do partido ficou
sem os últimos homens que lhe restavam”. Referia-se a si e a Clara.
A despeito de tudo, defendia o diálogo, recusando os excessos de
violência. Segundo ela, para atingir seu objetivo, “a revolução proletária não
necessita de terror”, pois a classe operária tem horror a morticínios”.
Em meio a suas atividades revolucionárias, viveu um cálido amor com Leo
Jogiches, como se observa por suas cartas, compiladas em livro. Leo, dirigente
revolucionário, foi assassinado, em 14 de março de 1920, por grevistas em
manifestação de rua em Berlim. Ela já deixara a vida melancolicamente, cerca de
um ano antes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário