A regra do jogo
Hélio Schwartsman
SÃO PAULO - Traição e injustiça. Parece um título de romance de Jane Austen, mas
são as palavras escolhidas por Dilma Rousseff para descrever os mais recentes
lances do processo de impeachment que a afastou da Presidência. Mas será que
ela foi realmente vítima de uma traição? E de uma injustiça?
Minha tendência é responder afirmativamente à primeira pergunta e
negativamente à segunda. Dilma tem todos os motivos do mundo para sentir-se
traída -e por vários personagens. A lista começa com Temer e Cunha, mas inclui
parte substancial do exército de políticos que emergiram do pleito de 2014 como
aliados da presidente. A coalizão governista reunia nominalmente 60% dos
deputados e 72% dos senadores. Vê-los mudar de lado ao sabor dos ventos pode
ser pessoalmente dolorido para quem é deixado para trás, mas a traição é o
estado natural da política.
É até possível argumentar que, como o primeiro compromisso de um
político é para com seus eleitores, ele age virtuosamente quando abandona
aliados que já não representam os interesses de sua base. Quem não tem estômago
para enfrentar isso nem deveria entrar no jogo.
Quanto à injustiça, o discurso de Dilma é mais capcioso. Ela sustenta
que todos os governantes dão suas pedaladas, mas só ela é que paga o pato. Há
aí, acredito, uma compreensão equivocada do que seja o impeachment. Sua real
dimensão não é jurídica, mas política -e isso está embutido nas regras do jogo
desde a Constituição de 1891.
A lei que define os crimes de responsabilidade traz tipos tão abertos e
subjetivos que, numa interpretação rigorosa, todos os ocupantes do Planalto
violam algum de seus dispositivos, mas o mecanismo de responsabilização só é
acionado na hipótese de crise grave. Se a popularidade estiver alta, o
presidente pode fazer o diabo e ainda receberá elogios. Se Dilma não percebeu
isso, fica mais fácil entender por que ela caiu.

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