Quando a crise vira uma
aula de democracia
Maria Alice Setubal
Há meses, somos assombrados por notícias e fatos que nos trazem a cada
dia mais angústia e impotência. Vivemos em meio a uma crise tão avassaladora
que nos paralisa, criando um quadro de pessimismo que só cresce com o tempo.
Mas será que este cenário não traz também lições positivas?
Recentemente, a leitura de uma entrevista do Professor Mario Sergio
Cortela para a revista Época Negócios deste mês me trouxe um novo alento,
mudando minha perspectiva sobre a conjuntura atual. Diz ele: "É um momento
especial de nossa história. Nosso melhor momento pedagógico. A melhor educação
moral e cívica que o país já teve... Eu jamais imaginei que uma nação que tem
516 anos fosse encontrar, numa democracia tão jovem, um momento tão bom de
trazer à tona tudo aquilo que estava no subterrâneo... Colocar luz nas nossas
mazelas é o passo mais importante para enfrentá-las". Este novo olhar traz
reflexões sobre várias dimensões importantes que a sociedade brasileira está
vivenciando de forma intensa, dado o tom e as imagens midiáticas.
Destaco como primeira destas lições o debate político nas casas, nas
ruas, no trabalho, nas redes sociais e no lazer. Sem dúvida é conversando,
ouvindo diferentes pontos de vista e, sobretudo, apropriando-se de novos
conhecimentos e informações que poderemos amadurecer enquanto sociedade.
Se num primeiro momento muitos pensavam que bastava ir às ruas para se mudar o
governo, as pessoas agora começam a entender, provavelmente pela primeira vez,
como funcionam os poderes executivo, legislativo e judiciário no Brasil. As
escolas, pressionadas por seus alunos, também buscaram discutir esses temas na
sala de aula.
Nesse contexto de mais democracia e de ocupação do espaço público, os
estudantes de diversos estados ocuparam (e ainda ocupam) escolas, reivindicando
maior participação nas decisões das políticas que os afetam, melhores condições
de infraestrutura e/ ou de merenda. Soubemos por eles que, em muitas escolas,
livros didáticos ficam armazenados, materiais estão estragados e alimentos
passam da validade. Os alunos, que em sua maioria não faz parte de partidos
políticos, organizaram também aulas com temas relacionados às principais
questões do mundo contemporâneo, mostrando que valorizam o conhecimento e
querem uma escola mais ligada ao século Em um contexto mais amplo, a demanda
maior da sociedade é pelo fim da corrupção. A votação do impeachment com
transmissão ao vivo pela TV trouxe a consciência do tipo de político que
estamos elegendo e muitas pessoas se deram conta da importância de se votar em
políticos que sejam honestos e que tenham princípios e valores éticos.
Além disso, o Brasil assistiu pela primeira vez políticos, empresários e altos
executivos serem processados, presos e condenados. Isso é um marco em um país
que sempre acreditou que a elite estava acima do bem e do mal. Se houve
exageros e erros no decorrer da Operação Lava Jato, isso não invalida todo o
processo que tem muitos mais ganhos do que perdas.
Ouvi várias pessoas se darem conta de que a corrupção não está apenas
nos governos, mas no dia a dia de cada um de nós, na caixinha ao guarda de
trânsito, na compra de vídeos e games piratas, no pagamento sem nota fiscal ou
sem recibo médico. Se a maioria entender que só teremos governos mais éticos a
partir de nossas atitudes e posturas cotidianas, estaremos dando um largo passo
para uma nova democracia.
Avanços e retrocessos fazem parte de um momento tão complexo
quanto dramático pelo qual passa o país. Mas nossas instituições se provaram
consolidadas e a sociedade parece ter aprendido que não se pode depositar
apenas no governo as culpas e as responsabilidades pelos avanços que queremos.
A sociedade deu um salto fundamental ao expor suas demandas e
passar a controlar a postura dos políticos, exigindo mais transparência e ética.
Agora, o caminho será longo, difícil e passará necessariamente por uma
reforma politica. Temos nas mãos a oportunidade de darmos um salto na direção
de uma democracia mais justa e transparente. Cabe a nós sermos protagonistas
dessa história.

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