Transparência tardia, cidadania traída
Antônio de Pádua
Galvão*
Estava observando a Avenida Afonso Pena recostado no balcão do Café
Nice, tomando um tradicional cafezinho. Dialogando com novos amigos,
senhores e doutores da história da cidade, ouvi alguém exclamar: “É muita
desonestidade e falta de transparência com o dinheiro e os conchavos
políticos. Nossa gente é iludida sistematicamente”. Pensei logo nas
palavras que dão título a este texto: transparência tardia e cidadania
traída!
Fixei os olhos no obelisco da Praça Sete. Vi aquela multidão de
gente perturbada com seus afazeres. Um turbilhão. "Vida de gato, povo
feliz". Subi na tribuna invisível da inquietação e resmunguei:
“Afinal, por que a transparência do dinheiro público e as decisões políticas
são tão escondidas e veladas, seja assunto de interesse público ou
privado?”.
A indecifrável transparência nas contas e orçamentos seja dos
governos, partidos, mandatos ou organizações é liturgia bizantina. Poucos
conhecem, e muitos são enganados. Parece imperar uma espécie de preguiça
para honestidade.
Estamos engatinhando em matéria de clareza com verbas públicas. Há muito
que fazer e aprender em matéria de apresentar didaticamente, elaborar
relatórios simplificados e publicar com consistência e clareza. Milito há
décadas na área pública. Neste percurso vejo poucos políticos ou
lideranças com traquejo para suportar a carga da transparência. O que
impera é a trama da “intransparência” pública. Faz-se o discurso ou
gestual da limpidez, mas revela-se metade dos atos e contas. E o resultado
dessa trama da transparência tardia é a cidadania traída.
Existem três princípios que penso serem essenciais para a
política: democracia, participação da sociedade e transparência pública.
Tardiamente esse discurso brota nos palanques e tribunas, mas pouco
efetivamente ainda é praticado. Quem nunca praticou a obscuridade em
detrimento da transparência pública que atire a primeira pedra.
Esconder o jogo. Manipular as pessoas. Tirar coisas, bens e sonhos são
ações típicas dos “intransparentes” públicos e privados. O que mais me
choca é que a transparência tardia está no seio do núcleo de poderes em
todas as instâncias. As empresas maquiam relatório e balanço financeiro.
Os partidos se fecham em si e não prestam contas aos filiados. Não se faz
assembleia de prestação de contas. Dizem burocraticamente: “Está tudo
entregue à Justiça Eleitoral. É só entrar no site do partido. Está tudo
lá”. Será?
Falta sensibilização cívica. Queremos receber em casa o balanço, receita
e despesa dos partidos e governos. Contas para pagar e débitos
tributários chegam com precisão e objetividade. Quero meu crédito de
cidadania. Onde estão os números das contas públicas? Houve avanços com a
lei de acesso à informação, mas há muito que se fazer para que a lei seja
efetiva.
Prestar contas deve ser parte da nossa rotina. Sem burocratismo
e formalidades, os relatórios de prestação de contas devem estar
acessíveis. Mas diante da falta de transparência e zelo com a coisa
pública, uma boa alternativa seria construir presídios para dirigentes e
funcionários de empresas ou instituições que traíssem a cidadania.
Desculpem-me os agentes públicos, políticos dignos, funcionários
e empresários honestos, mas essas quadrilhas que mancham toda a
sociedade precisam sumir da vida pública e dos negócios privados.
Perdoem-me o desabafo, mas não perco a esperança e o sentimento
de indignação. Creio no bem comum e na transparência para
crescimento da nossa nação. A honestidade sempre vence e engrandece
as instituições e a cidadania.
*Antônio de Pádua
Galvão, economista, é psicanalista e professor, além de ouvidor e
conselheiro efetivo do Conselho Regional de Economia de MG.
- www.galvaoconsultoria.com.br

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