Pega ladrão
Hélio Schwartsman
SÃO PAULO - Lula vai coroar sua trajetória política com uma temporada na cadeia?
Difícil dizer. Há muitas e legítimas dúvidas em relação ao que seria o
patrimônio pessoal do ex-presidente da República, mas não me parece que seja
tão fácil provar por A+B que ele cometeu crimes mais sérios, como corrupção,
tráfico de influência, ou lavagem de dinheiro, que poderiam render-lhe uma pena
de prisão.
Os dois primeiros delitos, pelo menos em sua interpretação mais
clássica, exigem que tenha havido promessas ou solicitações expressas de atos
específicos. Algo do tipo, "se você me der tanto, eu faço isso".
Entendimentos tácitos mais sutis, como "você me trata bem que eu lhe trato
bem", que não precisam nem sequer ser articulados, não se enquadram tão
claramente no tipo penal.
Registre-se que essas considerações não valem apenas para cortes de
justiça. No tribunal interno da consciência, o cérebro também costuma recorrer
a essa defesa de entrelinhas. "Se não exerci nenhum ato que beneficia
diretamente a empresa X, que mal haveria em aceitar seus presentes?" Como
nossas mentes se prendem a qualquer fiapinho de razão para justificar seus
próprios atos, não me surpreende que o ex-presidente esteja se sentindo
genuinamente perseguido pelas autoridades que agora o questionam acerca de sítios
e tríplex.
Seja Lula culpado ou inocente nos termos da lei, acho que dá para
assumir que ele é réu confesso do delito moral de ter estabelecido uma relação
promíscua com empreiteiras comprovadamente metidas em esquemas de corrupção. É
verdade que o próprio Lula não confessou nada, mas seu "alter ego", o
ex-ministro Gilberto Carvalho, já disse em alto e bom som que não vê nada de
errado em aceitar presentes dessas firmas.
Hoje talvez seja mesmo normal, mas, se aplicássemos a régua ética usada
pelo PT nos anos 80 e 90, teríamos de estar gritando "pega ladrão".

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