Manoel Hygino
“Essa coisa de escrever, essa estranha
coisa-necessidade de escrever começou com a História. A própria”. Assim começou
o prestigioso poeta Ronaldo Werneck, de Cataguases para o Brasil, entrevista ao
A União – Correio das Artes, de João Pessoa, cinco anos atrás.
Faço uso do seu pensamento ao ler
“Cadernos de Ediclar – Memórias do Brejo das Almas”, de Karla Celene Campos,
lançado pela Millenium, em Montes Claros, no final do ano passado, com prefácio
de Charles Rodrigues Luís. Para o prefaciador, a autora é exímia amazona das
letras, para percorrer grandes distâncias em vigorosas montarias.
Não é fácil emitir opinião sobre os
livros de Karla, cuja bibliografia conheço de outras belas cavalgadas. Antes de
mais nada, seria lícito estender o elogio a outras autoras mineiras da região.
Ali se formou um celeiro de excelentes escritoras para fazer companhia adequada
a Cyro dos Anjos e Darcy Ribeiro, que conquistaram – sem favor algum – cadeiras
na Casa de Machado de Assis.
Justifica-se a anotação final de Maria
Inês Silveira Carlos ao declarar que Karla, graduada em letras pela Unimontes,
jornalista pela Fafi-BH, pós-graduada em literatura brasileira e espanhola pela
PUC Minas e pela Eurocenter, de Salamanca, “representa a força, a raça e a
vitória da mulher norte-mineira”. Por que tão alto privilégio a um dos mais
esquecidos rincões do Estado?
A partir de uma personagem popular e
querida de Brejo das Almas (cujo nome sensibilizou e marcou ilustres autores),
hoje Francisco Sá, Karla oferece um retrato vívido e colorido do burgo em que
nasceu e de que Ediclar é representativo. Simples e simplório, mas com
desenvoltura e criatividade, tornou-se figura amada em todos os círculos,
fazendo poesia e com iniciativas que tocaram a alma da cidade, como a formação
da sua primeira escola de samba – a “Estrela Dalva”.
Sob a maestria esfuziante da escritora
e com os versos de Ediclar, forma-se uma vívida ideia da cidade, sua gente,
velhos e moços, suas tradições, os momentos de alegria e de dor. Karla descreve
bem, sem apelar para a sofisticação vocabular. “Iaiá era uma mulher miúda,
olhos brilhantes, corpo esperto. Quando a conheci, seus cabelos já revelavam a
visita apressada do tempo”, até porque o tempo, esse pintor de cabelos, é incontentável.
O dia não nasce: “Faz pouco mais de
uma hora que o dia abriu os olhos”. E há indagações: “Hoje as crianças não têm
verrugas como tínhamos... Não existem mais verrugas? Ou não existem mais
estrelas? Ou foram as pessoas que perderam o encantamento de contá-las”. “Tanta
poluição em todos os céus; tanta luminosidade a espantar a beleza do escuro da
noite; tanta falta de tempo para contar estrelas; tanta falta de interesse
pelas coisas mágicas do céu. As pessoas não perdem mais o senso... Não escutam,
não conversam, não amam, não entendem estrelas... Como Bilac, como nós...”
O livro também propicia pitadas de
histórias, da cidade e da região, das famílias que por ali se estabeleceram
desde que pedras preciosas foram encontradas a partir de fins do século XVII,
princípio do XVIII. Para manter a ordem entre os garimpeiros, o imperador
mandando para ali o sargento-mor Jerônimo Xavier de Souza, sobrinho nada menos
do que de Tiradentes. Percebe-se que, para este comentário, o espaço precisaria
ser maior.
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