José Eutáquio de Oliveira
Todos os dias, o mesmo ritual. Por
volta das sete da manhã, quando Custódio abria o bar, o homem e o vira-lata
branco (troncudinho, manchas bem marrons na cara e na barriga) que o
acompanhava, podiam ser vistos de prontidão na calçada em frente ao número 560
da rua Congonhas. De pé, jornal do dia debaixo do braço, cigarrilha no canto da
boca, ar circunspecto a contemplar, imóvel, os passantes, o homem e seu
cachorro esperavam com calma o Custódio proceder aos trabalhos de abertura do
bar e de colocação das mesas e cadeiras. Minutos depois, quando o cheiro
gostoso do café novo coado e do pão quentinho recém-chegado da padaria ao lado
recendia no recinto, o homem se dirigia até a mesa que ficava logo na entrada –
do lado esquerdo de quem entra – e ocupava a cadeira que dava a frente para o
corredor. O cão o acompanhava, e deitava-se preguiçosamente, debaixo da mesa
ocupada por seu dono.
Antes de abrir o jornal, o homem fazia
um breve sinal com a cabeça para o Custódio, que cuidava então de lhe servir o
café da manhã de sempre: ovos mexidos, uma média de café com leite e pão quente
com manteiga na chapa... E uma caixa de cigarrilhas holandesas. Depois de ler
as notícias fumando uma cigarrilha atrás da outra, ele deixava o jornal
arrumado na mesa, pedia a conta, pagava e ia embora.
Media por volta de um metro e setenta
e cinco, era forte, cabelos e barba grisalhos, e olhos azuis penetrantes quando
se dignavam a fitar alguém. Com qualquer tempo vestia-se sempre com um casaco
de couro marrom, calças tipo jardineira blues jeans, camisas de malha branca,
botinas amareladas. Para alguns da turma do bar ele tinha um jeito do John
Wayne, para mim ele era um tipo Ernest Hemingway. Nunca ouvimos a sua voz.
Como um relógio suíço, ao meio dia, o
homem e seu cão voltavam ao bar. Retomava o mesmo lugar que ocupara no café da
manhã – que, por sinal já estava reservado para ele – para almoçar o de sempre:
prato do dia, acompanhado de uma dose de cachaça de Salinas. Comia devagar,
compartilhando as sobras com o vira-lata, prestando atenção ao noticiário do
rádio e desconhecendo por completo os demais frequentadores do recinto.
Terminado o almoço, pedia um café, sacava de papel e caneta de sua pasta e se
punha a escrever coisas... “Esse velho deve ser um agente da CIA pago para
vigiar a gente”, conjecturava o Marx Marceneiro, o militante comunista da
turma; “que nada, ele deve ser um fugitivo nazista que veio parar em Belo
Horizonte correndo dos judeus”, pontificava o Tonico Velho, que estudava
História na Fafich. Cá com os meus botões, eu achava o homem um sósia do
Hemingway que, como o escritor americano, era um solitário que vivia a escrever
contos nos bares e cafés da vida. “Um dia vou escrever contos e romances como
eles”, eu pensava.
No início da noite, ele parava de
escrever, guardava seus papéis na pasta, pedia uma cerveja e uma de Salinas, e
ficava em seu lugar bebendo e fumando cigarrilhas, uma atrás da outra. Às vezes
parecia que prestava atenção em nossas conversas e que gostava das nossas
serestas de boteco. Pouco antes de o bar fechar as portas, ele pedia a conta
com um gesto, pagava e sumia na noite. Certa manhã, antes das sete, apenas o
vira-lata esperou o Custódio abrir o bar.
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