segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

QUEM PARTE LEVA SAUDADES QUEM FICA MORRENDO DE DOR...



  

Chico Mendonça




A experiência da morte, de ver alguém muito amado partir, tem a intensidade de viver. Não de morrer. Ela, a morte, não se veste de negro nem carrega uma foice. Não mata, não conclui, não ceifa.


Traz consigo, em vitrine, os mistérios mais profundos, pronta a falar sobre eles como diligente professora. É, na verdade, ponto de encontro, de início imaginado para as dores, mas quem apareceu na hora marcada foi o amor. Terna e macia, ela bebeu minhas lágrimas por doação sem medida. A vida segue seu caminho, não importa até onde a vista alcança. A mim, começou por ensinar o respeito ao fluxo dos acontecimentos, à natureza livre da realidade e dos seres que somos. A dimensão deste espaço de existir guarda todos os segredos da paz, a essência da felicidade. Ao contrário, alertou, a idealização quer capturar e tornar cativo. Reduz a imensidão a um cubículo e as oportunidades a apenas uma.


É ave que pousa em minha janela, linda em cores e canto, e me deixa maravilhado, a ponto de saltar sobre ela e jogá-la dentro de uma gaiola. Para que nunca mais vá embora. Aprisionada, porém, ela não canta mais, nem voa. Torna-se memória da beleza sem ser bela mais. Sofro porque sinto que perdi um tesouro, e o motivo para tamanho prejuízo traduzo como não merecimento. A ave não gostou de ficar, suspiro.


Quando algo me toca e desperta a essência do ser que dorme em mim o sono profundo dos mortais, experimento a felicidade. A dimensão do eterno. Procurar reter a fonte do encantamento não torna permanente a alegria. Antes, me adormece mais profundamente, me faz prisioneiro da malha do tempo.


Meu pai se foi na semana passada, mas poucas horas antes, enquanto seu corpo entrava em falência num leito de CTI, fez algumas visitas. E derramou sobre nós uma paz indescritível. Já não me lembrava dele em feições físicas, mas como um ser de luz e sabedoria. Na mesma noite, porém, ele bateu seguidas vezes na porta da minha varanda e, no dia seguinte, na porta do escritório. Pensei: como se pedisse socorro!


Mas como um ser de luz pode estar perdido? Aquela paz, dada a mim como presente derradeiro, se foi. Em lugar dela, confusão e angústia. Acordei no meio da noite depois de, em sonho, assaltar um banco. Então, compreendi. Era como se ele dissesse: “Filho, não roube de si a liberdade, não tire de mim a alegria de estar no fluxo da vida. Não me enquadre na moldura, não me idealize, não me prenda na sua memória, não tenha de mim uma imagem, por melhor que seja. Deixe ser, deixe seguir, não há vida em águas paradas. Rasgue o discurso pronto para poder ouvir o que te digo”.


Se conto tudo isso em espaço tão público é porque não posso guardar em lugar escuro, sob risco de esquecimento. Ao final das contas, todas as pessoas formam apenas um par de olhos e eu não poderia deixar de dizer, antes de adormecer novamente: nunca, para mim, o amor foi tão profundo.

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