segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

É DIFÍCIL AJUDAR UM PAÍS SUBDESENVOLVIDO COMO O NOSSO



  

Paulo Haddad



No início dos anos 1960, o governo dos Estados Unidos se preocupava com a influência da revolução cubana sobre países e regiões da América Latina. A preocupação maior se concentrava em áreas do Nordeste Brasileiro onde se estruturavam as ligas camponesas de Francisco Julião e em áreas rurais da Bolívia onde atuava a liderança de Che Guevara.
O governo norte-americano decidiu, então, organizar e implementar um programa de cooperação técnica e financeira com países da América Latina que veio a denominar Aliança para o Progresso. O raciocínio oficial era o seguinte: depois da II Grande Guerra a Europa estava destruída e os EE.UU conseguiram reerguer os países da Europa Ocidental através do Plano Marshall que contribuiu decisivamente para reestruturar as suas economias ao longo de uma década de ajuda financeira. Porque, então, não fazer um Plano Marshall para a América Latina e erradicar a pobreza e a miséria regional dificultando “a penetração das ideias socialistas”?
Celso Furtado analisou a proposta norte-americana e chamou a atenção para a diferença entre países subdesenvolvidos e países desenvolvidos que, por alguma razão, entraram em processo de involução ou de retrocesso econômico. Mesmo que os seus indicadores econômicos e sociais apresentem alguma semelhança ou isomorfia estrutural, a sua realidade cultural e o seu contexto histórico são profundamente diferenciados.
As diferenças mais significativas podem ocorrer quanto à disponibilidade de capitais intangíveis que, à época, não eram dimensionados ou até mesmo percebidos pelos organismos oficiais de estatísticas nacionais ou internacionais. Esses capitais incluem o capital humano, o capital institucional, o capital cultural, o capital cívico, o capital intelectual.
Assim, Celso Furtado mostrava que, no caso da Europa, o que fôra destruído durante a II Grande Guerra foi o capital físico dos países e de suas regiões mas não o seu capital social. Os fluxos de ajuda financeira do Plano Marshall, ao irrigar com moeda forte as economias europeias, encontraram populações com grupos sociais e institucionais que, uma vez revitalizadas, afloraram seu espírito empreendedor, seu nível de informação e conhecimento, sua capacidade de organização e de planejamento, suas práticas democráticas de respeito aos assuntos e bens públicos, etc. Imaginem o que poderia ocorrer com a massa de poderosos recursos financeiros aportados pelos EE.UU. em regiões da América Latina onde eram comuns as práticas de corrupção administrativa, a falta de espírito associativista, a incapacidade de mobilização de recursos latentes para promoção do desenvolvimento sustentável.
É extremamente difícil, pois, o processo de desenvolvimento de municípios e regiões que entraram num inexorável processo de involução ou de declínio econômico. A formulação e a implementação de políticas de desenvolvimento dessas áreas frequentemente não encontram suporte no capital social de suas populações. Coube a Celso Furtado, ainda nos anos 1960, destacar a assimetria da involução econômica lembrando que o desenvolvimento não é um processo perfeitamente reversível, que o retrocesso não traduz um movimento simétrico ao do progresso ou desenvolvimento e que, se não levamos em conta essa assimetria, dificilmente poderemos entender certos processos históricos de interesse na formação da economia moderna ou o fracasso das políticas públicas para o desenvolvimento da muitas regiões economicamente deprimidas.


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