Paulo Haddad
No início dos anos 1960, o governo dos
Estados Unidos se preocupava com a influência da revolução cubana sobre países
e regiões da América Latina. A preocupação maior se concentrava em áreas do
Nordeste Brasileiro onde se estruturavam as ligas camponesas de Francisco
Julião e em áreas rurais da Bolívia onde atuava a liderança de Che Guevara.
O governo norte-americano decidiu,
então, organizar e implementar um programa de cooperação técnica e financeira
com países da América Latina que veio a denominar Aliança para o Progresso. O
raciocínio oficial era o seguinte: depois da II Grande Guerra a Europa estava
destruída e os EE.UU conseguiram reerguer os países da Europa Ocidental através
do Plano Marshall que contribuiu decisivamente para reestruturar as suas
economias ao longo de uma década de ajuda financeira. Porque, então, não fazer
um Plano Marshall para a América Latina e erradicar a pobreza e a miséria
regional dificultando “a penetração das ideias socialistas”?
Celso Furtado analisou a proposta
norte-americana e chamou a atenção para a diferença entre países
subdesenvolvidos e países desenvolvidos que, por alguma razão, entraram em
processo de involução ou de retrocesso econômico. Mesmo que os seus indicadores
econômicos e sociais apresentem alguma semelhança ou isomorfia estrutural, a
sua realidade cultural e o seu contexto histórico são profundamente
diferenciados.
As diferenças mais significativas
podem ocorrer quanto à disponibilidade de capitais intangíveis que, à época,
não eram dimensionados ou até mesmo percebidos pelos organismos oficiais de
estatísticas nacionais ou internacionais. Esses capitais incluem o capital
humano, o capital institucional, o capital cultural, o capital cívico, o
capital intelectual.
Assim, Celso Furtado mostrava que, no
caso da Europa, o que fôra destruído durante a II Grande Guerra foi o capital
físico dos países e de suas regiões mas não o seu capital social. Os fluxos de
ajuda financeira do Plano Marshall, ao irrigar com moeda forte as economias
europeias, encontraram populações com grupos sociais e institucionais que, uma
vez revitalizadas, afloraram seu espírito empreendedor, seu nível de informação
e conhecimento, sua capacidade de organização e de planejamento, suas práticas
democráticas de respeito aos assuntos e bens públicos, etc. Imaginem o que
poderia ocorrer com a massa de poderosos recursos financeiros aportados pelos
EE.UU. em regiões da América Latina onde eram comuns as práticas de corrupção
administrativa, a falta de espírito associativista, a incapacidade de
mobilização de recursos latentes para promoção do desenvolvimento sustentável.
É extremamente difícil, pois, o
processo de desenvolvimento de municípios e regiões que entraram num inexorável
processo de involução ou de declínio econômico. A formulação e a implementação
de políticas de desenvolvimento dessas áreas frequentemente não encontram
suporte no capital social de suas populações. Coube a Celso Furtado, ainda nos
anos 1960, destacar a assimetria da involução econômica lembrando que o
desenvolvimento não é um processo perfeitamente reversível, que o retrocesso
não traduz um movimento simétrico ao do progresso ou desenvolvimento e que, se não
levamos em conta essa assimetria, dificilmente poderemos entender certos
processos históricos de interesse na formação da economia moderna ou o fracasso
das políticas públicas para o desenvolvimento da muitas regiões economicamente
deprimidas.
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