José Antônio Bicalho
O drama humano do acidente em Mariana
se sobrepõe a todos os demais. Pessoas foram mortas, feridas, perderam suas
casas e seus meios de subsistência. Num segundo lugar está a questão ambiental,
com o impacto do acidente na vida dos rios Piranga e Doce, e das pessoas que
deles dependem. Na hierarquia dos dramas, a questão econômica aparece lá atrás.
Mas tratarei desta por ser a coluna dedicada à economia e o assunto não ser
irrelevante.
O acidente coloca a Samarco, uma das
maiores empresas de Minas, numa posição dificílima. Ante a enorme dívida da
empresa, parar é coisa impensável. Para pagar seus compromissos, a Samarco
precisa gerar caixa. Do contrário, corre o risco de perder o controle da dívida
em curto espaço de tempo.
Com o rompimento das barragens, a mina
parou. Segundo a empresa, não há previsão de retomada das atividades. As
unidades de pelotização de Ubu, no Espírito Santo, continuam operando apenas
com estoques, suficientes para poucas semanas. Se não for encontrada
alternativa de fornecimento, a empresa toda parará.
Enquanto a roda estava girando, os
resultados da Samarco eram invejáveis. Mesmo com a derrocada do mercado mundial
de minério de ferro, a empresa faturou R$ 7,601 bilhões no ano passado e
alcançou lucro de R$ 2,805 bilhões, uma incrível margem de 37% (lucro líquido
sobre faturamento bruto).
Mas a dívida também é enorme. A
empresa fechou 2014 com uma dívida bruta de R$ 11,648 bilhões, o equivalente a
3,1 vezes a geração de caixa (pelo conceito Ebitda, que é o lucro antes do
pagamento de juros, impostos, depreciação e amortização). Apesar do gigantismo
da dívida, sua relação com a geração de caixa era até confortável. O problema é
que esta geração de caixa, agora, está ameaçada.
A Samarco é uma joint-venture dividida
em partes iguais entre os dois maiores produtores mundiais de minério, a Vale e
a anglo-australiana BHP Billiton. Atua no segmento de pelotas, produto de maior
valor agregado que o minério bruto.
Ao contrário de outras mineradoras,
praticamente não recorre às tradings que dominam o comércio internacional de
minério e praticam preços aviltados, nem tem a China como seu principal
mercado. Possui contratos de longo prazo com consumidores finais espalhados por
20 diferentes países, nos cinco continentes, mas em especial nos Estados Unidos
e na Europa. Estes são, principalmente, siderúrgicas que operam pelo sistema de
redução direta, e que precisam de pelotas com alto teor de ferro e um controle
preciso de contaminantes.
Além da qualidade dos produtos, outro
segredo da Samarco é a logística, uma das melhores e mais baratas do mundo. A
empresa transporta seu minério extraído de Mariana até Ubu por meio de três
linhas independentes de mineroduto. No Espírito Santo, esse minério é
transformado em pelotas em quatro grandes unidades de pelotização.
A empresa não enfrenta problema de
queda de demanda por suas pelotas. Por isso, investiu recentemente na
construção do terceiro mineroduto e na quarta unidade de pelotização. E foi
justamente esse investimento que fez a dívida da Samarco saltar dos R$ 3,369
bilhões de 2010 para os atuais R$ 11,648 bilhões.
Enquanto pode, a estratégia da Samarco
foi alongar o perfil da dívida. Conseguiu fazer isso com facilidade enquanto
exibiu bons resultados e manteve equilibrado o nível de alavancagem previsto
nos contratos com os bancos.
O problema é que tudo mudou desde o
acidente. E, muito provavelmente, algum socorro financeiro de Vale e BHP Billiton
terá que ser negociado.

Nenhum comentário:
Postar um comentário