segunda-feira, 31 de agosto de 2015

COMO GASTAR




  

José Antônio Bicalho




Estava demorando. Na semana passada, com a divulgação do tenebroso resultado das contas públicas em julho (déficit primário de R$ 7,224 bilhões), da queda do PIB no segundo trimestre (-1,9%) e da entrada do país em recessão técnica, o conservadorismo voltou a se agitar. E a sanha se voltou, como sempre, contra os programas sociais e de distribuição de renda e os direitos trabalhistas.

Reunidos em Campos do Jordão (SP), na última sexta-feira, no Congresso Internacional de Mercados Financeiro e de Capitais, a quintessência do liberalismo econômico brasileiro colocou na mesa suas sugestões para cobrir o rombo das contas públicas. Vamos às que mais me preocuparam.

Para o economista Samuel Pessôa, pesquisador do ultraliberal Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas, “a sociedade (deveria) olhar o contrato social e ver que precisa mudar, como por exemplo a idade mínima na Previdência”. Já Affonso Celso Pastore, que participou da mesma mesa redonda, afirmou que “ainda que o governo escolha gastar mais para o bem-estar social, há limites e eles já foram ultrapassados”.

Economia é ciência e os argumentos contra os avanços recentes do ‘contrato social’ e pela redução de direitos trabalhistas podem ser corroborados matematicamente. Mas economia é antes de tudo ciência humana e o componente da justiça social não pode ficar fora das fórmulas que sustentam uma tese, pelo menos não num país tão injusto como o Brasil.

Não entrarei no mérito de quanto os programas de distribuição de renda aplicados nos últimos anos colaboraram para a difícil situação atual das contas públicas. Mas é hipócrita apontar o dedo para os gastos sociais do governo e para os direitos dos trabalhadores antes de corrigir distorções como a aposentadoria diferenciada para funcionários públicos, os salários astronômicos (e ilegais) pagos ao judiciário, os gastos sem controle do legislativo, a não taxação de grandes riquezas, os impostos que recaem mais pesadamente sobre os mais pobres e tantas outras.

É fato que a economia atravessa um momento absolutamente delicado. Mas se formos prescrever um receituário de reformas estruturais é preciso ter em mente que a doença estrutural continua sendo a absurda distribuição de renda e a divisão da sociedade brasileira entre cidadãos de primeira e de segunda categoria. Não se trata de cortar de quem tem pouco, mas de taxar quem tem de sobra.

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