Longas-metragens que
espelham a vida na terceira idade estão em evidência
Paulo Henrique Silva
- Hoje em Dia
Amigas de longa data, Norma Salles, Jane Moreira e Maria Orávia vêm
encontrando bons motivos para tornar cada vez mais frequentes as idas ao cinema.
A “maturidade”, fase da vida ainda cercada de preconceitos e dúvidas, tem
pautado cada vez mais narrativas cinematográficas. Nas últimas semanas, o
público mineiro pôde conferir, por exemplo, filmes como “Uma Longa Jornada”,
“Dólares na Areia”, “Não Olhe pra Trás” e “O Exótico Hotel Marigold 2”, todos
com atores maduros – como Maggie Smith (80 anos), Judi Dench (80) e Bill Nighy
(65)– no elenco.
“O cinema é voltado para o público jovem, mas há um aumento nessa oferta
(a espectadores de outras faixas etárias), com personagens que mostram que é
possível viver bem nessa idade. O que acontece é que ‘saímos da história’, como
diz a protagonista de ‘Marigold 2’, mas há muita coisa para acontecer ainda”,
registra Norma.
“A idade é uma questão de atitude. Quando você tem uma paixão na vida,
permanece jovem”, disse essa semana, em Cannes, Jane Fonda, ao apresentar o
filme Youth” (“Juventude”), do italiano Paolo Sorrentino, descrito como uma ode
à vida e à passagem do tempo.
Novos rumos
Depois de trabalharem juntas como servidoras públicas, hoje, Norma e as
amigas dão novos rumos às suas trajetórias: aos 66 anos, ela atriz, contadora
de histórias e arte-educadora. Jane, 67, viu que era hora de “viver e não ter
vergonha de ser feliz”, como cantava Gonzaguinha. Com 65 anos, Maria, por sua
vez, foi para uma fazenda no interior mineiro, para “aproveitar o ócio diante
da natureza”. É a que mais se aproximaria dos personagens de “Marigold 2”, que
se refugiam na Índia para experimentar uma cultura diferente. No elenco da
sequência está, ainda, Richard Gere, que arranca suspiros das espectadoras com
suas madeixas brancas.
Jane não só aprova esse viés da indústria cinematográfica como também
detecta o interesse crescente que desperta por parte dos mais jovens, “que têm
curiosidade em entender a gente, cada vez em maior número na sociedade”. Ela
destaca que filmes como o francês “Amor” (2012) evidenciam a maneira
diferenciada como europeus veem a “terceira idade”, enxergando não somente
fragilidade, mas também amor – e sabedoria.
‘A vida pulsa, com os caminhos ainda podendo ser mudados’, diz, do alto
de seus 80, Marly
Um dia antes de completar 81 anos, na última terça, Marly Ferraz se deu
de presente uma ida ao cinema com uma das melhores amigas. A escolha de “O
Exótico Hotel Marigold 2” não poderia ser mais inspiradora para quem acredita
que, após oito décadas, “a vida pulsa, com os caminhos ainda podendo ser
mudados”.
MARLY FERRAZ – Frequentadora desde as matinês de Tom & Jeery, nas
décadas de 40 e 50 (Foto: Ricardo Bastos / Hoje em Dia)
Identificação que tende a aumentar, já que o crescimento desse nicho
acompanha o aumento da expectativa de vida da população, além da quebra de um
preconceito: a de que pessoas que já passaram da casa dos 70, 80, preferem
ficar em casa. Na cidade alemã de Bonn, por exemplo, cerca de 50% dos
espectadores de cinema têm mais de 50 anos.
No quesito qualidade, o crítico de cinema João Nunes, do jornal “Correio
Popular”, observa que até nos filmes “mais comerciais” é possível encontrar
abordagens interessantes, citando a sensação de ser intruso na casa do outro de
“O Amor é Estranho” (2014) e a sabedoria da personagem de Judi Dench em “O Exótico
Hotel Marigold”.
Também elogia a crueza sem condescendência de “Amor” e o humor cáustico
do italiano “A Grande Beleza” (2013), filme anterior de Sorrentino, citado no
início da matéria. “A crueza de um Michael Haneke me toca muito mais do que a
decoração de filmes interessados em apenas comover. Haneke não comove,
constrange. E, na realidade, a velhice é muitas vezes constrangedora”, analisa.
O quê de condescendência de parte expressiva de títulos dedicados a este
nicho é o que o incomoda. Segundo João Nunes, cabelos brancos são quase
necessariamente sinal de respeito na telona. “São, muitas vezes, velhos sábios,
bondosos e simpáticos, que deixarão um legado positivo aos jovens”.
“Melhor idade”
O jornalista também desaprova o espírito “melhor idade” – “Expressão
execrável que deveria ser banida do vocabulário, evidenciada nos filmes quando
o idoso é visto como alguém jovial aproveitando a vida”. Um pouco disso poderia
ser localizado na produção argentina “Elsa & Fred”, mas se detecta mais
abertamente em “Última Viagem a Vegas”.
Sobre o filme que reúne Robert de Niro, Morgan Freeman e Michael
Douglas, Nunes lamenta o fato de os personagens serem mostrados como “bobocas”,
ao estilo de filmes ditos “gays” cujos personagens só servem a piadas. “Prefiro
‘Antes de Partir’, sobre a última chance de realizar alguns sonhos”. Ele cita,
ainda, “Nebraska” (2013), em que um filho inventa um jogo para viajar com seu
crédulo pai idoso – e, assim, rever as raízes.
O projeto “Chá no
Cinema”, com foco na terceira idade, estará de volta em breve nas salas da rede
Cineart
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