Operação
Lava-Jato deixa cenário das eleições em 2018 indefinido
AFP
Participação de
importantes políticos na disputa ainda é incerta devido investigações
Os promotores e
juízes da operação 'Lava Jato' estão limpando as fossas do poder no Brasil com
métodos que se mostram eficazes - grampos, prisões preventivas, delações
premiadas -, mas que geram suspeitas de que almejam transformar o Judiciário em
senhor absoluto do País.
O avanço das investigações sobre o esquema de propinas na Petrobras, colocou
nas cordas o presidente Michel Temer (PMDB/SP) e, no outro espectro do campo
político, ameaça o ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010)
com a prisão.
Além disso, os principais ministros de Temer e dezenas de parlamentares também
estão sob investigação. E o juiz federal de primeira instância Sérgio Moro não
hesita em proferir sentenças duras contra políticos e empresários que já
tiveram o destino do País nas mãos.
Para Daniel Vargas, professor de direito público da Fundação Getúlio Vargas
(FGV) do Rio de Janeiro, os jovens juristas que, de Curitiba, desmontam as
redes criminosas encasteladas no Estado "têm um protagonismo político
inegável" e "conseguem pautar a agenda política mais do que
ninguém".
Além disso, compartilham "uma visão de país com um inimigo: a política. Na
visão deles, a política está infestada com o vírus da corrupção", disse
Vargas à AFP.
A força-tarefa da 'Lava Jato' é comandada pelo procurador da República Deltan
Dallagnol, que não se limita a comentar processos penais, mas "faz
discursos sobre como o Brasil deveria ser", acrescentou.
Dallagnol: política no sentido amplo
Para Dallagnol, o impacto político da 'Lava Jato' se deve a que "a investigação
revelou que a corrupção não se restringe a um ou outro partido político, mas
está hoje disseminada no próprio sistema".
"Evidentemente, quando se comprova no contexto judicial que relevantes
figuras políticas praticaram corrupção, as informações e provas podem ser
apropriadas e usadas em outros cenários e por outros atores, inclusive
políticos, mas isso escapa do contexto da atuação dos agentes da Polícia,
Ministério Público e Judiciário", explicou Dallagnol em e-mail enviado à
AFP.
O cientista político André Singer, que foi assessor de Comunicação
Internacional no primeiro mandato de Lula, refere-se aos juízes e procuradores
de Curitiba como o "partido da justiça", uma expressão refutada pelos
principais interessados.
"Não vejo um 'partido da justiça'", afirma Dallagnol. Para ele,
percebem-se esforços de entidades civis, cidadãos, órgãos e agentes públicos
contra a corrupção.
"O Ministério Público Federal foi uma das instituições que oficialmente
apoiou esse processo (...) Isso se trata de uma atividade institucional e
cívica, que pode ser interpretada como política apenas no amplo sentido (...),
mas não no sentido de 'política partidária'", acrescenta o procurador.
Moro, um ícone para grande parte da população, nega qualquer ambição política.
Mas mesmo assim seria um dos únicos brasileiros capazes de derrotar Lula se
disputasse com ele um segundo turno eleitoral, segundo pesquisa Datafolha de 30
de abril.
'Tradição de impunidade'
Silvana Batini,
procuradora regional da República no Rio de Janeiro, acredita que os
procuradores, o juiz Moro e o Supremo Tribunal Federal (STF, instância
encarregada de julgar os casos de políticos com foro privilegiado) têm feito
simplesmente o que se esperava da Justiça há muito tempo.
O Brasil tinha "uma tradição de impunidade para o crime de colarinho
branco"; mas desde o início da 'Lava Jato', "pela primeira vez na
história do Brasil temos rompido com a barreira que blindava uma classe
toda", explica Batini à AFP.
Duas das principais ferramentas da ofensiva judicial - e as mais criticadas -
são as prisões preventivas e as delações premiadas, que permitiram encurralar
tanto Lula quanto Temer.
Temer teve a conversa gravada por um dos donos da gigante da proteína animal,
JBS, Joesley Batista, que contou ao presidente, aparentemente sem lhe provocar
qualquer reação, sobre as propinas que pagava para se manter a salvo da 'Lava
Jato'.
No ano passado, um grupo de mais de cem advogados publicou um manifesto
comparando a 'Lava Jato' a uma "inquisição ou neoinquisição",
sustentando que a investigação já tem destaque na história do Brasil "no
plano do desrespeito a direitos e garantias fundamentais dos acusados".
Batini afirma, ao contrário, que os procedimentos usados se inscrevem dentro da
Constituição, embora tenham "certos aspectos difíceis de aceitar", e
que o STF atua como "garantidor" de que o País não se afaste desta
via.
Panorama indefinido para 2018
Enquanto isso, os eleitores brasileiros se perguntam quem vai sobreviver e quem
vai se beneficiar politicamente da tsunami provocada pela 'Lava Jato'.
Personagens com discursos anti-establishment ganham popularidade, como o
deputado federal de ultradireita Jair Bolsonaro (PSC/RJ) ou o empresário João
Doria (PSDB/SP), que em outubro foi eleito prefeito de São Paulo com um
discurso de bom gestor.
"Todos estamos apreensivos pelo que vai acontecer", admite Batini.
"Mas o Brasil já tem instituições muito fortes. Não existem hoje aventuras
buscando soluções fora da Constituição, fora da institucionalidade",
tranquiliza-se a procuradora.