segunda-feira, 30 de novembro de 2015

RECESSÃO INDUZIDA



  

Paulo Haddad


Não resta a menor dúvida de que após a profunda desorganização das finanças do governo federal no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, o Brasil precisa passar por rigoroso processo de ajuste fiscal para resgatar o ambiente de crescimento da economia. Mas não existe um modelo que se adapte a todo e qualquer contexto econômico. Corte despesas, aumente impostos, elimine déficits fiscais e o crescimento virá por acréscimo! Não é tão simples assim. Modelos econômicos requerem discernimento histórico, pois diferentes modelos produzem diferentes resultados.

O enredo do atual modelo de ajuste fiscal pode ser desenhado de forma sintética didaticamente. Trata-se de um ajuste que segue a doutrina da consolidação fiscal expansionista formulada principalmente pela Escola de Economia da Universidade Bocconi de Milão, fundada por Luigi Einaudi. Em resumo: destaca que medidas tomadas por um programa de consolidação fiscal destinado a reduzir a participação (e a tributação) do governo e da sua dívida no PIB têm um efeito indireto sobre as expectativas de consumidores e de investidores que promoverão uma expansão econômica maior do que a contração causada pelos indispensáveis cortes orçamentários. Reduções nas despesas públicas promovem o crescimento econômico pela confiança que geram no consumo privado e nos investimentos empresariais. É a origem italiana do modelo da austeridade expansionista, impregnado por uma desconfiança sobre a intervenção do Estado na economia e dentro do moderno pensamento neoliberal.

No contexto da economia brasileira, há muitos dilemas que se sobrepõem ao sucesso desse roteiro. Em primeiro lugar, o nosso déficit fiscal acumulado na dívida pública é estrutural e sua mitigação significativa depende dos processos de reformas microeconômicas, previdenciárias, trabalhistas, fiscais. Processos difíceis de serem consensualizados e implementados dado o nível de subdesenvolvimento político do país, constrangido pelo fisiologismo, clientelismo e corrupção em segmentos importantes da base de sustentação legislativa do Poder Executivo.

Em segundo lugar, um programa de ajuste fiscal que não reduz a inflação e que aumenta o desemprego não é capaz por si só de transformar as expectativas e o nível de confiança de quem consome, de quem produz e de quem investe. O índice de sacrifício da população, que mede a perda cumulativa de emprego e de renda necessária para reduzir a inflação, atingirá o seu máximo no início de 2016. Essa recessão induzida será politicamente tolerável para uma população que chegou a experimentar as benesses de um ciclo de prosperidade recente?

Finalmente, os ganhos das políticas sociais compensatórias da última década tendem a ser levados para o ralo da história pela concepção simplista de um programa de ajuste marcado pela dimensão casuística das suas ações, as quais vão acontecendo sem a intensidade indispensável e com uma cadência política errática.

Enquanto isso, os 10% mais ricos da população vão multiplicando geometricamente a sua renda e a sua riqueza premiados pelas taxas de juros mais elevadas da economia mundial. E os grupos sociais menos favorecidos vão perdendo posição relativa: menor poder aquisitivo de sua renda, menores oportunidades de emprego e menor acesso aos serviços públicos.

Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia em 2001, lançou livro em que analisa a grande divisão em sociedades desiguais como a nossa. Mostra que o nível de desigualdade não é inevitável; que não é resultado de leis inexoráveis da economia; que é um assunto de política e de políticas públicas. Mais importante: que uma economia terá maior estabilidade e maior crescimento sustentado se a maioria dos cidadãos perceber suas rendas e seu bem-estar social progredirem.

RUI BARBOSA RETRATA A DESILUSÃO ATUAL DO POVO BRASILEIRO



  

Eduardo Costa



Muitas vezes já ouvimos e reproduzimos a frase de Ruy Barbosa que trata de sua desilusão diante da capacidade humana de trair, roubar, fingir e enganar. Por falta de ânimo para escrever sobre otimismo e para não repetir tudo o que temos dito ao longo dos últimos meses, sobretudo nas últimas semanas e, mais especialmente, nos últimos dias, decidi reproduzir aqui, hoje, a íntegra do texto que contém a frase famosa. Ruy Barbosa estava frustrado com o novo regime de governo, em seguida à deposição do imperador Dom Pedro II. É impressionante a atualidade do texto, o que nos dá dois consolos: podemos acreditar que a crise passa e, por extensão, dar mais um pouco de crédito aos que atribuem nossas vicissitudes do momento um rearranjo do planeta, com a raspagem do tacho, a faxina geral a fim de preparar o cenário de dias melhores. A íntegra do clássico texto de Ruy Barbosa:

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto... Essa foi a obra da República nos últimos anos.

No outro regime (monarquia) o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre – as carreiras políticas lhes estavam fechadas. Havia uma sentinela vigilante, de cuja severidade todos se temiam a que, acesa no alto, guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade gerais.

Na República os tarados são os tarudos. Na República todos os grupos se alhearam do movimento dos partidos, da ação dos Governos, da prática das instituições. Contentamo-nos, hoje, com as fórmulas e aparência, porque estas mesmo vão se dissipando pouco a pouco, delas quase nada nos restando. Apenas temos os nomes, apenas temos a reminiscência, apenas temos a fantasmagoria de uma coisa que existiu, de uma coisa que se deseja ver reerguida, mas que, na realidade, se foi inteiramente.

E nessa destruição geral de nossas instituições, a maior de todas as ruínas, Senhores, é a ruína da justiça, colaborada pela ação dos homens públicos, pelo interesse dos nossos partidos, pela influência constante dos nossos Governos. E nesse esboroamento da justiça, a mais grave de todas as ruínas é a falta de penalidade aos criminosos confessos, é a falta de punição quando se aponta um crime que envolve um nome poderoso, apontado, indicado, que todos conhecem...”


sábado, 28 de novembro de 2015

NÃO TÔ NEM AÍ



  

*Aristoteles Atheniense

 

Desde que ressurgiu na cena política com o visível propósito de assegurar a sua presença na eleição de 2018, Lula mostrou-se ainda mais arrojado em seus pronunciamentos. Não lhe interessa ordenar o que pensa, nem medir as palavras desencontradas que emite. Importa-lhe, sim, estimular os seus seguidores, incitando-os em manifestações que lhe possam render aplausos dos asseclas.

Diante da plateia do 3º Congresso Nacional da Juventude do PT, realizado em Brasília, enfatizou que “entre o desejo ideológico partidário e o mundo real da política há uma distância enorme”. Com isto, pretendeu justificar o fato de até hoje se encontrar atrelado ao PMDB, inobstante as reiteradas divergências havidas entre o Planalto e as presidências do Senado e da Câmara dos Deputados.

Em sua arenga, ressaltou a necessidade de ajudar a companheira Dilma “a sair da encalacrada situação” a que foi levada pela oposição e “setores da imprensa e da sociedade”, que estão empenhados em denegrir a imagem do PT. O seu arroubo foi condensado nessa extravagante proposta: “Seria maravilhoso, mas, em não sendo maravilhoso, a gente tem de fazer aliança. Ah, como seria bom se a Dilma, sozinha, pudesse votar tudo e tivesse 257 votos no Congresso!”

Ao considerar as investigações da Lava Jato, formulou esta indagação: “Será que o Vaccari, inteligente do jeito que é, não poderia ir uma vez só no cofre do dinheiro bom, pegar um pouquinho e deixar o PSDB correr no da propina?”

Desde a fundação do PT, em fevereiro de 1980, na malograda greve de abril no ABC, Lula tornou-se o arauto de novas propostas para o Brasil. Estas importariam na redução das desigualdades, na elevação do salário real, na renovação da legislação trabalhista, no saneamento da estrutura sindical. Na formulação deste ideário, contou com ajuda do advogado trabalhista Almir Pazzianotto Pinto, que veio a ser, mais tarde, ministro do TST.

Em discurso pronunciado no Planalto, em 2004, na apresentação do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo, Lula emitiu essa singularidade: “Eu tinha um advogado chamado Almir Pazzianotto Pinto, que depois foi ministro do Trabalho, e eu vivia discutindo com ele o seguinte: ‘olhe, eu não quero advogado para dizer o que eu tenho que fazer. Eu quero advogado para me livrar depois que eu fizer’”.

Com essa excentricidade deixou evidente não ter nenhum compromisso com a ética, com a lei, optando pela assistência jurídica de um advogado que pudesse salvá-lo dos imbróglios em que se metesse. Explica-se, assim, o conceito que fez do mensalão, da Lava Jato, da operação Zelotes e de outras sindicâncias que ainda possam surgir. A seu ver, o importante é contar com a omissão do Executivo e a complacência do Congresso Nacional.

No próximo ano, teremos eleições em 5.570 municípios, quando o lulopetismo lançará mão de todos os recursos, fazendo valer o refrão de que os fins justificam os meios. Certamente, Lula exercerá um papel de destaque nesse processo, como já vem fazendo, ao sustentar que a punição aos corruptos, quando ocorrer, deverá ser feita com muita cautela, evitando que as empresas penalizadas sejam levadas a quebradeira.

Será um disfarce, a mais, a que recorrerá visando não ser incluído no rol daqueles que dilapidaram a Petrobras, mediante artifícios vergonhosos que, tanto ele como a sua sucessora, não tinham conhecimento.

Na percepção que tem do Brasil, o que importa é salvar os seus aliados e não restaurar a seriedade pública comprometida pela ação nefasta dos que assumiram o poder, adotando-o como a imagem capaz de assegurar ao país a estabilidade de que hoje carecemos.

*Advogado e conselheiro nato da OAB, diretor do IAB e do IAMG, presidente da AMLJ

UM RIO QUE PASSOU NA MINHA VIDA



  

José Eutáquio de Oliveira




O rio que passou na minha vida não foi o ribeirão Arrudas, e sim ribeirão do Carmo. Que nasce na serra do Espinhaço em Ouro Preto, vira ribeirão do Carmo em Mariana e, antes de bater no mar, encontra-se com o rio Piranga para formar o rio Doce. Conheci o rio que passou na minha vida ainda muito criança em Furquim, distrito de Mariana, lugar que assistiu ao nascimento da família de meu pai, Francisco Martins de Souza, fruto da união do marceneiro João de Souza Cunha com a senhorinha Maria Martins de Souza.

Todos os novembros, dezembros, janeiros e fevereiros de minha infância passávamos – a família Martins de Souza – no Furquim, na casa do tio Moisés (sacristão que tomava conta da igreja e da imagem do Senhor Bom Jesus), irmão do meu avô. Eu, ainda muito criança, comecei a passar as férias escolares em Furquim (início da década de 1950). Naquele tempo ainda não havia a estrada de rodagem que liga BH a Vitória. Viajávamos na Maria Fumaça da Central do Brasil, que ligava BH a Ponte Nova, de onde saía o tronco que ligava Minas ao Rio de Janeiro e o outro que ligava o estado ao Espírito Santo.

Era um sofrimento que demorava mais de dez horas e, em minha cabeça de criança, Furquim parecia estar em outra galáxia. Que se transformava no paraíso, onde se podia jogar bola e soltar papagaio à vontade na Praça da Estação ou no campo do Nacional, às margens do ribeirão do Carmo. O rio que passou na minha vida já era barrento quando o conheci. Cor parecida com a da lama assassina da Samarco. “Essa sujeira vem de Outro Preto, causada pelas fábricas de tinta da família Gianneti, pela Alcan (que depois virou Noveli e já não existe mais em Minas) e as mineradoras”, bradava meu pai, xingando Getúlio Vargas de negligente com os “tubarões da indústria”. Por conta do barro e dos agentes químicos que poluíam o Carmo, meu pai e meus tios nos proibiam de nadar e pescar no rio.

Mas como tudo que é proibido é mais gostoso, depois dos rachas no campo do Nacional, nadávamos e pescávamos no rio de barro e remansos perigosos. Moleques ambiciosos, aventurávamos minerar nas margens de areias negras e amarronzadas do Carmo, em busca de ouro e topázio nunca encontrados. Essas lembranças vieram-me à mente quando tomei conhecimento da tragédia de Bento Rodrigues e do comportamento das autoridades diante do fato. Pior foi constatar que essa atitude é antiga (desde meus tempos de criança) e persistente.

Ambientalistas disseram em 2014 que o Doce é o décimo rio mais poluído do Brasil e o consideraram à beira da morte. Foi o que também constatou o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA– que mediu o nível limite de coliformes termotolerantes e apurou que ele está 5.172% acima do permitido pela legislação. Uma situação gravíssima segundo Rafael Resck, mestre em recursos hídricos, suspeitando que a contaminação química já tivesse atingido os peixes do Doce. Ninguém fez nada na época. Nem o governo federal, nem o de Minas, tampouco o Congresso Nacional e as prefeituras municipais.

Dizia Otto Lara Resende que mineiro só é solidário no câncer. O desastre de Mariana ensina que devemos nos unir para evitar que os responsáveis pelos crimes ambientais continuem a nos enganar e matar. Quem sabe assim os rios voltariam a passar vivos e saudáveis pelas nossas vidas. E nossos corações novamente deixariam se levar por eles.

30 ANOS DE ASSINATURA DO PLANO REAL E A REFORMA TRIBUTÁRIA ATUAL

  30 anos de assinatura do Plano Real ...