sábado, 28 de novembro de 2015

UM RIO QUE PASSOU NA MINHA VIDA



  

José Eutáquio de Oliveira




O rio que passou na minha vida não foi o ribeirão Arrudas, e sim ribeirão do Carmo. Que nasce na serra do Espinhaço em Ouro Preto, vira ribeirão do Carmo em Mariana e, antes de bater no mar, encontra-se com o rio Piranga para formar o rio Doce. Conheci o rio que passou na minha vida ainda muito criança em Furquim, distrito de Mariana, lugar que assistiu ao nascimento da família de meu pai, Francisco Martins de Souza, fruto da união do marceneiro João de Souza Cunha com a senhorinha Maria Martins de Souza.

Todos os novembros, dezembros, janeiros e fevereiros de minha infância passávamos – a família Martins de Souza – no Furquim, na casa do tio Moisés (sacristão que tomava conta da igreja e da imagem do Senhor Bom Jesus), irmão do meu avô. Eu, ainda muito criança, comecei a passar as férias escolares em Furquim (início da década de 1950). Naquele tempo ainda não havia a estrada de rodagem que liga BH a Vitória. Viajávamos na Maria Fumaça da Central do Brasil, que ligava BH a Ponte Nova, de onde saía o tronco que ligava Minas ao Rio de Janeiro e o outro que ligava o estado ao Espírito Santo.

Era um sofrimento que demorava mais de dez horas e, em minha cabeça de criança, Furquim parecia estar em outra galáxia. Que se transformava no paraíso, onde se podia jogar bola e soltar papagaio à vontade na Praça da Estação ou no campo do Nacional, às margens do ribeirão do Carmo. O rio que passou na minha vida já era barrento quando o conheci. Cor parecida com a da lama assassina da Samarco. “Essa sujeira vem de Outro Preto, causada pelas fábricas de tinta da família Gianneti, pela Alcan (que depois virou Noveli e já não existe mais em Minas) e as mineradoras”, bradava meu pai, xingando Getúlio Vargas de negligente com os “tubarões da indústria”. Por conta do barro e dos agentes químicos que poluíam o Carmo, meu pai e meus tios nos proibiam de nadar e pescar no rio.

Mas como tudo que é proibido é mais gostoso, depois dos rachas no campo do Nacional, nadávamos e pescávamos no rio de barro e remansos perigosos. Moleques ambiciosos, aventurávamos minerar nas margens de areias negras e amarronzadas do Carmo, em busca de ouro e topázio nunca encontrados. Essas lembranças vieram-me à mente quando tomei conhecimento da tragédia de Bento Rodrigues e do comportamento das autoridades diante do fato. Pior foi constatar que essa atitude é antiga (desde meus tempos de criança) e persistente.

Ambientalistas disseram em 2014 que o Doce é o décimo rio mais poluído do Brasil e o consideraram à beira da morte. Foi o que também constatou o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA– que mediu o nível limite de coliformes termotolerantes e apurou que ele está 5.172% acima do permitido pela legislação. Uma situação gravíssima segundo Rafael Resck, mestre em recursos hídricos, suspeitando que a contaminação química já tivesse atingido os peixes do Doce. Ninguém fez nada na época. Nem o governo federal, nem o de Minas, tampouco o Congresso Nacional e as prefeituras municipais.

Dizia Otto Lara Resende que mineiro só é solidário no câncer. O desastre de Mariana ensina que devemos nos unir para evitar que os responsáveis pelos crimes ambientais continuem a nos enganar e matar. Quem sabe assim os rios voltariam a passar vivos e saudáveis pelas nossas vidas. E nossos corações novamente deixariam se levar por eles.

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