Farra de político mineiro
na mira de Rodrigo Janot
Thiago Ricci - Hoje
em Dia
Janot questiona a
inovação indevida promovida pelo tribunal mineiro
Uma brecha aberta exclusivamente no Tribunal de Contas do Estado de
Minas Gerais (TCE-MG) para proteger políticos fraudulentos está na lista negra
do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O chefe do Ministério Público
Federal protocolou Ação Direta de Inconstitucionalidade para revogar normas que
descartam denúncias ou mesmo autuações em casos ocorridos, de maneira geral, há
mais de cinco anos.
Conforme um dos textos que norteiam o procedimento, em vigor desde 2011,
o presidente do TCE-MG “não admitirá denúncia ou representação nem determinará
a autuação de processos quando verificar a ocorrência de prescrição ou
decadência”.
Portanto, qualquer denúncia de fraude de gestor público ou
irregularidade de servidores ocorrida há mais de cinco anos deve ser
descartada. “O regramento constitui inovação indevida do constituinte derivado
mineiro, porquanto não possui correspondência no modelo federal de configuração
das cortes de contas”, argumenta Rodrigo Janot na ação.
“Ao dispor sobre fiscalização contábil, financeira e orçamentária da
União, a Constituição da República não trouxe regras de prescrição e
decadência, limitadoras das atribuições fiscalizatórias do tribunal de contas”,
afirma.
O procurador-geral da República alega que, nem mesmo ao estatuir a Lei
Orgânica do Tribunal de Contas da União, essas regras foram incluídas. E
conclui que a “inovação contida na Constituição mineira afronta” a Federal.
Hoje, a estimativa é a de que existam dezenas de milhares de processos
no chamado passivo do TCE-MG.
A ADI se originou de representação encaminhada por integrantes da Procuradoria
da República em Minas e do Ministério Público no TCE em Minas. “A prescrição e
a decadência violam vários princípios, como impessoalidade, legalidade,
proporcionalidade e moralidade”, diz a procuradora Maria Cecília Borges, do MP
de Contas.
Na ADI, o governo de Minas e a Assembleia Legislativa são intimados.
Procurados, ambos preferiram não se manifestar até serem notificados
oficialmente.
Ação ataca ‘princípio da segurança jurídica’ defendido por lei
O argumento sobre o qual a mudança na Lei Orgânica do TCE-MG se
sustenta, o princípio de segurança jurídica, foi atacado na ADI protocolada por
Janot e os procuradores mineiros que provocaram a ação.
“O princípio da segurança jurídica deve soar forte, sem dúvida, nas
relações entre particulares e nas hipóteses em que se evidencia necessário
resguardar o indivíduo de eventuais abusos praticados pelo Estado. Mas, afinal,
o que configuraria, na vertente hipótese de imprescritibilidade, o abuso do
Estado contra o indivíduo? Nada, no nosso entender”, diz trecho da ação de
Janot.
“Não há nenhum abuso em não se impor uma limitação temporal à
possibilidade de se buscar a recomposição da coisa pública lesada por ato
ilícito do próprio indivíduo. Invocar a garantia da segurança jurídica do
indivíduo face ao Estado, nessa hipótese, representa legitimar ato praticado
por esse indivíduo contra o interesse e o bem-estar de todos”.
Já o procurador-geral do MP de Contas, Daniel Guimarães, não vê
inconstitucionalidade na legislação mineira. “Não quer dizer que o TCE-MG não
possa punir, apenas estabelece um prazo. Um gestor não pode aguardar
eternamente para ser julgado. E há a exceção para quando existe dano ao erário.
Nessa hipótese, o tribunal pode agir a qualquer tempo”.
A procuradora Maria Cecília Borges questiona essa possibilidade. “Como
identificar que existe dano ao erário se os casos com mais de cinco anos não
são devidamente analisados? A segurança jurídica passa justamente por não
tratar dois casos iguais de forma diferente, como um gestor que não é punido
por uma questão temporal”.