Livro derruba mitos e
mostra como os números podem revolucionar o futebol
Jones
Rossi
Do UOL, em São Paulo
Repare bem. Nenhum escanteio cobrado pelo Barcelona é lançado diretamente na
área. O time prefere cobrar para alguém perto da linha de fundo e dali iniciar
alguma jogada de ataque. A ideia não é obra do acaso, ou mera preferência do
treinador argentino Tata Martino.
A equipe na verdade está aceitando o que dizem os números: mais escanteios
não significam mais gols, não adianta comemorar quando seu time consegue aquele
tiro de canto aos 45 minutos do segundo tempo. É o que dizem Chris Anderson e
David Sally, autores do livro
Os Números do Jogo - Por que tudo o que você
sabe sobre futebol está errado (Ed. Paralela, 362 páginas). Segundo
análise dos autores feita levando em contra 134 partidas da Premier League
(1.434 escanteios), um time faz um gol de escanteio a cada dez jogos, ou seja,
89% das finalizações a gol geradas pelos escanteios são desperdiçadas.
Os escanteios são apenas apenas a parte vísivel do iceberg de números que
Anderson, ex goleiro de um time de quarta divisão da Alemanha, mas hoje um
respeitado professor de estatística na Universidade Cornell, nos Estados
Unidos, e Sally, ex-jogador de beisebol e atualmente professor na Escola de
Negócios da Faculdade Dartmouth, em New Hampshire, mostram estar se tornando
cada vez mais comum no oceano do futebol.
O exemplo do escanteio do Barcelona (não aplicável a todos os times,
obviamente) chama a atenção justamente por se pensar que o futebol era, ao
contrário de esportes como basquete, beisebol e futebol americano, incapaz de
ser quantificável, fluído demais para ser resumido em números. O livro mostra
que essa percepção está errada. Há técnicos, times e empresas, inclusive no
Brasil, usando todos os recursos possíveis para deixar o mínimo possível
relegado ao imponderável (que, segundo os autores do livro, corresponde a 50%
do resultado).
"Os técnicos vão ter de ceder para encontrar novas maneiras de
ganhar"
Veja o exemplo do técnico David Moyes - hoje no Manchester United - ainda em
seus tempos de Everton (o livro foi finalizado pouco antes do fim da temporada
passada na Europa, antes de algumas transferências). Antes de um jogo, sua
equipe examinava pelo menos cinco partidas anteriores do rival, compilando
relatórios estatísticos e combinando-os com os dados de programas que monitoram
as ações dos rivais em campo. "Usando dados e vídeos, observam o estilo,
forma de jogar, forças e fraquezas, posicionamento, pontos fracos e defesas dos
adversários. Tudo isso é apresentado a Moyes, que condensa os números e
apresenta à equipe", contam os autores.
Há programas atualmente que fazem o trabalho pesado para as comissões
técnicas. Aferem o número de toques dados por um jogador, finalizações erradas,
certas, quantos quilômetros correu, por que faixas do campo mais esteve, a
velocidade… nada passa desapercebido.
A primeira empresa a fazer isso no futebol foi a inglesa Opta Sports, em
1990, medindo o índice de desempenho de jogadores: passes, chutes e defesas, em
videocassetes. Hoje softwares como Amisco e Prozone utilizam câmeras instaladas
acima do campo que seguem os jogadores para mostrar o quanto eles correram e a
que velocidade, entre outras informações. O livro mostra como o futebol está
entrando, aos poucos, no reino da informação.
Um dos primeiros clubes do Brasil a fazer esse tipo de trabalho foi o
Botafogo, em 2009, ainda sob o comando do técnico Ney Franco. Hoje são três
profissionais que trabalham no Centro de Inteligência do Clube, sob a
coordenação do analista de desempenho Marcelo Xavier. "Fora do Brasil são
de nove a 12 pessoas trabalhando em média", diz Xavier. A Udinese, time de
médio para pequeno da Itália, conta com 50 pessoas para fazer análise estatística
e de vídeo no mundo inteiro. Nas últimas três temporadas, ficou entre os cinco
primeiros no Campeonato Italiano.
No Brasil, por enquanto, os clubes sequer possuem uma nomeclatura definida
para quem faz esse tipo de trabalho. Mas, ao contrário do que pode parecer,
onde o trabalho já está estabelecido ele é bem aceito pelos jogadores e pelos
técnicos, que não temem a chegada dos números. "O Seedorf já tinha essa
cultura", conta Xavier. "Mas quando chego para trabalhar os outros
jogadores vêm com pendrives para eu passar os números deles."
Quanto ao treinador, a aceitação é ainda maior. "Ele é o que mais
utiliza as informações", diz Xavier, que também sobre com o calendário
apertado do futebol brasileiro. "Às vezes ficamos até às três horas da
manhã compilando tudo. Dois dias entre um jogo e outro é muito pouco
tempo", reclama.
Mas,como o escanteio na área abandonado pelo Barcelona, vale a pena quando
um lance treinado à exaustão com base nos números acaba virando gol. "A
gente se sente parte disso", diz Xavier.
A nova meta de Xavier é criar discípulos de seu trabalho. Um deles, Thiago
Larghi, ex-Botafogo, hoje é analista de desempenho da seleção brasileira e
trabalha diretamente com Carlos Alberto Parreira. Formado em educação física na
UERJ, Xavier se reuniu recentemente com membros da universidade para criar uma
disciplina eletiva de análise de desempenho. Ele quer ver mais Thiagos Larghis.
"É o mercado mais exponencial do futebol brasileiro."