História de Paula Adamo Idoeta – Da BBC News Brasil em Londres

Estudante em aula de matemática em Cingapura© Getty Images
O que os países que se saem melhor no ensino da matemática têm a ensinar ao Brasil?
Um estudo americano, chamado Pensando a matemática de modo diferente (em
tradução livre), traz pistas sobre projetos bem-sucedidos no ensino de
uma disciplina que ainda enfrenta resistência e dificuldades de muitos
estudantes.
O estudo usa como referência a edição mais recente do exame
internacional Pisa, realizado pela Organização para a Cooperação em
Desenvolvimento Econômico (OCDE) com alunos de 15 anos em mais ou menos
80 países e territórios.
O Pisa é considerado a principal ferramenta para comparar o desempenho dos países na educação.
Os países e regiões mais bem colocados no ensino da matemática
atualmente são Cingapura, Macau e Taipei, na China, Hong Kong, Japão,
Coreia do Sul, Estônia, Suíça e Canadá.
Já a pontuação dos alunos do Brasil ficou em 65° lugar, abaixo da média da OCDE. Até mesmo o estrato de alunos 25% mais ricos do Brasil ficou abaixo desta média.
Outra avaliação mais recente, a do Ideb, apontou que os alunos
brasileiros, em média, concluem o ensino médio sem conhecimento
suficiente para calcular porcentagens ou resolver problemas matemáticos.
5 lições dos países campeões no ensino da matemática© BBC
O bom ensino da matemática é considerado crucial no mundo moderno.
“Ao longo da vida, um jovem terá que atualizar, ampliar e direcionar
suas habilidades profissionais múltiplas vezes, e há certos conjuntos de
habilidades que terão um poder permanente nisso. A matemática
certamente é uma dessas habilidades”, diz Vicky Philips, executiva-chefe
do NCEE, Centro Nacional de Educação e Economia (NCEE), dos Estados
Unidos.
O NCEE é responsável pelo estudo destrinchando a educação nos países
mais bem-colocados no Pisa. Em entrevista com a BBC News Brasil, Vicky
Philips e Tracey Burns, porta-vozes da organização, destacam cinco
características de países bem-sucedidos no ensino da matemática.
Confira a seguir, junto a uma análise de o que o Brasil pode aprender com elas:
1- Foco em cálculo, estatísticas e probabilidades
O domínio pleno da capacidade de calcular é uma das principais
prioridades nos países campeões do ensino da matemática. E muitos deles
ensinam conceitos relacionados a cálculo, estatística e probabilidade
cada vez mais cedo, logo nas primeiras séries.
O currículo dos alunos coreanos, por exemplo, tem sido atualizado com
frequência para incluir aulas como modelagem estatística e matemática
voltada a profissões.
Na província canadense de Ontário, um novo currículo de matemática agregou educação financeira, uso de dados e infográficos.
No Canadá, o currículo oficial prevê incorporar alguns conceitos a brincadeiras e a questões da vida real.
Isso varia conforme a idade, mas inclui desde brincar com a régua pra
medir distâncias até ajudar as crianças a criar um orçamento prevendo
quanto dinheiro elas têm que economizar pra comprar um livro ou
videogame, por exemplo.
“Na verdade, se você perguntar a um aluno da pré-escola (de Ontário):
‘você teve aula de matemática hoje?’, ele provavelmente dirá não,
porque ele estava simplesmente brincando com água ou com volumes”,
explica Tracey Burns, chefe de pesquisas do NCEE.
“É parte da brincadeira, mas uma parte muito intencional, para
reforçar essas habilidades e romper parte da resistência que as pessoas
têm perante a Matemática com M maiúsculo”.
2 – Matemática permeia outras disciplinas
Além disso, o ensino da matemática não está limitado à aula de matemática em si, mas sim permeia todo o currículo.
A Estônia criou projetos para integrar a matemática a outras aulas,
com estratégias detalhadas para serem usadas por cada professor.
Nas aulas de linguagem, por exemplo, os alunos têm de transformar gráficos e tabelas em texto.
Nas aulas de música, eles aprendem a representar a duração de notas musicais.
E nas aulas de educação física, eles aprendem a comparar desempenhos esportivos.
Na Finlândia, outro país que tradicionalmente se destaca na educação,
alunos de 11 anos foram convidados a projetar uma mini-cidade, escolher
suas profissões e agir como consumidores e cidadãos no projeto.
São estratégias que, na visão das especialistas do NCEE, ajudam a dar
sentido pra matemática e diminuir a rejeição e a ansiedade dos alunos
diante de números e fórmulas.
“Quando integramos (a matemática) a outras disciplinas, e não vemos a
matemática apenas sob a ótica do professor de matemática, e temos
alunos aprendendo a matemática tanto no ambiente formal escolar, quanto
em oportunidades informais, tudo isso contribui para que as crianças
vejam a matemática como envolvente, interessante e relevante”, avalia
Vicky Philips.

Na Finlândia (acima) e em outros países referência em educação, o ensino da matemática permeia todas as disciplinas© EPA
3 – Em alguns países, aulas curtas e mais intervalos
Uma lição talvez contraintuitiva de alguns dos países campeões da
matemática é de que as aulas são relativamente curtas e têm vários
intervalos.
Na Estônia e em regiões da China, por exemplo, aulas de matemática e
outras disciplinas têm entre 40 e 45 minutos, com intervalos de 10 a 15
minutos depois de cada aula.
Pra efeito de comparação, as horas-aula no Brasil costumam ter entre 40 a 60 minutos.
O objetivo das aulas mais curtas, segundo Tracey Burns, vem da percepção de que a capacidade de atenção dos alunos é limitada.
“Isso é conectado ao entendimento do desenvolvimento infantil e,
especificamente para crianças pequenas, sua capacidade de atenção – e
como aprender se você está ansioso, inquieto, com fome? É fundamental
reconhecer que seres humanos têm uma capacidade finita de atenção e, se
você está cansado, não aprende tão bem quanto quando não está”, diz ela.
“Não é algo uniforme, e alguns países ainda têm aulas bem longas”,
aponta Burns. “Uma mistura de aulas longas com curtas costuma ser a
opção preferida de muitos sistemas. (Mas) uma das coisas que nossas
análises mostram é que é algo muito intencional.”
4 – Professores supercapacitados em profissão concorrida

Em países como Cingapura, professores ocupam uma posição socialmente conceituada e têm salários elevados© Getty Images
Um ponto essencial dos países com os melhores sistemas de ensino do mundo é a valorização dos professores.
O exemplo mais conhecido disso é Cingapura, onde o professor ocupa
uma posição socialmente conceituada e é bem remunerado. Por isso, passa
por processos seletivos rígidos.
“Em Cingapura, candidatos à licenciatura precisam ter um bom
histórico acadêmico e são avaliados até em atributos pessoais, como a
paixão por ensinar”, diz o relatório do NCEE.
“Professores de matemática dos ensinos fundamental e médio têm dois
bacharelados, em ciências da matemática e em pensamento computacional e
educação”
Além disso, os professores de Cingapura e de outros países campeões
da matemática são apoiados por amplos programas de capacitação e
mentoria – e também por currículos bem alinhavados e objetivos claros,
segundo o NCEE.
“Eles [países] também oferecem materiais instrutivos de alta qualidade a professores”, aponta Vicky Philips.
“Para mim, a mágica do aprendizado ainda depende da relação entre
professores e alunos. E empoderar essa relação e elo por meio de bons
materiais, garantir que ambos tenham oportunidades de aprender o que
necessitam para continuar a ir bem dentro da sala de aula — tudo isso é
crucial.”
5 – Uso da tecnologia e personalização do ensino
O uso de smartphones e tablets na escola costuma gerar debates: como
incorporar plataformas que ganharam tanto protagonismo no ensino durante
a pandemia de covid-19, mas sem deixar que os alunos se distraiam ou
fiquem nas redes sociais?
Cingapura impõe restrições ao uso de celulares em sala de aula, mas,
ao mesmo tempo, o Ministério da Educação lançou uma plataforma digital
de ensino para ajudar os alunos a criar modelos e fazer exercícios
matemáticos.
Na Estônia, a programação virou uma disciplina obrigatória. E desde
cedo os alunos aprendem a analisar dados e padrões para a resolução de
problemas.
“Acho que a matemática é uma das áreas com o maior histórico com tecnologia para a educação”, afirma Tracey Burns.
“Está muito claro que (a tecnologia) ajuda no aprendizado de regras
básicas e para ajudar as pessoas a estudar no próprio ritmo. Você pode
usar vídeos, pode usar realidade virtual, fazer todo tipo de coisa com a
tecnologia, que realmente colocam o estudante em um lugar diferente e
criam a oportunidade de galvanizar o poder do digital para repensar a
experiência de aprendizado.”
E o Brasil?

Forma desigual como boas práticas de ensino são implementadas no Brasil é uma das barreiras da educação no país© Getty Images
Não é simples importar lições de educação de lugares com realidades tão distintas da brasileira.
Alguns desses países campeões de matemática, por exemplo, têm uma
tradição de ensino muito mais rigoroso, ou convivem com muito menos
desigualdade social e econômica do que nós.
Mas algumas soluções podem servir de inspiração.
Anna Helena Altenfelder, da organização de educação Cenpec, acha que o
Brasil já tem boas referências de ensino na Base Nacional Comum
Curricular (BNCC, documento oficial implementado a partir de 2018 no
ensino fundamental, que serve de diretriz obrigatória para os currículos
escolares públicos e privados no Brasil).
O problema, segundo Altenfelder, é a forma desigual como isso é
colocado em prática no país, a dificuldade em monitorar o dia a dia do
aprendizado e de dar flexibilidade para esse cronograma, de acordo com
as necessidades de cada turma.
E, algo muito importante: a especialista ressalta que faltam
condições de trabalho e formação adequada para os professores, já que
muitos deles se formaram em cursos à distância considerados precários e
insuficientes.
“Eu diria que nós temos o currículo — temos a base, novinha. O grande
desafio é que condições existem, que nós temos para [implementá-la] no
chão da escola”, afirma Altenfelder.
“A gente não pode esquecer quando a gente pensa no Brasil, a formação
inicial [dos professores] é muito difícil. Acredito que, em nenhum
desses países (com ensino de altíssimo nível), quase 80% dos professores
sejam formados à distância como acontece aqui.”