História de JOANA CUNHA – Folha de S. Paulo
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Luciano Hang, dono da Havan, diz ter
recebido inúmeras mensagens de amigos na semana passada, depois que os
jornais publicaram uma fotografia da réplica da Estátua da Liberdade,
símbolo da rede, diante da cheia em Lajeado (RS).
A imagem ajudou a mostrar a dimensão da destruição que atingiu o Rio
Grande do Sul, mas o empresário afirma que é difícil transmitir com
precisão o que está acontecendo.
“Não foi uma enchente, foi um tsunami, uma devastação. Tudo por onde
passou essa água foi derrubado. É uma coisa que não dá para descrever”,
diz.
O prejuízo da companhia está estimado em R$ 30 milhões, mas ele diz
considerá-lo pequeno se comparado ao impacto de quem perdeu suas casas.
Segundo o empresário, o plano de contingência da Havan inclui
antecipação de décimo terceiro salário e participação nos resultados aos
funcionários atingidos.
Hang, que se tornou um ícone da polarização entre Lula e Bolsonaro
desde a eleição de 2018, hoje, pede pacificação diante da tragédia e diz
ver esforços conjuntos de todos os governos.
“Neste momento, não devemos polarizar uma catástrofe como esta”, afirma.
A tragédia tem sido usada nas redes sociais como munição contra o
governo, superando, em alguns momentos, as postagens sobre doações e Pix
para ajudar as vítimas. O próprio Hang foi alvo de fake news. Nesta
semana, circularam nas redes sociais a falsa informação de que a Havan
teria disponibilizado mais helicópteros do que a FAB (Força Aérea
Brasileira) para atuar nos esforços no estado, além de outras mentiras. A
empresa tem divulgado o trabalho de dois helicópteros para atender a
população.
“O governo estadual, municipal e federal estão juntos nessa. Não
precisamos dividir nem comparar quem está fazendo mais, quem chegou
primeiro. Isso não importa. O que importa é que todos estão querendo
fazer o melhor”, afirma.
*Folha – Uma das primeiras imagens da tragédia, que deu a dimensão do
nível das águas, foi uma foto em que apareceu uma Estátua da Liberdade
da Havan com a água muito elevada. Como foi isso?*
*Luciano Hang -* As pessoas estão vendo na televisão e nas redes
sociais o que está acontecendo, não é como vemos daqui. [Após a
divulgação da foto] recebi ligações de amigos da Espanha, da Itália e
tantos lugares. Foram 22 metros de água. Não foi uma enchente, foi um
tsunami, uma devastação. Tudo por onde passou essa água foi derrubado. É
uma coisa que não dá para descrever.
*Folha – Quantas lojas a Havan tem no estado?*
*Luciano Hang -* Temos 16 lojas no estado sendo que duas pegaram
água, em Lajeado e Porto Alegre, e tem algumas com possibilidade, porque
estão na foz da lagoa dos Patos. Lá embaixo, em Rio Grande e em
Pelotas, nós também temos duas lojas [sob risco iminente]. Os gaúchos
são nossos vizinhos. Temos cinco [pequenas centrais] hidrelétricas no
estado, que também foram atingidas.
*Folha – Pode estimar, em valores, o tamanho do prejuízo da Havan?*
*Luciano Hang -* Acho que uns R$ 30 milhões.
*Folha – Como estão os funcionários? Como foi o plano de contingência?*
*Luciano Hang -* Temos 176 lojas. Perdemos pouco perto de outras
pessoas que perderam tudo. Uma loja não é o foco do nosso negócio. A
gente reconstrói. Daqui a 60 dias, está tudo de pé. Vamos tentar fazer
rápido para ser inspiração de que acreditamos no lugar, na cidade, no
estado, e acreditamos que não vai mais acontecer outra coisa dessas.
Eu vim para cá no primeiro dia. Consegui vir, mas o tempo estava
ruim. E eu disse aos nossos colaboradores: ninguém vai ser deixado para
trás. Como fizemos em outras lojas, a gente não vai despedir ninguém.
Hoje, estamos pagando décimo terceiro, programa de participação de
resultado, antecipando tudo para todas as cidades que foram atingidas.
Das 16 lojas, 7 cidades deram água ou teve alguma coisa na cidade. Hoje,
todos estão com três salários na conta.
*Folha – Uma parte dos funcionários está desabrigada?*
*Luciano Hang -* Teve gente que perdeu a casa e tudo o que tinha. Vamos, um por um, ver o que podemos fazer.
*Folha – Circulou uma fake news de inteligência artificial falando sobre uma suposta promoção que a Havan estaria fazendo?*
*Luciano Hang -* A Havan só fez um Troco Solidário, em que as pessoas
que vão nas lojas ajudam, fazem a doação no caixa. Aliás, é uma
campanha de 16 anos. Só que as pessoas estão pegando a minha imagem,
usando inteligência artificial, e pedindo pix, falando de falsas
promoções de liquidação. É tudo mentira. Não existe nada que a Havan
esteja fazendo que não seja o Troco Solidário, que acontece pessoalmente
nas nossas lojas. Não estamos fazendo nada que não seja presencial.
Eu tinha certeza de que iriam usar a minha imagem. Eu até brinquei
que eu estava passando a minha imagem para os vagabundos. Quem não quer
ajudar, que pegue férias neste momento e que não vá roubar aquelas
pessoas que têm pouco e que querem ajudar o povo gaúcho.
*Folha – Temos ouvido outros casos de fake news, como a história de
que iria faltar arroz. Lembrando que as fake news surgem no contexto de
polarização, você tem refletido sobre isso que estamos passando no
Brasil com esse fundo da polarização?*
*Luciano Hang -* Neste momento de caos, de catástrofe, temos que nos
unir em prol do povo gaúcho e não polarizar. Eu tenho dito que o poder
público está ajudando. O poder civil está ajudando, e todos ajudando
pelo povo gaúcho. Neste momento, não devemos polarizar uma catástrofe
como esta.
*Folha – Essa é a sua avaliação política dos órgãos que estão atuando nesta emergência?*
*Luciano Hang -* Estou voltando pela terceira vez para o Vale do
Taquari. Eu vejo o Corpo de Bombeiros, a Brigada Militar, o Exército, a
Marinha, a Aeronáutica, a sociedade civil organizada, todos ajudando.
Não é hora de dividirmos o povo brasileiro. Tem que unir para resolver
esse problema. Não pode haver política numa coisa como essa. Quando eu
falo em governo são os três: municipal, estadual e federal. Todos os
órgãos. Todos estão querendo fazer o seu melhor.
*Folha – Desde o primeiro dia, os vídeos que vocês divulgaram
mostravam a dificuldade de chegar aos locais atingidos. Quais são as
piores dificuldades?*
*Luciano Hang -* No primeiro momento, era a dificuldade de chegar ao
Vale do Taquari pelo mal tempo. Nós saímos com as duas aeronaves, elas
passaram dificuldade para subir a serra e até pelo litoral. Nossos
helicópteros biturbina são helicópteros que voam com IFR [voo por
instrumentos], noturno, dentro das nuvens. Por isso, chegamos rápido e
bem no princípio do problema.
*Folha – Como é a sua avaliação? É mudança climática que vamos continuar enfrentando nos próximos anos?*
*Luciano Hang -* Somos PhD em enchentes. Nós moramos no Vale do
Itajaí [em Santa Catarina, onde foi fundada a Havan]. Nas nossas
cidades, Blumenau, Gaspar, Brusque, isso acontece quase que anualmente. A
maior que eu vivi foi em 1983, e nunca mais teve uma enchente como
aquela.
O que eu quero crer é que talvez eu não viva mais um momento de uma
catástrofe como esta. É nisso que eu quero crer. Acho que foi uma
tempestade perfeita que aconteceu, em que tudo culminou na tragédia que
estamos vivendo agora. Se olharmos para trás, nunca aconteceu. E pode
ser que, para a frente, também não vá acontecer.
*Folha – Na época em que faltou oxigênio em Manaus na pandemia, você
foi questionado se tinha de fato doado oxigênio. Você tem receio de que
as suas ações, agora, sejam comparadas àquele momento?*
*Luciano Hang -* Quem duvidou que eu tinha doado os 200 cilindros de
oxigênio errou. Na realidade, eu fiz acontecer, não querendo saber
quanto custariam os 200 cilindros. Foi R$ 1 milhão na época, e eu
coloquei os 200 no dia seguinte. Agora, também não pensei em nada, em
custo, em nada. Simplesmente, falei para os meus pilotos: vão para lá
ajudar. Como também fizemos no ano passado, quando deu problema em Rio
do Sul (SC) e Taió (SC). Não foi uma catástrofe tão grande, e as pessoas
não souberam que os nossos helicópteros também andaram pela região
ajudando a população.
*Folha – Como funciona a campanha do Troco Solidário?
*Luciano Hang -* É uma campanha normal, tem 15 anos. A população
geral e a aviação civil estão colaborando. O aeroporto de Porto Alegre
está fechado, então, tem aeroportos trabalhando direto para a região.
Montaram aeroclube para atender a população. O governo estadual,
municipal e federal estão juntos nessa. Não precisamos dividir nem
comparar quem está fazendo mais, quem chegou primeiro. Isso não importa.
O que importa é que todos estão querendo fazer o melhor neste momento
de caos. A Havan é uma empresa solidária, e temos a obrigação de ajudar.
*RAIO-X | LUCIANO HANG, 61*
O empresário fundou a Havan em 1986, em Brusque (SC), uma loja com 45
metros quadrados, que nasceu vendendo tecidos e ampliou a oferta de
produtos com itens importados, eletrônicos e brinquedos. A partir dos
anos 1990, consolidou o perfil de megalojas e, em 2018, se tornou
conhecido politicamente ao apoiar a campanha de Bolsonaro.