História de Notas & Informações – Jornal Estadão
A fim de fazer política bem ao agrado do presidente Lula da Silva, o Supremo Tribunal Federal (STF) mostra-se disposto a cometer uma atrocidade jurídica sem precedentes na já trepidante história recente do Poder Judiciário.
Por 8 votos a 3, a Corte julgou que são constitucionais os dispositivos da Lei 13.303/2016, a chamada Lei das Estatais, que blindam a administração dessas empresas de qualquer ingerência indevida por meio da nomeação de políticos para cargos de direção. Contudo, a maioria dos ministros sinalizou que não há razão para o Palácio do Planalto se preocupar. Malgrado o resultado do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) interposta pelo PCdoB, todas as nomeações feitas por Lula fora da lei – tal como o texto fora aprovado pelo Congresso em 2016 – serão mantidas, ainda que o STF tenha concluído que as vedações previstas na Lei das Estatais são, ora vejam, constitucionais.
Para chegar a essa construção esdrúxula, os ministros conceberam um artifício para lá de criativo, uma espécie de “inconstitucionalidade temporária”, chamemos assim, do artigo 17, parágrafo 2.º, incisos I e II, da referida lei. O ministro Dias Toffoli articulou com seu colega Luís Roberto Barroso, presidente da Corte, um voto que considera hígidas todas as nomeações para o comando das estatais feitas pelo presidente Lula durante a vigência da decisão liminar exarada pelo então ministro do STF Ricardo Lewandowski, em março de 2023. “Quem foi indicado e aprovado com base na liminar tem a continuidade garantida”, diz trecho do voto.
Como se sabe, Lewandowski atendeu ao pleito do PCdoB e suspendeu as vedações legais à presença de políticos e lideranças partidárias em cargos da alta administração das estatais, exatamente como queria Lula no início de seu terceiro mandato. À época, Lewandowski argumentou que aquele dispositivo citado, entre outras razões, fere de morte o princípio da isonomia consagrado pela Constituição.
Agora, transcorrido mais de um ano, o STF julgou que o mesmo dispositivo legal que foi considerado constitucional pela maioria dos ministros da Corte não valeu por um determinado período de tempo. Eis a tal “inconstitucionalidade temporária”, aberração que só um colegiado pouco cioso da grandeza do Supremo no arranjo institucional do País seria capaz de engendrar. Parece loucura, é forçoso dizer. E tudo isso para, aparentemente, não contrariar os interesses de ocasião do presidente da República, sem prejuízo, é claro, de outras motivações que ainda possam estar ao abrigo do escrutínio público.
Segundo Barroso, essa foi a única saída encontrada para evitar que a demissão dos dirigentes nomeados por Lula para as estatais causasse uma “instabilidade indesejável”, o que, no entender do presidente do STF, seria prejudicial à continuidade de políticas públicas em andamento. Ora, isso é um juízo totalmente político do ministro, e não jurídico. Que evidências, afinal, tem o sr. Barroso para sustentar sua afirmação? Ademais, o chefe do Poder Judiciário ainda faz pouco-caso do profissionalismo do corpo funcional de empresas como a Petrobras, Banco do Brasil, Caixa e BNDES, entre outras. Afinal, se a mera troca de seus presidentes e diretores é capaz de causar “instabilidades”, é sinal de que todo o resto vai muito mal. Qualquer empresa minimamente organizada não vê suas atividades comprometidas a cada substituição de líderes.
Nem do ponto de vista jurídico há que se falar em estabilidade. A natureza de uma decisão liminar, como sabe qualquer calouro de Direito, é fundamentalmente precária, não tem o condão de inspirar segurança jurídica alguma.
Quando a mais alta instância do Judiciário se presta a uma exegese desse jaez para atender a interesses do governo de turno, o céu é o limite. Fica difícil para grande parte da sociedade entender por que, afinal, o STF se dispõe a comprometer sua própria imagem como Corte Constitucional nesse grau – a ponto de flertar com a desmoralização que todas as noites povoa o sonho dos inimigos da democracia.
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