História de Daniel Gallas – Da BBC News em Londres – BBC News Brasil
Imagem aérea mostra casas em Eldorado do Sul, município em que 100%
das pessoas estão sendo evacuadas© Isaac
Fontana/EPA-EFE/REX/Shutterstock
“O Brasil é um país tranquilo, ele não tem terremotos, não tem
maremotos. É o que nós brasileiros costumamos dizer. Mas agora o Brasil
sofreu algo como se tivesse sido o seu ‘terremoto’.”
A frase acima é de Francisco Galiza, economista consultor e ecoa o
que especialistas no setor de seguros disseram à BBC News Brasil: todos
foram unânimes em afirmar que as inundações no Rio Grande do Sul serão o maior incidente com sinistros da história do país.
O sinistro é quando uma pessoa ou empresa que paga por um seguro de
um bem precisa receber dinheiro da seguradora — porque houve algum
incidente que danificou esse bem, ou houve perda total.
Na história do Brasil, já houve incidentes com números de mortos
maiores do que os registrados até agora. Enchentes em Teresópolis (RJ)
em 2011, por exemplo, mataram quase mil pessoas. Até o momento, as chuvas no Rio Grande do Sul registraram mais de cem vítimas fatais.
Mas eventos como o de Teresópolis duraram poucos dias e foram mais
localizados — assim como a maioria de fenômenos registrados no Brasil.
Já no Rio Grande do Sul as chuvas vêm castigando o Estado há mais de duas semanas — e com previsão de novos temporais para os próximos dias.
Nem mesmo o acidente da mineradora Vale em Mariana em 2015 — que
provocou mortes, destruiu cidades, poluiu o rio Doce por quilômetros,
afetando a vida de milhares de pessoas — teve a mesma magnitude dos
danos materiais de agora.
Os governos federal e do Rio Grande do Sul têm falado em um pacote de R$ 50 bilhões para ajudar o Estado.
A duração e extensão dos danos são inéditas no país. Mais de 80% dos municípios foram afetados. Em Eldorado do Sul, a cidade inteira precisou ser evacuada.
O aeroporto internacional Salgado Filho ficará fechado até o fim do
mês. Nunca um aeroporto brasileiro precisou ficar fechado por tanto
tempo por causa de estragos naturais. Em Porto Alegre, a cidade pode
continuar alagada por semanas.
Nenhum dos entrevistados do setor de seguros conseguiu estimar ainda
em valores qual será o tamanho do sinistro envolvido — porque as
enchentes ainda estão em andamento — apesar de todos concordarem de que
será recorde.
Há dois problemas que impedem as seguradoras de estimarem os prejuízos dos clientes gaúchos.
O primeiro deles é que não foi possível ainda sequer levantar os
estragos já ocorridos — porque em muitas localidades a água ainda não
baixou. Os donos de veículos e residências ainda não conseguiram voltar
para suas casas para verificar os prejuízos que tiveram e acionar suas
seguradoras
As empresas de seguro disseram à BBC News Brasil que por isso até
agora o volume de sinistros registrados ainda foi relativamente baixo —
mas deve crescer muito nas próximas semanas, na medida em que as pessoas
afetadas conseguirem voltar para seus lares.
O segundo problema é que as chuvas ainda não acabaram. Mesmo que
fosse possível estimar o dano feito até agora, não se sabe quanto
prejuízo ainda virá pela frente nos próximos dias.
O Rio Grande do Sul ainda está recebendo mais chuvas — tanto nas
áreas que já foram até agora mais gravemente afetadas como em novas
regiões. Por isso, as seguradoras dizem que só será possível estimar um
valor mais exato daqui a dias ou semanas.
Casa destruída em Lajeado, onde rio Taquari transbordou© Sebastiao Moreira/EPA-EFE/REX/Shutterstock
Por ora, enquanto a crise das chuvas está em andamento, as
seguradoras estão reforçando suas equipes para atender clientes no Rio
Grande do Sul neste mês. Algumas empresas maiores possuem frotas de
veículos e jet-skis usados em tempos normais para averiguação de
prejuízos. Esses equipamentos estão sendo emprestados para a Defesa
Civil para ajuda nos resgates em andamento.
Impacto para afetados nas inundações
As autoridades estimam que mais de 1,7 milhão de pessoas foram afetadas – com 395 mil deslocados de suas casas.
Uma pergunta que muitos clientes se fazem nesse momento é se as
seguradoras brasileiras terão capacidade de pagar todos os seguros que
serão pedidos ao mesmo tempo, na medida que os afetados voltarem para as
suas casas?
A resposta é sim, segundo Roberto Santos, presidente do Conselho
Diretor da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) — que
representa todo o setor no Brasil. Ele diz que as seguradoras
brasileiras estão bem posicionadas para lidar com os sinistros.
“O Brasil é muito grande. Você tem um Estado afetado por um evento
muito grande, mas você tem o resto do Brasil funcionando muito bem. O
setor teria dificuldades só se houvesse um evento desse tamanho em todo o
Brasil ao mesmo tempo”, disse Santos à BBC News Brasil.
Diante das enchentes, a confederação fez duas recomendações especiais
a todas seguradoras que trabalham com clientes no Rio Grande do Sul.
Primeiro, houve um pedido para que todos os contratos que estavam
para vencer agora no mês de maio fossem automaticamente estendidos por
alguns dias. O objetivo é que nenhum cliente ficasse sem seguro neste
momento por apenas uma questão de poucos dias.
O segundo pedido foi para que pessoas e empresas que tiverem atrasado
pagamentos no mês de maio não fiquem sem cobertura de seguros agora.
Normalmente as seguradoras não precisam pagar sinistros quando o cliente
não está em dia.
“A pessoa que está isolada e esperando ser resgatada não vai pensar
em pagar um boleto. Mas se ela deixa de pagar, ela fica sem cobertura.
Então fizemos esse pedido às seguradoras para mudar isso neste momento”,
diz Santos.
Segundo a CNseg, a maioria das seguradoras está atendendo aos dois pedidos.
Bairros inteiros ficaram destruídos em Lajeado© Sebastiao Moreira/EPA-EFE/REX/Shutterstock
Especialistas dizem que pessoas que tiveram perda total com veículos
nas enchentes não devem ter problemas para recuperar seus prejuízos.
Mas para donos de imóveis o problema não será tão simples: a grande
maioria dos seguros residenciais e empresariais cobrem incidentes como
incêndios — mas poucas apólices cobrem enchentes. Geralmente as apólices
para enchentes são mais caras — e como esses eventos são mais raros,
poucos clientes optam por elas.
Especialistas dizem que depois de enchentes de grandes proporções,
como as do Rio Grande do Sul, costuma haver um aumento na procura por
coberturas mais completas.
“No segmentos residencial, empresarial e equipamentos, a cobertura
básica inclui proteção contra incêndio, queda de raio e explosão”, disse
Carlos Oliva, superintendente executivo de operações da Bradesco
Seguros, à BBC News Brasil.
“No entanto, é possível proteger a residência de outros riscos (com
coberturas contratadas conforme a necessidade do cliente), entre eles,
desmoronamento, vendaval, alagamento e inundação, danos elétricos, entre
outros serviços. Apesar de a frequência ser menor, se comparada aos
sinistros de automóveis, as consequências de uma inundação em casa ou
comércio de rua são, muitas vezes, bem mais severas, podendo ocasionar
em ‘perda total’ tanto para a estrutura do imóvel quanto os bens
internos.”
O problema econômico maior é que a maioria dos prejuízos com as inundações terá que ser arcado pelas pessoas diretamente.
Isso porque a maior parte das pessoas afetadas nas enchentes não têm
condições de pagar seguros. Estima-se que no Brasil, apenas 30% da frota
nacional de veículos possui cobertura.
No setor de seguros de residências, o Rio Grande do Sul é o Estado
brasileiro com maior percentual de casas com seguro. De todas as
residências gaúchas, 38% delas possuem seguros. Em São Paulo, por
exemplo, esse índice é de 29%. Mesmo assim, como dito anteriormente, a
grande maioria das apólices não cobre eventos como inundações.
Aquecimento global encarecerá seguros?
Outro debate no setor agora é se as enchentes no Rio Grande do Sul mudarão o setor de seguros no Brasil.
Contratar um seguro vai ficar mais caro para os clientes — depois de
um evento tão grande no país? As mudanças climáticas — que tornam
eventos extremos mais comuns — vão encarecer as apólices?
Roberto Santos, da Confederação Nacional das Seguradoras, diz que as
apólices não vão ficar mais caras especificamente por causa do evento do
Rio Grande do Sul — mas ele diz que seguros já vêm encarecendo nos
últimos anos por causa do aquecimento global e de eventos extremos mais
comuns.
Essa tendência deve seguir nos próximos anos. Segundo dados da CNseg,
em 2022 foram pagos R$ 10,5 bilhões em seguros rurais — um crescimento
de 47% em relação ao ano anterior. O maior problema para a safra de
grãos foram eventos climáticos extremos, como secas ou excesso de
chuvas.
O encarecimento dos seguros por causa das mudanças climáticas é um problema global.
Nos Estados Unidos, duas grandes seguradoras — a AllState e a State
Farm — pararam de oferecer seguros para novas residências na Califórnia,
devido a grandes prejuízos que elas tiveram com incêndios florestais. O
mesmo aconteceu com dezenas de seguradoras na Flórida, Estado americano
que enfrenta todo ano uma temporada de furacões.
Roberto Santos, da CNseg, não acredita que este cenário possa
acontecer no Brasil. Mas o país enfrenta problemas próprios — como o
alto número de pessoas que vivem em áreas de risco. O governo federal
está elaborando um novo Plano Nacional Sobre Mudança do Clima para lidar
com esse problema.
Em Cruzeiro do Sul, algumas pessoas conseguiram voltar para suas
casas, mas encontraram tudo devastado pelas enchentes© SEBASTIAO
MOREIRA/EPA-EFE/REX/Shutterstock
O próprio setor de seguros propõe um seguro social — com cobrança nas
contas de luz — para pagar cerca de R$ 15 mil a famílias de baixa renda
que fiquem desabrigadas por causa de tragédias climáticas.
Mas essas discussões ainda estão em andamento.
Por ora, um dos efeitos mais imediatos da quantidade de eventos
climáticos extremos é o aumento na procura por seguros. Há dez anos, o
setor de seguros representava 1% da economia brasileira — hoje ele
representa 6%.
Com a frequência maior de grandes enchentes no Brasil, cresceram também os grandes prejuízos e os custos de se proteger deles.