Jose Geraldo Gouvea – Historiador – Quora
Cada dia que passa fica mais demonstrado que a Ucrânia perderá a guerra e provavelmente deixará de existir como país. Imagine um país que tinha 52 milhões de habitantes em 1991 deixar de existir!
Isso era previsível desde o começo, mas a Ucrânia conseguiu resistir bravamente nos primeiros meses — ou assim pareceu — criando a ilusão de que seria possível retomar as terras de fronteira que a Rússia recém invadira. Mas o tempo passou e a Ucrânia está a um passo de ser completamente exterminada (a menos que você leia notícias somente pela imprensa mainstream, nesse caso a Ucrânia vai conquistar Moscou amanhã de manhã e os últimos russos estarão fugindo desesperados através da Sibéria, para pedir refúgio na Mongólia).
Dizem que numa guerra a primeira vítima é a verdade. Isso não quer dizer somente que a propaganda pinta vitórias impossíveis (os alemães, em 1945, só se deram conta de que a guerra estava perdida quando viram os primeiros soldados russos nas ruas). Quer dizer, também, que o fingimento é uma estratégia militar válida.
Há quem diga que o ataque russo a Kiev, logo no começo da guerra, foi um fingimento desses, que tinha por objetivo assegurar a ocupação de regiões de fronteira ao redor da Crimeia e do Donbass. Essa ocupação, por si só, já impedia o prosseguimento da filiação ucraniana à OTAN, e então a partir desse momento teria início uma guerra de desgaste.
Os russos certamente sabiam, desde o início, que a Ucrânia receberia apoio militar da OTAN, mesmo sem ser estado membro. Também sabiam que teriam apoios, explícitos ou discretos, de vários países. Também sabiam (porque o GRU não brinca em serviço) que “shithole countries” como o Irão e a Coreia do Norte poderiam oferecer ajuda significativa. Dois anos depois começa a fazer sentido (embora ainda me pareça um vaticínio ex post facto) a ideia de que os russos estavam jogando xadrez, enquanto os EUA estavam jogando damas.
Afinal:
Em momento algum a Ucrânia conseguiu reverter os ganhos territoriais russos.
As perdas humanas da Ucrânia se tornaram cada vez maiores, enquanto as perdas russas foram diminuindo — e atualmente são mínimas. Estima-se que a Ucrânia tenha perdido entre 600.000 e 1.000.000 de soldados até agora, o que dá mais ou menos um de cada seis homens adultos entre 18 e 30 anos. Uma tragédia demográfica irreparável. Mesmo as fontes ucranianas mais otimistas falam em 100.000 ucranianos e admitem que morreram menos russos.
As inovações técnicas da guerra, como o uso de drones pelos ucranianos, foram incorporadas ao arsenal russo — inclusive melhoradas. Os russos também desenvolveram meios de defesa contra drones anti-tanque, que podem parecer bisonhos, mas são efetivos (os tanques-tartaruga e os tanques-galinheiro estão se multiplicando porque, mesmo sendo feios, funcionam).
Os ucranianos não conseguiram causar nenhum dano significativo a nenhuma grande estrutura militar russa. Em vez disso, ficam publicando vídeos em redes sociais onde drones de pequeno porte explodem perto de aviões, contra prédios (geralmente civis) ou na cruz da igreja do Kremlin. Nada disso tem efeito prático, porque na guerra essas ações midiátias são puro suco de nada. Enquanto isso os russos arrasam aeroportos, usinas hidrelétricas, centrais elétricas, torres de comunicação, estradas, pontes e tudo que se pareça com uma instalação militar. Eles não precisam publicar vídeos nas redes sociais porque a destruição da infraestrutura ucraniana fala por si.
Os ucranianos sequer conseguiram derrubar a ponte da Crimeia (ponte de Kerch), mesmo tentando várias vezes.
Embora tenham afundado alguns navios russos da frota do Mar Negro, o que ninguém menciona é que esses navios não estavam em combate, mas ancorados na base e possivelmente não tripulados, uma vez que a guerra se está travando sobre a terra e no ar. Além disso, a perda desses poucos navios não afetou a capacidade russo de inflingir dano à Ucrânia, o que só mostra que foram ações inefetivas.
As sanções econômicas não travaram a economia russa, que segue crescendo acima da média da OCDE e quase duas vezes mais que o crescimento demográfico. Isso quer dizer que os russos ficaram mais ricos per capita nos últimos dois anos. As sanções também atiçaram o nacionalismo russo, justificaram a nacionalização de negócios que pertenciam a estrangeiros e, através do esforço de guerra, eliminaram o desemprego. Enquanto isso a Ucrânia enfrenta uma brutal redução da atividade econômica (já que a maior parte da PEA está alistada nas FFAA ou retornou com ferimentos incapacitantes) e redução da população por queda da natalidade ou pessoas fugindo do alistamento militar.
A Rússia aprofundou suas relações estratégicas com o Irã, o que talvez seja a aliança militar mais perigosa contra os EUA em toda a história. Juntos, os dois países contornarão a necessidade de comércio pelo Golfo Pérsico e pelo Mar Vermelho, o que permitirá que, num futuro momento, encham de minas os estreitos de Ormuz e Bab-El-Mandeb, causando grande prejuízo às economias europeias sem serem afetados eles mesmos.
A Rússia aprofundou relações estratégicas com a China e os dois países estão prontos a desenvolver sua indústria de chips de alta tecnologia (a China já consegue fazer chips de 5nm), o que significa que o monopólio tecnológico americano está ameaçado. Juntos, Rússia e China estão prestes a consolidar um ferrolho asiático que pode no futuro impedir a ação de qualquer potência não-asiática na região. Juntos, Rússia e China (somando os países da Ásia Central) controlam a produção e o refino da maioria dos minerais importantes do mundo.
A indústria militar russa se renovou e se reconstruiu, inclusive com invenções baratas e criativas, como as bombas planadoras — uma ideia original e que se mostrou absolutamente devastadora.
E a Rússia fez tudo isso sem sofrer nenhuma ação militar significativa em seu território (exceto por um ataque terrorista), provando que a Ucrânia, de fato, sequer está lutando.
É possível que a Rússia conquiste a região de Odessa e corte o acesso ucraniano ao mar — o que seria catastrófico para o país, que depende das exportações de grãos. Já é bastante ruim estar com a agricultura quase completamente paralisada, fica pior se não tiver mais porto. Conquistando Odessa, a Rússia também consegue conectar seu território com duas regiões separatistas pró-russas na Moldova, conhecidas como “Transnístria” e “Gagaúzia”. Isso também atrapalharia os planos da Moldova de entrar para a OTAN e dificultaria a reunificação da Moldova à Romênia, que estava em negociações há anos.
Por tudo isso, parece cada vez mais possível que a Rússia deseje o prolongamento indefinido da guerra, nos termos em que ela hoje se dá: um exército ucraniano combalido e mal treinado, tetando ações “Rambo” inefetivas e suicidas enquanto os EUA e a União Europeia sangram bilhões de dólares para custear armamentos que os ucranianos não sabem usar (vide o vídeo em que o sargento ucraniano acidentalmente morre com o coice de uma bazuca ao tentar demonstrar seu uso) ou acabam destruídos em combate contra bombas planadoras ou drones iranianos que custam uma fração de seu preço.
Esta guerra demonstrou que a Rússia tem muito mais capacidade de produção de armamento a baixo custo, e que armamentos de baixa tecnologia (como as bombas planadoras) podem ser usados de maneira eficaz em uma guerra moderna.
A situação da Ucrânia ficou tão ruim que já há tropas especiais e comandos de paraquedistas que estão se rendendo em vez de lutar — e essas unidades tendem a ser as mais treinadas e motivadas de qualquer exército.
Pode ser que a Rússia esteja avançando lentamente de maneira proposital, porque não deseja estender seu controle subitamente, gerando dificuldades de defesa. Um avanço lento seguido de fortificações indica planejamento para reter o território a longo prazo.
Portanto, não me parece que a Rússia esteja perdendo a guerra. É possível que tenha mudado de estratégia em algum momento, mas nesse instante ela está claramente alcançando todos os seus objetivos.
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