Democracias liberais têm muito o que discutir em termos de coalizões internacionais
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Alavancada pelo desempenho econômico mais extraordinário da história recente e provocada pelas tensões comerciais com os EUA, as demandas pelo desenvolvimento social da população e a pandemia, a China está acelerando sua grande estratégia de evolução interna e externa, política e econômica. Esta estratégia foi tema de um seminário promovido pelo Centro Empresarial Brasil-China com o historiador Jonathan Fenby.
“Duas facetas da estratégia chinesa são projetadas para se encaixar: o desenvolvimento econômico e o controle político em casa e fora”, resumiu Fenby. A China deve consolidar seu papel como economia que mais cresce – 5% em média pelos próximos 15 anos –, mas com a crescente ambição de influenciar a política externa e fortalecer o domínio do Partido Comunista na política interna.
Os pilares econômicos vêm sendo consolidados nos oito anos em que Xi Jinping está no poder: “Fortalecer a economia doméstica; impulsionar o consumo; encorajar tecnologias avançadas; remodelar as cadeias de valor; e reduzir os riscos gerados pelo padrão do crescimento do passado”. Já no exterior, “a China promoverá seus interesses tanto regionalmente quanto globalmente, buscando mais voz em organizações internacionais”.
Esta estratégia será implementada em um novo contexto: a cooperação com o Ocidente e o Japão, que marcou a trajetória da China desde os anos 70, foi em parte substituída pela rivalidade, por sua vez amplificada durante a administração de Donald Trump, em atritos que tocam a economia, a política, a sociedade e a tecnologia. Com Joe Biden, pode-se esperar mudanças de estilo – “com uma agenda mais coesa e, sobretudo, com mais consultas a seus aliados” –, mas não de orientação.
A comparação com a guerra fria é tentadora, mas tende mais a eludir do que a esclarecer. “A área de cooperação entre EUA e China é bem maior do que os pontos de desacordo.” De resto, a China é um adversário muito mais poderoso do que a URSS, com um mercado e uma tecnologia mais dinâmicos, um governo mais competente e uma economia mais integrada internacionalmente. A maioria dos países deseja manter boas relações tanto com os EUA como com a China.
Como parte de sua estratégia, a China deve facilitar o acesso ao mercado para empresas estrangeiras. Além de projetar uma “Nova Rota da Seda”, o país fechou no fim de 2020 um acordo de investimentos com a União Europeia e um acordo comercial com 14 países da Ásia-Pacífico. O mercado chinês desperta cada dia mais o apetite de empresas americanas e precisará reassegurar uma cadeia estável de fornecimento de commodities – algumas particularmente importantes para o Brasil, como o ferro, a soja e outros produtos agrícolas. Assim, China e EUA, bem como as demais democracias liberais, “têm muito a perder engajando-se em uma guerra fria”, afirmou Fenby.
As possibilidades de transações econômicas e de cooperação geopolítica – notadamente no combate às mudanças climáticas ou à pandemia – são promissoras. Contudo, se o seminário com Fenby, tendo sido pautado por um centro empresarial, pode ser escusado por não abordar questões políticas prementes – como as violências praticadas pelo Partido Comunista contra Hong Kong ou os muçulmanos de Xinjiang; seu desprezo pelos direitos humanos e acordos internacionais; ou as ameaças a Taiwan e aos países do Mar do Sul –, as lideranças políticas democráticas não podem se dar o direito de ignorá-las.
Ante o despotismo chinês, as democracias liberais têm muito o que discutir em termos de coalizões internacionais. Mas, até para que sejam efetivas, há muito trabalho interno a fazer. Isso implica revigorar suas economias, proteger sua autonomia tecnológica e impulsionar sua produção científica. Mas, mais importante, antes de considerar qualquer estratégia de contenção direta, o mundo democrático precisará revitalizar convincentemente suas instituições liberais e focar em valores humanos fundamentais para confrontar o despotismo “pelo poder do seu exemplo”, como disse Joe Biden, “e não pelo exemplo do seu poder”.
Ruído entre STF e Forças Armadas, enquanto Bolsonaro se aproxima de antilavajatistas
Novo foco político está no mal-estar entre militares e Supremo após Villas Bôas confirmar que mensagens no Twitter contra habeas corpus para Lula sair da prisão foram combinadas com o Alto Comando do Exército
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
O novo foco político está no mal-estar entre as Forças Armadas e o Supremo, após o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas confirmar, em livro-entrevista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o que me disse em 4 de abril de 2018 e publiquei no Estadão: suas mensagens no Twitter contra um habeas corpus para o ex-presidente Lula sair da prisão não foram pessoais, foram combinadas com o Alto Comando do Exército.
Plenário do Supremo Tribunal Federal Foto: André Dusek|Estadão
Na reportagem, depois da forte repercussão à sua manifestação pelas redes sociais, ele me disse que a sua fala “expressa a posição do Alto Comando do Exército e é exclusivamente a da Força”. Ou seja, o general não foi ao Twitter por conta própria, e sim pelo Exército. Só fez uma ressalva: que não combinou com Aeronáutica e Marinha.”
No livro Villas Bôas: conversa com o comandante (Editora FGV, 2021, 244 págs), de Celso Castro, o general detalhou em setembro de 2019: “O texto teve um ‘rascunho’ elaborado pelo meu staff e pelos integrantes do Alto Comando residentes em Brasília. No dia seguinte, remetemos para os comandantes militares de área. Recebidas as sugestões, elaboramos o texto final, o que nos tomou todo expediente, até por volta das 20 horas, momento que liberei (para divulgação)”.
O Alto Comando reúne os generais-de-Exército, de quatro-estrelas, que chefiam as regiões militares e os principais departamentos e secretarias da Força. Foram eles quem produziram os dois textos que Villas Bôas publicou em 3/4/2018, véspera do julgamento do Supremo sobre manter ou não Lula preso – o que faria, como fez, toda a diferença na eleição presidencial, meses depois.
Primeiro tuíte do general: “Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?” Em seguida: “Asseguro à Nação que o Exército julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia (…)”.
Assim como Villas Bôas não falou sozinho, a reação do decano do STF também não foi pessoal. Celso de Mello, hoje já aposentado, não citou o comandante, mas classificou a manifestação dele como “claramente infringente do princípio da separação de Poderes” e criticou “insurgências de natureza pretoriana que, à semelhança do ‘ovo da serpente’, descaracterizam a legitimidade do poder civil instituído e fragilizam as instituições democráticas”. Em nota de ontem, na mesma linha, o ministro Edson Fachin considerou “intolerável e inaceitável qualquer forma ou modo de pressão injurídica sobre o Poder Judiciário”.
À FGV, Villas Bôas, que é da reserva e sofre de ELA, uma doença degenerativa, disse que sua manifestação foi “um alerta, antes que uma ameaça”. Ele, porém, repetiu o que também já me dissera em sua primeira entrevista como comandante do Exército, publicada no Estadão em dezembro de 2016, um ano e quatro meses antes do julgamento do HC de Lula. Segundo ele, “tresloucados e malucos” batiam às portas das Forças Armadas (FA) pedindo a volta dos militares ao poder. Algo, dizia, que tinha “chance zero”.
O livro de Villas Bôas vem numa hora de noticiário desfavorável às FA e em que Bolsonaro, contrário a Celso de Mello, Fachin e Alexandre de Moraes, já identificou um elo no Supremo: o antilavajatismo. Por essas ironias da história, ou espertezas da política, o presidente que usou Sérgio Moro como troféu se une aos algozes de Moro e defensores de Lula para proteger filhos e Centrão. E que, eleito com um empurrão dos militares, usa símbolos das FA e libera o uso do nome delas, em vão, para insinuar golpes. Podem ser meras bravatas. Ou não.
Absolvição de Trump polariza ainda mais o Partido Republicano
Apoiadores do ex-presidente apostam na sua força eleitoral daqui a quatro anos
Amy B. Wang, The Washington Post
WASHINGTON – Um dia depois de o Senado ter absolvido o presidente Donald Trump em seu segundo julgamento de impeachment, os republicanos continuaram a divergir a respeito do futuro de seu partido, com o abismo entre aqueles que não querem ter nada a ver com o ex-presidente e aqueles que o apoiam abertamente aprofundando-se cada vez mais. A divisão se desenrola enquanto Trump promete retornar à política, e ambas as facções do Partido Republicano proclamam que prevalecerão nas eleições parlamentares de 2022.
Enquanto isso, a retaliação começou contra os sete senadores republicanos que mudaram de lado no sábado, 13, para votar com os democratas pela condenação de Trump pela acusação de incitar a insurreição. O senador Lindsey Graham, republicano da Carolina do Sul, marcou posição no campo de Trump, no domingo, 14, criticando duramente seus colegas republicanos – incluindo o líder do partido.
O líder na minoria no Senado, Mitch McConnell, republicano do Kentucky, votou pela absolvição do ex-presidente – em seguida discursando longamente à Casa a respeito de como Trump tinha, na visão dele, “responsabilidade moral e prática” ao incitar a multidão que atacou o Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro.
O cerco violento deixou cinco mortos, incluindo um policial. Dois outros agentes que ajudaram a combater a multidão no Capitólio se suicidaram nos dias que se seguiram, e suas famílias querem que suas mortes sejam reconhecidas como mortes no “cumprimento do dever”.
McConnell pode ter tirado “um peso das costas” com seu discurso, afirmou Graham, mas também tornou a si mesmo um alvo dos republicanos pró-Trump em 2022.
“Donald Trump é o mais vibrante membro do Partido Republicano”, declarou Graham a Chris Wallace, apresentador do “Fox News Sunday”. “O movimento de Trump está vivo e bem. Tudo que posso dizer é que a força mais poderosa no Partido Republicano é o presidente Trump. Nós precisamos de Trump.”
A sonora defesa de Graham deixou claras as divisões que Trump causou no Partido Republicano nos quatro anos mais recentes. Há republicanos afirmando que devem se distanciar de Trump para sobreviver e outros acreditando que se curvar ao trumpismo é o único caminho. Até então, Graham se mostrava hesitante, tentando apelar a ambos os lados alternadamente, mas. no domingo. ele deixou claro que pertence à facção trumpista e pareceu gostar de desempenhar o papel de defensor de Trump.
“Muita gente me pedia… ‘Acalme o presidente Trump, fale com ele, faça com que ele se acalme’. Às vezes ele se acalma, às vezes, não. Mas, para meus colegas republicanos, essa é uma via de duas mãos”, afirmou Graham. “Eu gosto de vencer. E, se você quiser tirar um peso da consciência, tudo bem. Mas eu gosto vencer.”
Deputados democratas Eric Swalwell (E) e Joaquin Castro assistem ao primeiro dia do julgamento de impeachment de Trump no Senado Foto: Erin Schaff/The New York Times
Em alguns momentos de sua entrevista com Wallace, Graham mais parecia ler um roteiro feito para Trump. Ele criticou o julgamento de impeachment, qualificando-o como “uma completa piada” e o presidente Joe Biden, por tentar avançar com a “mais radical de suas pautas”.
Quando questionado a respeito da recente decisão de Nikki Haley, ex-embaixadora americana na ONU, de se distanciar de Trump, após tê-lo apoiado firmemente e não ter criticado suas alegações infundadas de fraude eleitoral, Graham afirmou que sua colega da Carolina do Sul estava “errada”.
Ele também afirmou que Lara Trump, nora do ex-presidente, deveria se apressar para substituir o senador Richard Burr, republicano da Carolina do Norte prestes a se aposentar, que surpreendeu ao votar pela condenação de Trump no sábado.
“Acho que a grande vencedora desse julgamento de impeachment é Lara Trump”, afirmou Graham. “Se ela concorrer, certamente a apoiarei, porque acho que ela representa o futuro do Partido Republicano.”
O apoio descarado de Graham a Trump – desafiando líderes veteranos do Partido Republicano – ocorre ao mesmo tempo em que vários republicanos graduados que ousaram criticar o ex-presidente foram punidos pelos diretórios estaduais ou regionais do partido.
No sábado, 13, o senador Bill Cassidy, da Louisiana, se tornou o mais recente republicano a ser censurado pelo diretório estadual de seu partido em razão de seu voto de condenação a Trump. Cassidy tinha votado anteriormente contra a constitucionalidade do julgamento, mas disse que mudou de ideia após ter escutado os argumentos da comissão de deputados federais que defendeu o impeachment no Congresso. Ao longo do julgamento, ele parecia devorar reportagens nas horas livres e levantava questões específicas para preencher as lacunas.
Finalmente, Cassidy votou “culpado” e publicou um vídeo de 10 segundos para explicar sua decisão. “Nossa Constituição e nosso país são muito mais importantes do que qualquer pessoa. Votei pela condenação do presidente Trump porque ele é culpado”, afirmou Cassidy no vídeo.
No domingo, ao programa de televisão This Week, da rede ABC, Cassidy desconsiderou preocupações a respeito do significado de Trump para o futuro do Partido Republicano.
“Acho que sua força minguará”, afirmou Cassidy. “O Partido Republicano é mais do que apenas uma pessoa. O Partido Republicano defende ideias.”
Mistura de queixas políticas e fervor religioso turbinou o apoio entre os leais a Trump, muitos dos quais se descrevem como participantes de uma espécie de ‘guerra santa’. Foto: Kenny Holston/ The New York Times
O governador de Maryland, Larry Hogan, republicano franco em relação às suas críticas a Trump, previu no domingo “uma verdadeira batalha pela alma do Partido Republicano nos próximos dois anos”.
“Fiquei muito orgulhoso de alguns colegas que defenderam suas posições e fizeram a coisa certa. Isso nem sempre é fácil. Na verdade, às vezes é bem difícil contrariar a sua base e seus colegas e fazer o que acreditamos ser o correto para o país”, afirmou Hogan ao programa de TV Meet the Press, da emissora NBC.
Hogan, que não descarta concorrer à presidência em 2024, afirmou que mais republicanos votariam contra Trump se os membros do partido não temessem retaliações de Trump e seus apoiadores.
“Muitos republicanos estão ultrajados, mas não têm coragem de se levantar e expressar isso no voto, porque têm medo de serem desafiados nas primárias ou de terem suas carreiras arruinadas”, acrescentou ele.
Trump, por sua vez, não demonstrou nenhum interesse em desaparecer no comunicado que emitiu pouco após a votação no Senado, no qual qualificou o processo de impeachment como uma “caça às bruxas” e lamentou que nenhum outro presidente foi submetido a tamanha desonra.
“Nosso movimento histórico, patriótico e lindo para Tornar os EUA Grandes Novamente está apenas começando”, declarou Trump.
Trump, que sinalizou a intenção de concorrer à presidência em 2024, acrescentou que “nos próximos meses, tenho muito a compartilhar com vocês”.
Vários republicanos tentam livrar o partido da influência de Trump. No mês passado, o republicano Adam Kinzinger, de Illinois, um dos 10 republicanos que votaram pelo impeachment de Trump na Câmara dos Deputados, lançou o movimento político Country First (o país em primeiro lugar) para contestar o apoio de seu partido ao ex-presidente (ele também foi censurado por seu diretório local republicano).
No fim de semana, Evan McMullin, diretor executivo da organização política sem fins lucrativos Stand Up Republic, falou a respeito de sua reunião virtual com mais de 120 dirigentes republicanos com o objetivo de fundar um novo partido ou uma nova facção republicana.
“Bom, acho que está claro… que algo novo é necessário”, afirmou McMullin à MSNBC no sábado. “Quarenta por cento do eleitorado sentem que não há esperança de que o Partido Republicano seja capaz de se reformular e voltar a participar de um processo político sadio nos EUA.”
McMullin afirmou que a facção hipotética poderia apresentar candidatos nas primárias contra “os republicanos que mais abandonaram nossa democracia”, citando como exemplos os republicanos Andy Biggs e Paul Gosar, do Arizona. McMullin – que concorreu como candidato independente nas eleições presidenciais de 2016, em grande parte motivado pelo que ele via como uma atração alarmante que Trump exercia no Partido Republicano – afirmou que o processo de impeachment de Trump e sua subsequente absolvição “intensificaram” as discussões a respeito de um terceiro partido.
“Temos o compromisso de tomar um novo rumo, seja para lutar pela conquista da direção do Partido Republicano ou para competir com ele diretamente”, afirmou McMullin.
Os democratas defenderam sua decisão de não convocar testemunhas no sábado em parte porque reconheceram o grau em que os senadores republicanos ainda apoiavam Trump. Em sua maioria, os republicanos votaram em sintonia com Trump durante sua presidência. Em seu discurso, no sábado, McConnell justificou seu voto pela absolvição afirmando acreditar que o julgamento era inconstitucional, porque Trump não era mais presidente quando a Casa recebeu o pedido de impeachment – sem mencionar que ele próprio havia se recusado a reconvocar o Senado até a véspera de Trump deixar o cargo.
Senador Lindsey Graham, aliado fiel de Donald Trump Foto: Erin Schaff/EFE
O senador Chris Murphy, democrata de Connecticut, afirmou estar razoavelmente certo de que haveria votos suficientes para condenar Trump caso a votação fosse secreta. Murphy também rejeitou comentários de republicanos dizendo que, se o presidente em julgamento fosse do Partido Democrata, o resultado seria o oposto.
“Penso que esse culto à personalidade construído em torno do presidente Trump é fundamentalmente distinto”, afirmou Murphy no domingo ao State of the Union, da CNN. “Realmente não acredito que democratas correriam para defender um presidente do nosso partido que estivesse essencialmente tentando anular uma eleição.”
No domingo, os deputados federais da comissão que defendeu o impeachment afirmaram que não faria diferença se os democratas tivessem convocado mais testemunhas. O resultado da votação não se alteraria.
“Uma vez que Mitch McConnell deixou clara sua intenção se absolvê-lo. A comissão pró-impeachment não precisava de mais testemunhas nem de mais provas”, afirmou o senador Chris Coons, democrata de Delaware, ao programa This Week, da ABC. “O que todos nós precisávamos era de mais coragem por parte dos republicanos.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
Maioria dos cidadãos não está satisfeita, segundo pesquisa do Instituto Idea Big Data
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Há não muito tempo, era comum ver na entrada das chamadas repartições públicas uma placa onde se lia que “desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela” é crime que pode levar à pena de detenção de seis meses a dois anos ou multa, de acordo com o art. 331 do Código Penal. Não é improvável que a advertência ainda possa estar nas paredes de algumas dessas agências de atendimento ao público.
Uma advertência nesses termos logo na entrada de um local onde se prestam serviços públicos dá uma boa ideia da qualidade do atendimento que o cidadão está prestes a receber, que pode ser tão ruim a ponto de exasperá-lo.
Evidentemente, casos extremos de má prestação de serviços públicos que levam o contribuinte a cometer o crime de desacato são raros, mas a percepção geral da população é que à alta carga tributária não há uma contrapartida do Estado em bons serviços.
Pesquisa realizada pelo Instituto Idea Big Data, a pedido do movimento Livres, apurou que a maioria da população apoia uma política de avaliação de desempenho dos servidores públicos, além de mudanças nas regras de estabilidade no cargo, inclusive para os que estão em serviço.
Nada menos do que 70% dos entrevistados pelo Idea Big Data disseram ser favoráveis à avaliação de desempenho dos servidores como meio indicado para proporcionar progressões na carreira. Hoje, são comuns casos de aumento de salário e promoções por tempo de serviço, de forma automática. Sem dúvida, isso é um grande fator de acomodação dos servidores, que não têm qualquer estímulo para melhorar suas qualificações e desempenhos, como ocorre corriqueiramente na iniciativa privada.
Em setembro do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro enviou ao Congresso um simulacro de reforma administrativa que mal tangencia a questão da avaliação de desempenho e a estabilidade dos atuais servidores da ativa. Se tudo der certo, o plano do governo federal poderá surtir efeitos daqui a 30 anos. Não atende à premente necessidade do País.
As pressões que as corporações de servidores públicos exercem sobre os Três Poderes são tão fortes que até hoje nenhuma reforma administrativa que representasse real avanço para o Brasil conseguiu ser aprovada. Houve ganhos pontuais aqui e ali ao longo do tempo, mas nada capaz de transformar a mentalidade dos servidores que, a bem da verdade, se servem do Estado.
Para qualquer presidente da República seria difícil, mas não impossível, mexer nesse vespeiro. O histórico de Bolsonaro indica que não será ele quem vai conseguir. Não porque seja difícil e ele não está à altura do desafio – e não está mesmo –, mas porque nem sequer passa por sua cabeça adotar medidas duras, porém vitais para o País, que possam lhe causar quaisquer embaraços eleitorais na campanha pela reeleição.
Perderá o País se uma reforma administrativa digna do nome não vingar mais uma vez, seja pela tibieza de Bolsonaro, seja pela baixa resistência dos parlamentares às pressões das corporações de servidores.
Em sua coluna no Estado, a economista Ana Carla Abrão lembrou muito bem que “a qualidade do serviço público é o principal instrumento de geração de oportunidades e de mobilidade social”. Para uma massa de cidadãos que nascem na pobreza, escreveu a colunista, não há alternativa, senão no Estado, para que esses cidadãos reduzam o abismo que os separa dos que podem pagar por serviços de educação e de saúde de qualidade.
Um projeto de reforma administrativa sério tem de ter como norte indesviável o aumento da eficiência dos servidores e da qualidade na prestação de serviços aos cidadãos. Mexer no chamado “RH do Estado” não se presta apenas a gerar economia para o Tesouro. Sem dúvida, com uma administração mais enxuta, o Estado terá dinheiro para investir mais em áreas essenciais do serviço público, como saúde, educação e infraestrutura, alimentando um círculo virtuoso. Mas o principal objetivo da reforma é diminuir a brutal desigualdade que há séculos mantém o Brasil aferrado ao atraso.
Sucesso de novo plano de preservação ambiental depende do engajamento de Jair Bolsonaro
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
O vice-presidente Hamilton Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), anunciou há dias que a Operação Verde Brasil 2 será encerrada no próximo dia 30 de abril. Em setembro do ano passado, Mourão divulgou um plano de metas do conselho que previa o emprego dos militares no combate aos crimes ambientais na Região Amazônica até o fim de 2022.
De acordo com a apuração do Estado, o fim prematuro da Operação Verde Brasil 2 está relacionado à falta de recursos orçamentários do Ministério da Defesa para manter o dispositivo pelo prazo previsto. Desde 15 de maio de 2020, quando teve início, até agora, a Operação Verde Brasil 2 custou R$ 410 milhões. “Não é uma operação extremamente cara”, disse Mourão, “mas algumas agências disseram que, se tivessem esse dinheiro, fariam muito melhor (do que os militares).”
Isto faz parte do debate político travado em meio à escassez de recursos federais, como o próprio Mourão reconhece. Mas, seja como for, o fim da Operação Verde Brasil 2 virá em boa hora se servir como ponto de partida para uma necessária correção de rumos da política de preservação ambiental do governo federal, que, a rigor, seria inexistente não fosse o trabalho desenvolvido pelo vice-presidente à frente do CNAL.
É verdade que há um vício de origem na Operação Verde Brasil 2. Não é papel das Forças Armadas dar combate a crimes ambientais. Isto é uma atribuição administrativa e policial, tanto em âmbito estadual como no federal. As atribuições das Forças Armadas estão descritas de forma muito clara na Constituição e nas leis que regem seu emprego e funcionamento, mas esses comandos legais têm sido “flexibilizados” de forma corriqueira nos últimos anos. Os militares se tornaram a panaceia de todos os males.
No lugar da Operação Verde Brasil 2, Mourão anunciou o Plano Amazônia 21/22. O plano acerta ao devolver protagonismo aos órgãos de Estado responsáveis pela fiscalização das infrações às leis ambientais e pela preservação dos biomas e populações indígenas e ribeirinhas, como Ibama, ICMBio e Funai, entre outros. Esses órgãos, de acordo com o novo plano, serão apoiados pelas agências de fiscalização dos Ministérios da Justiça, do Meio Ambiente, da Agricultura e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
A decisão de Mourão de valorizar órgãos de Estado concebidos para proteger o meio ambiente está absolutamente correta. Mas, para que dê os resultados esperados, o vice-presidente terá de superar alguns obstáculos. O primeiro deles é orçamentário. As restrições impostas ao Ministério da Defesa não são diferentes das que afligem outros Ministérios e os órgãos de fiscalização ambiental. Para piorar, os quadros de pessoal desses órgãos foram esvaziados nos últimos anos, sendo necessária a recomposição das equipes por meio de contratações. Como fazê-lo diante da escassez de recursos? Mourão fala em contratar servidores temporários, mas não está claro se eles terão poder para impor sanções como têm os servidores efetivos, investidos de múnus público.
Para acertar essa questão tão determinante para o sucesso do Plano Amazônia 21/22, seria bom que o presidente Jair Bolsonaro deixasse de lado as picuinhas com seu vice-presidente e retomasse o diálogo, apoiando-o no que for necessário. Mourão pode conceber o melhor dos planos, mas o poder e a força para fazê-lo dar certo são, no fim das contas, do presidente Bolsonaro.
Questões como a definição de 11 municípios do País a serem fiscalizados também desafiam o sucesso do Plano Amazônia 21/22. O que impede que criminosos saiam de um município que esteja no radar das autoridades para devastar outro? O fato é que o Brasil dispõe de tecnologia para monitorar toda a Amazônia em tempo real. A concentração de efetivos e recursos em 11 municípios de 4 Estados pode resultar ineficiente.
Oxalá o Plano Amazônia 21/22 dê certo. O combate à pandemia, a recuperação da economia e a preservação do meio ambiente são as grandes prioridades nacionais. Mas o governo como um todo deve estar engajado nesta causa.
Após a gripe espanhola, o País assistiu ao carnaval da euforia
Para foliões e estudiosos, a festa de 1919 só poderá ser superada pela primeira pós-covid
Priscila Mengue, O Estado de S.Paulo
Faltavam ainda 15 dias para o que o Estadão chamava de “reinado legítimo do Momo”, mas São Paulo e outros pontos do País já tinham desistido de esperar a data oficial. Depois de uma pandemia que matou milhares de brasileiros em poucos meses, o carnaval de 1919 foi intenso, eufórico e virou história e inspiração para alguns dos principais autores nacionais.
Folia de 1919 ‘triunfou como enorme vingança’, relatou publicação Foto: Revista Careta/Acervo Biblioteca Nacional
“É natural esse anseio de alegria e de prazer que se nota entre o nosso povo: não tivesse ele a descontar tantos sustos, tantos aborrecimentos, tantas tristezas, que só o carnaval – especialmente para todos os males – poderá curar”, dizia uma reportagem publicada por este jornal em fevereiro daquele ano. “A alegria transbordou até altas horas, triunfalmente, como uma enorme vingança da vida imortal contra os horrores que a quiseram escurecer”, apontou outra, de março. O carnaval que sucedeu a chegada da gripe espanhola é considerado por alguns como o maior da história do País. Entre adeptos e estudiosos da folia, há muitos que acreditam que ele somente poderá ser superado pelo primeiro pós-covid.
Diferentemente da pandemia do novo coronavírus, a da gripe espanhola teve a maioria dos casos no País concentrada em um período mais curto, majoritariamente entre setembro e novembro de 1918, vitimando até o presidente eleito, Rodrigues Alves, e levando o sistema funerário e de saúde ao colapso.
Hospital montado no Club Athletic Paulistano em 1918, durante a gripe espanhola Foto: Acervo Fundação Biblioteca Nacional
No mundo, estimativas apontam até 50 milhões de mortes, sem contar os óbitos na 1.ª Guerra Mundial, encerrada no mesmo ano. “Há relatos de corpos nas ruas, gente que enterrou os parentes nos quintais”, lembra o historiador Ricardo Augusto dos Santos, da Casa de Oswaldo Cruz, da Fiocruz. “Era uma realidade muito diferente da atual (de modo geral), em relação à higiene e às condições sanitárias. As pessoas moravam em locais insalubres, sem ar e sem sol.”
Como a pandemia se alastrou rapidamente, o cotidiano já estava próximo da normalidade no começo de 1919, o que ajuda a explicar a realização do carnaval naquele verão. “Todas as classes de alguma forma brincaram, fosse no subúrbio, fosse na zona sul. Quem tinha dinheiro alugava carro para fazer cortejo”, destaca o historiador. Havia blocos, desfiles de carros, chuva de confetes e brincadeiras com lança-perfume, dentre outras folias.
Em um artigo sobre o tema, Santos chegou a comparar a alegria dos brasileiros no fim da pandemia com os relatos de celebrações na Europa depois da peste negra. A própria máscara que se tornou símbolo do carnaval veneziano, por exemplo, com um longo bico, remete à que era utilizada para tratar os pacientes com a doença.
No Brasil, a tragédia foi lembrada em marchinhas e, até mesmo, em alegorias. “Não há tristeza que possa/ Suportar tanta alegria/ Quem não morreu da espanhola/ Quem dela pode escapar/ Não dá mais tratos à bola/ Toca a rir, Toca a brincar”, dizia o trecho de uma canção publicada em jornal em janeiro, resgatada por Santos.
Uma das fotos mais conhecidas daquele carnaval, publicada na revista Careta, é de um carro alegórico com uma grande chaleira, com a frase “chá de meia noite”, em referência a um boato de que uma bebida era administrada aos doentes para acelerar a morte durante a epidemia.
Naquele ano, também ocorreram os primeiros desfiles dos tradicionais Cordão da Bola Preta, que persiste até hoje, e do Bloco do Eu Sozinho, que perdurou por mais de 50 carnavais e era composto exclusivamente pelo jornalista Júlio Silva.
Mais adiante, aqueles momentos históricos foram narrados por escritores brasileiros, como Nelson Rodrigues, Carlos Heitor Cony e Ruy Castro, que destacaram como aquele festejo marcou também uma liberação dos costumes. “Poucas semanas antes, estávamos a milímetros da morte. Agora já eram as vésperas de 1919. Quem sobreviveu não perderia por nada aquele carnaval”, narrou Castro em Metrópole à Beira-mar: o Rio Moderno dos Anos 20.
Já Rodrigues destacou o que considerava uma excessiva liberação sexual. “Foi de um erotismo absurdo. Daí a sua horrenda tristeza. Disse não sei quem que o desejo é triste. E nunca se desejou tanto como naqueles quatro dias. A tristeza escorria, a tristeza pingava, a alegria era hedionda”, escreveu no Memórias: A Menina sem Estrela.
Expectativa
Para o carnavalesco Milton Cunha, um dos coordenadores do Observatório do Carnaval, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a próxima folia será ainda mais emblemática e intensa do que a que sucedeu a gripe espanhola. “Vai ser uma catarse”, define. “O pessoal está muito se questionando (na pandemia), ‘o que fiz da minha vida, o que aproveitei’… Esse questionamento vai enlouquecer todo mundo.”
Para ele, assim como em 1919, haverá referências à pandemia nas ruas, em fantasias, alegorias, músicas e mais, como já ocorre agora com a música Bum Bum Tam Tam, por exemplo, que até ganhou versão com o nome Vacina Butantan.
Acabo de voltar de uma viagem rumo ao conhecimento, usando como meio de transporte um excelente livro sobre o universo digital.
Ele me levou para San Francisco, Califórnia, Estados Unidos, onde fui recebido pela escritora Sarah Frier, a quem fui logo pedindo:
Ensina-me algo que eu ainda não saiba e tenha o poder de mudar a minha vida para melhor.
– Faça da ousadia o seu traço de personalidade mais marcante.
– Procure hoje colocar a cabeça dentro do futuro e tente moldar o presente para que ele se transforme na sua visão.
Sarah escreveu o premiadíssimo livro “No Filter” (Sem Filtro, em português) , no qual ela conta a história da criação do Instagram, desde a sua concepção, há dez anos, até o seu crescimento meteórico e sua venda para o Facebook por US$ 1 bilhão.
Frier capta, com um incrível poder de investigação científica e de síntese, a essência da história de uma das mais extraordinárias empresas da era digital.
O Instagram chegou ao incrível recorde de acumular mais de 1 bilhão de usuários por mês.
Foi criado por dois jovens engenheiros visionários, um deles, brasileiro, o paulistano Michel Krieger, conhecido na América como Mike.
Durante uma folga em uma praia mexicana, seu amigo Kevin teve o grande momento de eureka na vida.
Em uma caminhada com a namorada, ela perguntou, em tom de instigação, como é que um amigo do casal conseguia publicar em suas redes sociais fotos tão bem produzidas.
Kevin logo respondeu que ele deveria usar um dos aplicativos básicos que sobrepunham filtros às imagens das fotos, com o intuito de reduzir suas imperfeições.
Espantada e bem-humorada, a namorada sugeriu que Kevin e Mike talvez pudessem pensar em ter filtros no novo aplicativo que estavam desenvolvendo.
Quando voltou a San Francisco, Kevin comentou para com o amigo brasileiro sobre a sugestão do uso dos filtros tão elogiados por sua namorada.
Mike se debruçou em cima da ideia e criou logo os primeiros esboços, e assim surgiram os famosos filtros do Instagram.
No Filter é um dos melhores livros entre os 364 que já li neste ano, dentro da minha meta pessoal de ler um livro por dia.
Se o brasileiro Ivo Pitanguy criou a cirurgia plástica e o conceito de beleza e estética facial, Mike Krieger transportou esse conceito para as fotos digitais.
No fundo, o brasileiro gosta é mesmo de beleza, você não acha?
Palestrante, consultor e fundador do Blog do Maluco
Mais algumas gerações, e a época atual será lembrada pela imaturidade egoísta que ainda domina a sociedade. Nossos descendentes pensarão no legado recebido: “Como estavam atrasados nossos antecessores! Poderia ter vivido muito melhor!”.
Não há como se esperar em curto prazo uma saída desse penoso clima sociopolítico, afundados num nível ainda muito baixo de espiritualidade, que atrasa a colheita de um bem-estar ao alcance de uma nação, como a brasileira, aquinhoada de imensos recursos naturais, clima, solo e espaços de rara fecundidade.
Em nossos tempos predomina, abominavelmente, a lógica antissocial do proveito sem escrúpulo. Elites que deveriam dar o exemplo e se erguer como faróis na escuridão despejam sobre as massas atitudes abomináveis, contrárias ao que deveria ser praticado e demostrado. Pior é quando figuras que, aliviadas pelos altos ganhos, salários e privilégios, portanto ao reparo de aparentes necessidades irrefreáveis e tentações, transgridem e infringem a ética e a probidade. Apenas um exaustivo trabalho de conscientização dos indivíduos, de bons exemplos e ações poderá persuadir e, assim, conquistar pessoa por pessoa para a benevolência. Por meio dos indivíduos melhorados, e apenas assim, numa democracia se transformará o conjunto da nação.
Os usurpadores deixam a população no sofrimento, obviamente escondendo dos holofotes seus planos. Quanto maior o sofrimento das pessoas (parece que alguns partidos acreditam e agem dessa forma, abjeta e não confessada), mais fácil será provocar uma satisfação por meio de mínimos alívios.
Dominar e se manter à frente de um rebanho miserável. Com pouco, pensam eles, se alcança uma mudança impactante. É mais feliz um pobre africano castigado pela seca ao receber alguns quilos de arroz ou de farinha que um alto funcionário ao receber uma gratificação de R$ 5.000, que compra mais de cem quilos de alimentos.
As instituições públicas podem mudar a vida dos seres humanos governados, mas elas podem ser alteradas apenas por seres humanos evoluídos. Tudo isso requer esforços individuais, que têm contra si o tempo, as limitações humanas, o egoísmo. Até lá é trabalhar, sem desanimar, para desfazer a visão cruelmente materialista e implantar uma visão mais espiritualista da realidade e da continuidade humana.
Imagino que a maioria dos políticos atuais, dos grandes operadores de finanças, neste momento interromperão a leitura deste texto. A espiritualidade não é uma ciência exata; permanece num horizonte indefinido para quase a totalidade das pessoas. Contudo, um ser convenientemente espiritualizado pode provocar milhões de espiritualizações, numa cadeia infindável de reações que vão além de sua vida, e contribuir com a evolução humana.
Temos ainda um número exagerado de figuras digladiando-se por vantagem pessoal efêmera, por vez velada de um interesse setorial, mas sub-repticiamente desprovidas de escrúpulos com as consequências deletérias e os prejuízos que as vantagens de uns poucos geram para muitos outros. Não há medida ou decisão que possa realmente ser considerada acertada quando não se considera o conjunto ou a integralidade social.
Dando apenas pão, pode-se ajudar somente o indivíduo; só é possível ajudar uma integralidade de pessoas redimindo-as da fome e da brutalidade, ajudando-as a obter uma concepção (holística) do mundo, que pelas vias da espiritualidade se abre e penetra nas consciências individuais e as transforma permanentemente. De nada adianta fornecer apenas o pão a cada uma das pessoas, o resultado será que depois de algum tempo muitos estarão de novo sem pão.
A ação dos governos, e até aquela empresarial, chegará num prazo relativamente próximo, a compreender e providenciar, além da distribuição de recursos materiais, alimento intelectual e espiritual.
Educação já! Por que a abertura das escolas é tão importante?
Prejuízo causado às crianças pelo fechamento é incalculável
Por LAURA SERRANO – JORNAL O TEMPO
A chamada é um dos momentos típicos da escola, e muitos de nós nos lembramos com carinho de quando respondíamos à professora: “Presente!”. Infelizmente, nesse ano que passou, nossas crianças não tiveram a mesma oportunidade. A Covid-19 impediu a realização das aulas presenciais. Nos momentos mais agudos da pandemia e quando ainda não tínhamos nenhuma informação sobre o novo coronavírus, o ensino remoto foi a alternativa possível para que nossas crianças continuassem a aprender e não perdessem o vínculo precioso com a escola.
Todos nós nos lembramos do comércio quase que completamente fechado, da inexistência das feiras, dos cultos religiosos suspensos, dos bares sem funcionar, da vida vivida em isolamento completo. O cenário hoje mudou. O distanciamento social ainda é importante, assim como o cumprimento dos protocolos sanitários. É graças ao cumprimento dos protocolos, à observância dos resultados de estudos científicos mais recentes e ao aprender com experiências bem-sucedidas de outros países que foi possível retomar atividades de forma segura e responsável. Tudo aberto, exceto escolas! É isso mesmo que desejamos para nossas crianças e sociedade? Não há desenvolvimento sem educação.
Pois bem, vamos aos dados e evidências. As escolas fechadas por um longo período têm impacto devastador: as crianças ficam sujeitas à violência física e emocional, suscetíveis a abusos sexuais e trabalho infantil, bem como depressão e obesidade, segundo estudos da Unicef. Muitas famílias têm deixado crianças e adolescentes em lugares clandestinos ou mesmo com cuidadores não treinados, propiciando situações como o duro relato que ouvi de uma cidadã moradora de comunidade e a favor da volta às aulas presenciais: as escolas pararam, mas o tráfico e a prostituição, não.
Além disso, há um aumento da exclusão durante a pandemia da Covid-19, e avalia-se que aproximadamente 40% dos países de renda baixa e média-baixa não auxiliaram os alunos vulneráveis durante o fechamento temporário das escolas (Relatório de Monitoramento Global da Educação – Unesco). O governo Zema disponibilizou em tempo recorde o ensino remoto para os alunos da rede pública estadual, sendo referência no assunto nacional e internacionalmente. Mas, infelizmente, temos exemplos como Belo Horizonte, em que as escolas públicas municipais fecharam completamente e sem ensino remoto, agravando as desigualdades entre crianças de escolas públicas e particulares.
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A Covid-19 em crianças corresponde a menos de 2% dos casos totais na população (Portal Pebmed). Um estudo de uma equipe de médicos pediatras realizado pelo movimento Pais pela Educação sobre o desenvolvimento da Covid-19 em crianças evidencia que “revisões sistemáticas da literatura mundial, incluindo mais de 70 países do mundo e o Brasil, demonstram um padrão mais benigno evolutivo na faixa etária pediátrica (de 0 a 19 anos) em relação aos adultos. Crianças e adolescentes infectados apresentam, na grande maioria dos casos (de 85% a 95%), formas assintomáticas ou leves e moderadas da doença na fase aguda. Menos de 5% evoluem d</CW><CW10>e forma grave ou crítica”.
Segundo o “Journal of the American Medical Association”, pessoas menores de 20 anos têm 44% menos possibilidades de se infectar após exposição, em comparação com adultos maiores de 20 anos.
O prejuízo causado pelo fechamento das escolas para as crianças é incalculável. Especialmente quando se prolonga por muito tempo, o remédio pode ser pior do que a doença. Evasão escolar, atraso no desenvolvimento cognitivo e pedagógico, risco de violência, distúrbios da saúde mental e insuficiência nutricional são algumas das consequências de escolas fechadas por mais tempo do que o necessário. Os protocolos específicos e com base científica já existem e devem ser implementados. Já passou da hora de nossas crianças poderem responder “Presente!” dentro da escola, ainda que com um grande sorriso coberto pela máscara.