Alimento espiritual
Em nossos tempos predomina, abominavelmente, a lógica antissocial do proveito sem escrúpulo
Vittorio Medioli – Jornal o Tempo
Mais algumas gerações, e a época atual será lembrada pela imaturidade egoísta que ainda domina a sociedade. Nossos descendentes pensarão no legado recebido: “Como estavam atrasados nossos antecessores! Poderia ter vivido muito melhor!”.
Não há como se esperar em curto prazo uma saída desse penoso clima sociopolítico, afundados num nível ainda muito baixo de espiritualidade, que atrasa a colheita de um bem-estar ao alcance de uma nação, como a brasileira, aquinhoada de imensos recursos naturais, clima, solo e espaços de rara fecundidade.
Em nossos tempos predomina, abominavelmente, a lógica antissocial do proveito sem escrúpulo. Elites que deveriam dar o exemplo e se erguer como faróis na escuridão despejam sobre as massas atitudes abomináveis, contrárias ao que deveria ser praticado e demostrado. Pior é quando figuras que, aliviadas pelos altos ganhos, salários e privilégios, portanto ao reparo de aparentes necessidades irrefreáveis e tentações, transgridem e infringem a ética e a probidade. Apenas um exaustivo trabalho de conscientização dos indivíduos, de bons exemplos e ações poderá persuadir e, assim, conquistar pessoa por pessoa para a benevolência. Por meio dos indivíduos melhorados, e apenas assim, numa democracia se transformará o conjunto da nação.
Os usurpadores deixam a população no sofrimento, obviamente escondendo dos holofotes seus planos. Quanto maior o sofrimento das pessoas (parece que alguns partidos acreditam e agem dessa forma, abjeta e não confessada), mais fácil será provocar uma satisfação por meio de mínimos alívios.
Dominar e se manter à frente de um rebanho miserável. Com pouco, pensam eles, se alcança uma mudança impactante. É mais feliz um pobre africano castigado pela seca ao receber alguns quilos de arroz ou de farinha que um alto funcionário ao receber uma gratificação de R$ 5.000, que compra mais de cem quilos de alimentos.
As instituições públicas podem mudar a vida dos seres humanos governados, mas elas podem ser alteradas apenas por seres humanos evoluídos. Tudo isso requer esforços individuais, que têm contra si o tempo, as limitações humanas, o egoísmo. Até lá é trabalhar, sem desanimar, para desfazer a visão cruelmente materialista e implantar uma visão mais espiritualista da realidade e da continuidade humana.
Imagino que a maioria dos políticos atuais, dos grandes operadores de finanças, neste momento interromperão a leitura deste texto. A espiritualidade não é uma ciência exata; permanece num horizonte indefinido para quase a totalidade das pessoas. Contudo, um ser convenientemente espiritualizado pode provocar milhões de espiritualizações, numa cadeia infindável de reações que vão além de sua vida, e contribuir com a evolução humana.
Temos ainda um número exagerado de figuras digladiando-se por vantagem pessoal efêmera, por vez velada de um interesse setorial, mas sub-repticiamente desprovidas de escrúpulos com as consequências deletérias e os prejuízos que as vantagens de uns poucos geram para muitos outros. Não há medida ou decisão que possa realmente ser considerada acertada quando não se considera o conjunto ou a integralidade social.
Dando apenas pão, pode-se ajudar somente o indivíduo; só é possível ajudar uma integralidade de pessoas redimindo-as da fome e da brutalidade, ajudando-as a obter uma concepção (holística) do mundo, que pelas vias da espiritualidade se abre e penetra nas consciências individuais e as transforma permanentemente. De nada adianta fornecer apenas o pão a cada uma das pessoas, o resultado será que depois de algum tempo muitos estarão de novo sem pão.
A ação dos governos, e até aquela empresarial, chegará num prazo relativamente próximo, a compreender e providenciar, além da distribuição de recursos materiais, alimento intelectual e espiritual.
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