De dez
promessas feitas, Bolsonaro dependerá do Congresso em oito
Estadão Conteúdo
Com base na legislação brasileira, o presidente possui três dispositivos
para aprovar leis: Projeto de Lei, Proposta de Emenda à Constituição e Medida
Provisória
Empossado, o
presidente Jair Bolsonaro terá a missão de pôr em prática as promessas feitas
na campanha. De dez propostas selecionadas pela reportagem e
analisadas com ajuda de especialistas, oito dependem do Congresso.
Com base na legislação brasileira, o presidente possui três dispositivos para
aprovar leis. Um é via Projeto de Lei (PL), que depende da maioria de votos
favoráveis dos parlamentares presentes na sessão, caso seja uma lei ordinária e
da maioria absoluta de cada Casa, se for uma lei complementar. Outro
dispositivo é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que precisa de 3/5 de
votos do total de parlamentares da Câmara e do Senado. Estes dois recursos
também podem ser apresentados por deputados e senadores.
Por fim, o presidente ainda pode apresentar uma Medida Provisória (MP). Nesse
caso, a lei passa a valer assim que é publicada. No entanto, o Congresso tem um
prazo de 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias para aprovar o projeto. Caso
isso não ocorra, a medida perde efeito. Esse último dispositivo é prerrogativa
única do presidente.
1. Mudança da Embaixada de Israel
Bolsonaro prometeu, ainda durante a campanha eleitoral, mudar a embaixada
brasileira em Israel. A sede do governo iria de Tel-Aviv para Jerusalém. O
primeiro-ministro israelense, Biyamin Nethanyahu, disse recentemente que
Bolsonaro confirmou a mudança. O presidente tem a prerrogativa de fazer a
alteração sem consultar o poder legislativo. "Basta uma ordem do presidente
que o Itamaraty vai cumprir, não depende de aprovação de Congresso",
afirma a professora de direito internacional da PUC-SP Claudia Villagra.Apesar
da autonomia, a medida é polêmica do ponto de vista diplomático, uma vez que
reconheceria Jerusalém como capital de Israel. Há décadas a cidade é centro de
disputas entre israelenses e palestinos, que a reivindicam como sua capital.
Em dezembro de 2017, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou que iria
mudar a embaixada norte-americana para Jerusalém. No mesmo mês, o governo
brasileiro e outros 127 países apoiaram uma resolução da ONU condenando a
transferência. Em maio de 2018, a mudança foi oficializada, o que desencadeou
uma série de protestos dos palestinos. No dia da inauguração da nova sede, ao
menos 52 manifestantes foram mortos.
Em dezembro de 2018, após a confirmação de Bolsonaro de que a proposta será
levada adiante, a Liga Árabe aprovou uma resolução apontando que a região
tomará as "medidas políticas, diplomáticas e econômicas necessárias",
caso a embaixada brasileira mude para Jerusalém.
2. Inclusão de disciplinas na Base Curricular Comum
Durante a campanha ao Planalto, o então candidato a vice-presidente general
Hamilton Mourão afirmou que, caso eleito, Bolsonaro gostaria de reintroduzir as
disciplinas de Educação Moral e Cívica (EMC) e Organização Social e Política do
Brasil (OSPB) no currículo escolar. Ambas foram tornadas obrigatórias durante o
regime militar, por meio de decreto presidencial. A medida foi revogada 24 anos
depois, no governo de Itamar Franco.
Segundo a advogada e integrante do Movimento Todos pela Educação, Alessandra
Gotti Bontempo, a Lei nº 13.415, de 2017, alterou a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional e determinou que qualquer mudança dessa natureza teria que
vir pelo Ministério da Educação (MEC), validada pelo Conselho Nacional de
Educação (CNE) e homologada pelo Ministro da Educação, sem necessidade de
passar pelo Congresso.
"Ao mesmo tempo, o MEC pode enviar proposta de inclusão de competências ou
habilidades destes temas que já não estejam contempladas na Base Nacional Comum
Curricular para inclusão no documento pelo CNE", explica Eduardo
Deschamps, ex-presidente do CNE.
3. Corte de Ministérios
Em seu programa de governo, entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
durante a campanha presidencial, Bolsonaro propõe uma redução no números de
pastas, afirmando que "um número elevado de ministérios é ineficiente, não
atendendo os legítimos interesses da Nação." Após a eleição, o futuro
presidente anunciou que irá reformular os ministérios.
Algumas pastas serão fundidas, como os atuais Ministérios da Fazenda,
Planejamento, Indústria e Comércio, que irão formar o Ministério da Economia.
Outras extintas, como o Ministério do Trabalho. Apesar de já ter sido
anunciada, a reformulação precisa passar pelo poder legislativo. Segundo o
professor de direito da USP Floriano Peixoto Neto, a Constituição prevê que em
casos de criação de despesas, ou extinção de cargos, a mudança deve ser
aprovada pelo Congresso. "Normalmente é enviada por MP", diz. Ele
acredita que a alteração não irá encontrar resistência.
Cabe exclusivamente ao presidente, sem a necessidade de aprovação do Congresso,
organizar a administração das pastas. Isso significa que ele pode deslocar, por
exemplo, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério
da Fazenda, para o Ministério da Justiça, conforme anunciou o futuro ministro
da pasta, Sérgio Moro.
4. Saidinhas e indultos de presos
Bolsonaro poderá, sozinho, acabar com o indulto natalino aos presos. O indulto
é um perdão de pena que costuma ser concedido pelo presidente na época do
Natal. O dispositivo está previsto na Constituição e vale para os presos que
cumprem determinados requisitos. Para entrar em vigor, o presidente precisa
assinar um decreto a cada ano. Por isso, para cancelar o indulto, basta que
Bolsonaro não assine o documento.
Já o processo para acabar com as saidinhas temporárias é um pouco mais
complicado. O professor de direito penal da FGV Conrado Gontijo explica que a
revogação do benefício não é tão simples, pois trata-se de uma matéria
disciplinada pela lei de execuções penais, o que impede, inclusive, a edição de
uma MP. "Apenas o Congresso Nacional tem condição de alterar essa
questão", diz.
5. Revogação do Estatuto do Desarmamento
Uma das principais promessas nas quais a campanha presidencial de Jair
Bolsonaro foi baseada, a revogação à proibição do porte de arma não poderá ser
feita com uma canetada. Para isso, será necessário que o Congresso aprove um PL
que altere o Estatuto do Desarmamento, que dispõe sobre registro, posse e
comercialização de armas de fogo e munição.
Atualmente, tramita na Câmara o PL3722 proposto em 2012 pelo deputado Rogério Peninha
Mendonça (MDB) e relacionado ao tema. O texto já passou pelas comissões da Casa
e agora precisa ser votado em plenário.
O presidente, no entanto, tem a prerrogativa de flexibilizar alguns pontos do
estatuto sem precisar de aprovação legislativa. O diretor executivo do
Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, afirma que alguns dispositivos da lei são
de competência da Polícia Federal (PF) e do Ministério da Justiça, ambos
controlados por Bolsonaro. "Ele pode alterar, por exemplo, o número de
armas que as pessoas podem ter, ou tipo de calibre permitido."
6. Redução da Maioridade Penal
Para aprovar essa promessa de campanha, incluída no programa de governo,
Bolsonaro vai precisar contar com o apoio do Congresso. A matéria, de acordo
com o professor Gontijo, só pode ser alterada por emenda constitucional. Isso
ocorre porque tanto a Constituição, quando o Código Penal, afirmam que menores
de 18 anos são "inimputáveis" e sujeitos às medidas socioeducativas
previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Gontijo entende, no entanto, que essa definição poderia ser considerada uma
cláusula pétrea da Constituição, o que impediria qualquer alteração. "Eu
compreendo que isso sequer poderia ser feito", afirma.
Em 2015, uma PEC foi aprovada pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha. À
época, o texto foi alvo de polêmica, pois Cunha valeu-se de uma manobra para
conseguir os votos necessários para aprovação. A proposta havia sido rejeitada
no dia anterior, mas foi colocada em pauta novamente com algumas alterações,
que deixavam o texto mais brando. A proposta reduz a maioridade penal de 18
para 16 anos em casos de crimes hediondos, homicídio doloso (com intenção de
matar) e lesão corporal seguida de morte. Para ser aprovada, a PEC ainda
precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e,
depois, votada em plenário em dois turnos. É necessário 3/5 dos votos em ambas
as votações, o que representa 49 votos favoráveis.
7. Acordo de Paris
Em diversas ocasiões durante a campanha eleitoral, Bolsonaro deixou no ar uma
possível retirada do Brasil do Acordo de Paris. A saída do tratado, firmado em
2015, pode levar tempo e algum esforço político do presidente eleito, que
sugere que o acordo "fere a soberania do País". As regras firmadas
preveem que nenhum país signatário deixe o tratado antes de três anos da
entrada em vigência, que só ocorreu em 2016. Dessa forma, a partir de 2019
Bolsonaro poderá iniciar a movimentação para uma eventual retirada.
Ao contrário dos EUA, onde o presidente tem a prerrogativa de decidir sozinho
pela retirada, no Brasil isso precisa ser autorizada pelo Congresso, via
Projeto de Lei. A professora de direito internacional da USP, Maristela Basso,
explica que essa diferença existe por conta da maneira como cada país negociou
a entrada no acordo. "Nos EUA o Congresso deu 'fast track' ao presidente.
Para entrarem no pacto de Paris, bastava a assinatura dele." Segundo a
professora, a adesão do Brasil ao acordo, que estabelece metas para reduzir a
emissão de gases de efeito estufa, teve que passar pelo Congresso e, portanto,
a retirada deve seguir o mesmo processo. "Bolsonaro pode dizer o que ele
quiser, mas tem que ter autorização do Congresso Nacional."
8. Nova Carteira de Trabalho
Em seu programa de governo, o presidente eleito promete a criação de uma nova
carteira de trabalho "em que o contrato individual prevalece sobre a CLT,
mantendo todos os direitos constitucionais". O novo modelo teria capa
verde e amarela e seria destinado principalmente a novos trabalhadores, ingressantes
no mercado de trabalho. Funcionaria como uma alternativa a carteira de trabalho
tradicional, de capa azul, que garante acessos aos direitos e garantias
fundamentais previstos no artigo sétimo da Constituição e que são reforçados
pela Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT.
Segundo o advogado trabalhista Luís Carlos Moro, Bolsonaro não poderia,
sozinho, mudar os direitos básicos previstos na Constituição, pois seria
necessária uma emenda constitucional e assim o aval do Congresso. "Teria
que fazer uma modificação de natureza constitucional muito difícil,
questionável até do ponto de vista da possibilidade jurídica na medida em que
ele alteraria cláusulas pétreas."
Por outro lado, professor de direito trabalhista da FGV, Paulo Sérgio João
afirma que o presidente eleito poderia, eventualmente, propor uma mudança na
forma como está garantido o direito. "O fundo de garantia, por exemplo, é
um direito, mas é a lei que determina que o valor corresponde a 8% do
salário."
9. Cotas
Criticada por Bolsonaro durante a campanha presidencial, a lei de cotas não
poderá ser alterada com uma canetada, mas tampouco depende de um expressivo
apoio legislativo. Isso porque trata-se de uma lei ordinária, logo, qualquer
alteração precisa apenas de uma maioria simples, ou seja, a maioria dos
parlamentares presentes na sessão. A advogada constitucionalista Vera Chamim
acredita que Bolsonaro não terá dificuldades para endurecer a lei, se assim
desejar. "Se ele quiser mudar a lei de cotas ele vai precisar de uma
maioria simples. Acho que vai ser relativamente fácil."
Outra alternativa seria mudar essa legislação por Medida Provisória. Nesse
caso, contudo, pode haver contestamento jurídico, segundo o professor de
direito da USP Floriano Peixoto Neto. "A Constituição veda a MP para temas
que envolvem a cidadania. Poderia haver um entendimento de cidadania no sentido
de incluir as políticas afirmativas dentro dessa discussão".
10. Reforma da Previdência
Apontada como uma das prioridades do novo governo, a Reforma da Previdência precisaria
ser aprovada como PEC. Isso requer ao menos 308 votos favoráveis em dois turnos
na Câmara e outros 49 votos em dois turnos no Senado. Além disso, a proposta
ainda precisaria ser aprovada na CCJ das duas Casa legislativas, o que deve
levar algum tempo, caso uma nova proposta seja formulada.
Uma maneira de acelerar o processo seria aprovar a PEC proposta pelo atual
presidente Michel Temer. O projeto já passou pela CCJ da Câmara e está pronto
para ir a plenário. Bolsonaro, no entanto, já sinalizou que não pretende
colocar essa proposta em votação.A legislação permite que o texto já aprovado
sofra alterações para que fique mais próxima ao que deseja a equipe econômica
do presidente eleito. Mas, segundo a presidente do Instituto Brasileiro de
Direito Previdenciário, Adriana Bramante, a descaracterização do texto original
não é o melhor caminho. "Fica ruim e daqui a um ano estaremos discutindo
reforma previdenciária de novo."
Uma terceira possibilidade, seria enviar um PL, que necessita de menos votos,
ou até mesmo editar uma Medida Provisória. Porém os pontos que estão
contemplados na Constituição só podem ser alterados com emenda. "Bolsonaro
não poderia, por exemplo, colocar idade mínima na aposentadoria", diz
Adriana.