Sem início de
obras, moradores de Mariana mostram apreensão
Agência Brasil
Morador do Distrito
de Barra Longa
Há três anos, cerca
de 400 famílias viram suas casas serem engolidas pela lama na maior tragédia
ambiental do país. Desde então, moradores dos distritos de Bento Rodrigues e
Paracatu, vinculados a Mariana (MG), e de Gesteira, vinculado a Barra Longa
(MG), sonham com o dia em que poderão viver novamente em suas comunidades. O
cronograma de reconstrução, divulgado há dois anos, não se converteu em
realidade e a esperada entrega dos novos distritos em 2019 não vai ocorrer.
A reconstrução é uma
obrigação da Fundação Renova, que foi criada conforme previsto em acordo
firmado no início de 2016 entre a União, os governos de Minas Gerais e Espírito
Santo e as mineradoras responsáveis pela tragédia: a Samarco, dona da barragem
que se rompeu, e suas acionistas Vale e BHP Billiton. Cabe à Fundação Renova,
com recursos das empresas, reassentar as famílias e reparar todos os danos
ambientais e socieconômicos decorrentes do episódio.
Apesar dos atrasos,
os moradores de Bento Rodrigues comemoraram uma vitória recente: o canteiro de
obras foi implantado em maio desse ano, as licenças necessárias obtidas em
julho e o trabalho de supressão de vegetação e abertura das vias já está em
curso. A próxima etapa deve ser a instalação de rede de esgoto e em seguida a
pavimentação. As obras devem ser concluídas em aproximadamente 22 meses e a
entrega está prevista para agosto de 2020.
"As coisas não
evoluíram como nós queríamos. Dois anos e meio só para sair o licenciamento. As
crianças vão crescendo num ambiente diferente. Eu nunca gostei de cidade.
Gostava da minha roça. Colher a couve, colher a cebolinha, tirar leite, fazer
queijo. Tudo isso eu quero de novo aqui", diz José do Nascimento de Jesus,
conhecido como Zezinho do Bento, presidente da Associação Comunitária de Bento
Rodrigues e integrante da comissão de atingidos.
Aos 73 anos, ele
visita a obra quase todos os dias e é conhecido, pela equipe da Fundação
Renova, como “o maior e mais rigoroso fiscal”. "Estou aqui defendendo a
minha comunidade. Tem que ser entregue do jeito que a gente quiser",
acrescenta. Ele avalia que agora a obra está atingindo o ritmo desejado.
No novo Bento
Rodrigues serão reassentadas cerca de 240 famílias e a reconstrução segue o
projeto urbanístico aprovado pelos próprios atingidos em fevereiro, que levou
em conta as atingas relações de vizinhança. Elas também escolheram o terreno,
que antes pertencia à siderúrgica Arcelor Mittal e foi comprado pela Fundação
Renova. No local, havia uma produção de eucalipto. A pedido dos atingidos, a
madeira suprimida está sendo armazenada. Segundo o presidente da associação
comunitária, a ideia é guardá-la para abastecer os fogões a lenha das futuras
casas.
"Na próxima
semana, começam as visitas das famílias aos lotes para que elas autorizem a
construção e a entrada no projeto individual das residências na
prefeitura", diz Patrícia Lois, engenheira civil e gerente dos
reassentamentos da Fundação Renova, explicando que o alvará de cada casa é
individual.
O desenho das casas
já está sendo desenvolvido. São 28 arquitetos designados apenas para fazer os
projetos. "Muitos atingidos estão optando por não repetir o desenho das
casas antigas. As famílias estão muito ligadas ao futuro. Novas atividades
econômicas, novos hábitos que elas adquiriram nesses três anos que se passaram.
Isto tudo está sendo considerado por elas", diz o arquiteto Alfredo Zanon.
Mesmo quem mantêm
suas atividades pode querer um espaço mais adequado do que o anterior.
"Tem o exemplo da família que produz geleia de pimenta biquinho. Como vai
ser essa nova indústria deles? Na comunidade de Paracatu, tem gente pensando em
agroecologia e em agroturismo. Estamos incorporando tudo isso no projeto",
acrescenta Zanon.
Uma das promessas da
Fundação Renova é empregar nas obras cerca de 80% de mão de obra local. Um
acordo com o Ministério Público de Minas Gerais foi firmado dando aos atingidos
o direito de serem contratados, caso queiram. Estima-se que, em meados do
próximo ano, quando as obras estiverem mais avançadas, 2 mil pessoas possam ser
empregadas.
Distrito de Paracatu
Romeu Geraldo de Oliveira, de 43 anos, morava em Paracatu e decidiu colocar a
mão na massa. "Estou bem satisfeito pela comunidade de Bento Rodrigues.
Mas a felicidade só estaria completa se eu estivesse trabalhando na
reconstrução de Paracatu. Enquanto não começar a terraplanagem, a gente ainda
fica com receio. A gente ainda tem essa sensação de que pode não sair a
comunidade como a gente quer", diz.
Em sua visão, a
cobertura da imprensa contribuiu para que as soluções para Bento Rodrigues
tivessem prioridade. "É a menina dos olhos da mídia. Paracatu fica
esquecido e a lama atingiu nossas casas do mesmo jeito. Foi questão de horas
para tudo ser arrasado. Mas estou satisfeito pelos moradores de Bento
Rodrigues. Eles não têm culpa de ter começado a construção da sua comunidade,
enquanto a nossa está atrasada", acrescenta Romeu, que também é integrante
da comissão de atingidos de Mariana.
As características do distrito de Paracatu geraram um contratempo, pois foi
necessário que a Câmara dos Vereadores de Mariana aprovasse uma lei alterando o
plano diretor do município. Na comunidade, os sítios ficavam no meio do núcleo
urbano, o que não era previsto na legislação da cidade. Dessa forma, foi
incluído no plano diretor uma nova zona especial de reassentamento. Os
atingidos de Paracatu aprovaram o projeto urbanístico da nova comunidade em
setembro. Cerca de 140 famílias serão reassentadas. Segundo Patrícia Lois, tão
logo o licenciamento seja obtido, as obras também terão início.
Gesteira ainda sem
terreno
A apreensão que toma conta dos moradores de Paracatu também é a mesma que
atinge os que ficaram desabrigados em Gesteira. Lá, a situação se agrava porque
nem mesmo a compra o terreno para a reconstrução foi concluída. "A gente fica
sem notícias e parece que tudo caminha bem devagar", lamenta Antônio
Marcos da Costa. Ele perdeu a casa onde morava, que pertenceu aos avós, e
também viu a mercearia que gerenciava ser devastada pela lama.
"Tivemos uma
dificuldade grande na compra do terreno. O proprietário pedindo um valor muito
maior do que o valor de mercado. Agora estamos conseguindo evoluir na
negociação", diz Andrea Aguiar Azevedo, diretora-executiva de engajamento,
participação e desenvolvimento institucional da Fundação Renova.
A gerente dos
reassentamentos Patrícia Lois diz que a Aedas, assessoria que atende os
atingidos de Gesteira, começou a atuar apenas no início em novembro de 2017 e
realizou um processo de escuta até fevereiro de 2018 com as 37 famílias que
serão atendidas.
"Diferente de
Bento Rodrigues e Paracatu, a comunidade de Gesteira não quer a construção do
novo reassentamento baseada nas relações de vizinhança. Lá teremos o que
chamamos de reassentamento de futuro". Ela diz que, por ter menos
atingidos, as obras de Gesteira serão mais rápidas.
Gesteira não foi
totalmente devastada, pois a maior parte das edificações ficava em uma área
mais elevada. Antônio Marcos da Costa vive hoje neste local, em uma residência
alugada pela Fundação Renova.
Mesmo tendo se
mantido na comunidade, ele diz que a vida mudou completamente pois a renda
atual é muito aquém da que ele tinha gerenciando a mercearia, cujo dono mora no
centro de Mariana. Além disso, precisa lidar com a depressão que tomou conta de
sua mãe, problema recorrente entre os atingidos, e comprar os medicamentos.
"Faço o que posso. Peguei minhas economias e abri um barzinho. Mas não
ganho igual, mesmo somando com o auxílio mensal da Fundação Renova".
O auxílio mensal,
acordado com o Ministério Público meses após o rompimento da barragem, é
destinado a todos os que perderam renda em decorrência da tragédia. Os valores
são pagos por meio de um cartão e cada beneficiário recebe um salário mínimo,
acrescido de 20% para cada dependente, além do valor de uma cesta básica. O auxílio
não configura verba indenizatória e, no caso dos desabrigados dos três
distritos, deverá ser pago por pelo menos um ano após o reassentamento.
A exemplo de
Antônio, Romeu também conta que sua renda atual é insuficiente. O salário que
recebe na obra de Bento Rodrigues chega a ser quatro vezes inferior ao que ele
conseguia com a sorveteria em Paracatu. Além disso, morando em uma casa
oferecida pela Fundação Renova na área urbana de Mariana, ele diz ter gastos
superiores aos que tinha antes.
"Essa casa aqui
é até muito boa, mas não é minha. Lá eu tinha um amor por cada tijolo, que fui
eu que coloquei. Foram décadas de construção, fazendo tudo aos poucos, e perdi
em 10 minutos. Minha casa era menor do que essa, mas lá é outro ambiente. Tinha
horta, tinha galinha, tinha tudo e não precisava comprar. E tinha a sorveteria
que era a única da região. Não estou nem mais ligando para indenização. Se
derem minha casa de volta eu já estou feliz".
Atrasos serão
cobrados
De acordo com a Fundação Renova, os atrasos ocorreram pelo tempo levado para
compreender a legislação e para atender os anseios da comunidade, através de um
processo de escuta. Em meio a esse processo, foi fechado um acordo com o
Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) que estabeleceu a contratação de assessorias
técnicas para os atingidos. A Cáritas vem atendendo os atingidos de Bento
Rodrigues e Paracatu, e a Aedas é a instituição que atende os moradores de
Gesteira.
"Precisamos
respeitar também o tempo de discussão dos atingidos porque não adianta apenas
fazer uma casa e colocá-los lá dentro. Eles precisam ser ouvidos para que a
nova comunidade lhes permita resgatar seus modos de vida e suas tradições. E
precisam estar amparados pelas suas assessorias", diz Patrícia Lois.
Para o promotor do
MPMG, Guilherme Meneghin, a Fundação Renova cometeu falhas ao regular o espaço
de participação das vítimas. "Nós tivemos que atuar, cancelar uma
assembleia que havia sido convocada onde as vítimas poderiam ser manipuladas a
aprovar um projeto que não lhes atendia. Uma coisa é destruir a casa da pessoa,
comprar outra e colocar ela lá dentro. Isso é muito fácil. Outra coisa é fazer
com que as pessoas retomem os seus modos de vida e, assim, realmente reparar os
danos".
O promotor conta que
o processo começou a deslanchar apenas este ano. Em audiências realizadas em
fevereiro e em março, o MPMG e a Fundação Renova chegaram a um acordo que
estabelece 78 diretrizes de reassentamento. Ficou pactuado, por exemplo, que as
casas deverão ter, pelo menos, 20 metros quadrados a mais do que a que foi
devastada. Uma vez reassentados, os atingidos também terão direito à
assistência técnica para desenvolvimento de atividades agro-silvo-pastoris e
deverão receber ração, adubo e demais insumos necessários.
"Se eles
tivessem adotado essas cautelas um ano antes, não haveria esse atraso",
lamenta Meneghin. Ele diz que o tempo perdido será cobrado. "Já temos um
processo na Justiça onde pedimos a aplicação de uma multa em benefício das
vítimas por conta dos atrasos".